1 de abril de 2017

Feiras livres (15)

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: do autor    Espaço onde acontece a feira livre no bairro da Praia Grande



Praia Grande (São Luís – MA). Muito embora em quase tudo elas se pareçam – a arrumação dos bancos e mercadorias, o linguajar dos feirantes, os horários de começar e de terminar, o dia da semana em que acontecem com maior comparecimento de comerciantes e de compradores, etc. -, algumas feiras livres nordestinas apresentam uma e outra particularidade que as diferenciam das demais, como é o caso da feira livre que se realiza no bairro da Praia Grande, em São Luís do Maranhão, que eu visitei em novembro passado.

O visitante desavisado que chegar à capital maranhense e perguntar simplesmente onde fica a principal e mais conhecida feira da cidade, ele, indubitavelmente, será encaminhado para o grande mercado mais que centenário que existe no sítio histórico do qual faz parte todo o bairro da Praia Grande que é, efetivamente, a área de ocupação urbana mais antiga e onde a cidade realmente teve início, com os aterros transformando as áreas de alagados que paulatinamente foram sendo ocupadas por prédios civis, religiosos e militares ditando uma dinâmica de vida que era intensamente marcada pelo comércio fluvial e marítimo que tinha a Praia Grande como epicentro, dada a proximidade do porto e da alfândega. Note-se, no entanto, que os aterros de que falei só vão se processar intensamente a partir do último quartel do século XVIII - ao que parece, isso se deu pelo incentivo, estabelecido a partir de 1780, que conferia o direito de ali construir e permanecer a todo aquele que promovesse aterros com seus próprios recursos -; e que foi se desenvolvendo um comércio secundário nas margens do principal que, dia a dia, ganhava vulto. Cabe aqui uma curiosidade: a razão do nome Praia Grande se deve pelo fato de que, no século XVII, existia junto ao porto natural de carga e descarga da cidade, uma área denominada Praia Pequena - ela desapareceu com a construção do Cais da Sagração (1841-1844) - que se desdobrava em outras duas praias: a de Trindade e a de Santo Antônio. E foi devido ao seu prolongamento e rápido crescimento que, já em 1757, foi denominada Praia Grande.









O mercado ao qual me referi em linhas atrás e que é conhecido como Feira da Praia Grande, só passou a existir como tal, naquela zona comercial, na segunda metade do século XIX, no prédio público que era chamado de “Casa da Praça” e “Casa das Tulhas”, cuja entrada principal é voltada para a Rua da Estrela, no Largo do Comércio. Outra curiosidade: a Casa das Tulhas, propriamente dita, nome pelo qual também era conhecido o Terreiro Público, um aterro concluído em 30 de outubro de 1805 onde foram instaladas barracas para a comercialização de gêneros de primeira necessidade, não era o que hoje compreende a área exclusiva onde se acha localizada a Feira da Praia Grande e, sim, toda a zona comercial que circula a Rua da Estrela que, por seu turno, está situada onde outrora havia um imenso jardim. O prédio original, que sofreu alterações ao longo do tempo, foi concluído em 1861 pela Companhia Confiança Maranhense. E todas essas informações e outras mais eu recolhi na leitura de dois estudos que eu recomendo como fontes importantes para o conhecimento da história não apenas do mercado e do Largo do Comércio no qual eu estive mais de uma vez – outra referência da cidade nesse segmento que eu visitei foi o chamado Mercado Central; e no dia da minha visita a TV Mirante veiculou reportagem mostrando o estado precário de suas instalações apontado por alguns dos seus comerciantes -, bem como da própria formação e consolidação das atividades comerciais no então incipiente núcleo urbano. Eis as referências: José Ribamar Sousa dos Reis. Feira da Praia Grande. São Luís: s. ed. 1982, 94 p.; e Raquel Gomes Noronha. No coração da Praia Grande: representações sobre a noção de patrimônio na Feira da Praia Grande. São Luís: EDUFMA, 2015, 220 p.












Dito isso, se estiver à procura de uma “feira livre” em São Luís, o visitante deve fazer a pergunta se valendo desses termos e não somente do vocábulo “feira”. E foi isso que eu fiz. E ainda na pousada onde eu me hospedei fui informado da ocorrência de uma feira livre, às quintas-feiras, lá mesmo no bairro da Praia Grande, só que um pouco afastada da antiga Casa das Tulhas e dos prédios históricos.

