21 de março de 2017

Não peçamos piedade para essa gente criminosa e covarde

Por Clênio Sierra de Alcântara


Estou comparecendo,
ó senhores que pensais
que eu sou bobo.
Pois sou.
Basta olhardes estas cinzas
que cobrem o rosto,
e estes punhos em amaranto,
e este colarinho que me empata as palavras,
e estas mãos como estrelas de barro.
Tudo é um fingimento claro
por mais que mude a voz
e oculte o guarda-chuva
por detrás desta armadura baça.
                                                          Bobo. Jorge de Lima



Foto: internet          A falta de escrúpulos e a busca de lucro a todo custo chegou ao setor de processamento de carnes no Brasil. Carnes estragadas e maquiadas estavam sendo comercializadas pondo em risco a saúde dos consumidores



Depois de nos oferecerem leite longa vida enriquecido com soda cáustica, água oxigenada, formol e ureia, eis que os paternais empresários brasileiros do ramo da alimentação passaram a pôr no mercado carne processada cujos temperos principais são, imaginem, ácido sórbico e, suspeita-se, até papelão. Não é um espanto a capacidade de inovação da indústria de alimentos deste país?

Na última semana, em meio a um noticiário cujo conteúdo era quase todo ele constituído por fatos tristes, preocupantes e desagradáveis, foi alardeado em alto e bom som, pela Polícia Federal, que as principais empresas de processamento de carnes do Brasil, em conluio com funcionários públicos do Ministério da Agricultura, estavam lesando e pondo em risco a saúde dos consumidores daqui e de alhures, colocando no mercado carnes podres e com prazos de validade vencidos e lotes de carne moída misturada com papelão. Como se isso já não fosse deveras grave, ficamos sabendo ainda que pelo menos uma das unidades de processamento se encontrava em pleno funcionamento, mesmo estando contaminada pela bactéria Salmonella, que pode até causar a morte de quem ingerir alimentos nos quais ela esteja presente.

Não sabemos ainda há quanto tempo essa ação criminosa e inteiramente execrável vinha acontecendo; no entanto, o ocorrido revelou, mais uma vez, o quanto estamos à mercê de práticas espúrias levadas a cabo por empresários desonestos que não estão nem um pouco preocupados com o que nos possa acontecer, caso venhamos a consumir os alimentos adulterados que suas propagandas estreladas por personalidades bastante conhecidas se esforçam em nos fazer crer que tal e tal produto é saudável, tem garantia de origem e é inteiramente confiável. Puro marketing ludibriador. Como diria o poeta, tudo é um fingimento claro.

Tivessem os brasileiros plena consciência da gravidade extrema dessa ilicitude praticada por esse ramo da indústria alimentícia, iniciariam uma ação de boicote aos produtos das empresas envolvidas nas investigações da Polícia Federal até que os fatos fossem plenamente esclarecidos e os empresários, devidamente punidos, viessem a público pedir desculpas pelo crime que protagonizaram e pelos sérios riscos de contaminação alimentar aos quais nos sujeitaram, como se fôssemos cobaias que, ainda por cima, têm de pagar - e caro - para ser submetidas a experiências sórdidas e repulsivas.

Como é de praxe nessas horas em que vêm à tona casos dessa natureza, que podem provocar quedas consideráveis no volume de vendas dos produtos no mercado externo, afetando a balança comercial de exportação do país, autoridades públicas e empresários se apressaram tentando remediar o estrago, enquanto nós, como sempre, pagamos de idiotas e indefesos porque não sabemos a quem recorrer e nem como se proteger dentro de um sistema que é, quase todo ele, endemicamente contaminado por ilícitos praticados por uma gente que o tempo todo posa de honesta e bem sucedida quando, na verdade, é tão podre e falsificada quanto a carne e os outros produtos adulterados que estavam sendo postos à venda nos supermercados e açougues brasileiros.

Dando mais uma demonstração inequívoca de que é raposa velha e que é esperto que só ele mesmo, o Presidente da República Michel Temer, numa reunião destinada a esclarecer os fatos, considerou, imagino, que não era o caso de ele e os seus comensais comerem da carne estragada embebida em ácido sórbico que nós outros estávamos a consumir, e levou-os para que se fartassem num restaurante que prudentemente servia, segundo foi noticiado, uma suculenta, cara e, ao que parece, deliciosa picanha importada. Bobos somos nós, não é, Presidente?


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