E foi assim que na manhã do dia 3 de novembro do ano passado, eu deixei o anexo 1 da Pousada das Águias portando câmera fotográfica, caneta e caderneta de anotações e segui para o local indicado com o intuito de conhecer mais uma feira livre. Mas qual não foi o meu desapontamento ao chegar ao lugar e verificar que àquela hora o que havia lá era somente uma promessa de feira livre: caminhões ainda estavam chegando para descarregar os bancos, que são todos feitos de ferro, inclusive, a parte que recebe a lona plástica. Fiquei então sabendo que a feira ia começar a ser montada porque, na realidade, o seu auge não era de dia e sim de noite, algo para mim inteiramente novo: era a primeira vez que eu iria conhecer uma feira livre que acontecia à noite.















Eram já quase 11:00 h. O sol estava de rachar o quengo. E eu aproveitei a ida àquele lugar para me acercar da sua natureza. Situado a poucos metros da margem do Rio Baganga, num terreno pavimentado (Aterro do Baganga) onde ocorrem testes para retirada de carteira de habilitação, o espaço que abriga a feira fica próximo também do terminal rodoviário de onde partem e chegam os ônibus que circulam por todos os bairros de São Luís; e daquele terreno se avista grande parte do sítio histórico da cidade.

Fui almoçar. Passeei um pouco. E logo depois das 14:00 h eu estava de volta para ver a feira. As mercadorias continuavam a chegar, bancos ainda estavam sendo montados, mas já havia feirante com o banco arrumado e vendendo seus produtos.








Circulei pela área. Enquanto eu fotografava, uma senhora falou alto para eu escutar: “Não quero que fotografe o meu banco”. Eu disse um “Tá certo” sem nem olhar para ela. Já num outro ponto um dos feirantes me chamou: “Ei, fotografa aqui”. E eu me aproximei dele e da mulher que ele me apresentou como sendo sua esposa. Josinaldo Souza da Silva, 40 anos de idade, foi muito solícito para comigo; e me forneceu várias informações acerca daquela feira livre.

De acordo com o feirante Josinaldo, a feira é itinerante; e a cada dia da semana é montada num bairro diferente, sendo que nem todos os feirantes vão para todos os lugares, e eu não sei se por escolha própria ou limitação de espaço. Disse que a Prefeitura é que se encarrega de transportar os bancos; e que cada feirante paga R$ 4,00 à Municipalidade pelo serviço – e ele também dá uns trocados a um rapaz que arma o seu banco. Josinaldo me disse ainda que a feira ocorria naquele terreno só que bem mais próximo do terminal rodoviário; e que nesse tempo as mercadorias eram arrumadas no chão, sobre lonas, depois foi que os bancos chegaram. E disse mais: a feira começou em Vinhais, Cohab e chegou à Praia Grande. As mercadorias vêm de Tapera, Mioba, Passo do Lumiar e da Central de Abastecimento (Ceasa). E completou: “Desde pequeno eu sou envolvido em negócio de feira. A feira era mais perto do terminal. A gente trabalhava pondo as mercadorias no chão; a gente botava em lona; a gente botava as caixas. Depois foi que fizeram esses bancos. Aqui tem em média trezentos e quarenta feirantes. Amanhã tem feira em Renascença e Guajajara [na verdade, Guajajaras é uma avenida do bairro Planalto Anil II; a feira é montada próxima a ela]. O pessoal é selecionado para um canto e pra outro”.















Até aquele horário a feira livre da Praia Grande ainda não se revelava em sua completa inteireza. Naquele momento observei que as mercadorias então expostas se resumiam a frutas, legumes e verduras, raízes tuberosas como batata-doce, e queijos, farinha de mandioca e feijão. Uma coisa curiosa que me chamou a atenção como sendo mais uma particularidade daquela feira foi a identificação de cada banco com um nome – o do Josinaldo, por exemplo, é Bárbara, que é o como se chama a sua esposa.

Fui embora. E perto das 19:00 h – agora em companhia do meu amigo e guia Raimundo Nonato – eu voltei mais uma vez àquela feira. E aí, sim, vi a feira livre efetivamente montada e acontecendo para valer, algo surpreendente e novo para mim.





Josinaldo Souza da Silva: feirante atencioso e gentil












A atmosfera noturna e o clima ameno, em nada comparado ao calorão do dia, conferiam um colorido especial à feira envolta por fortes luzes amarelas. Além do grande movimento de pessoas, eu vi muitos outros produtos e comidinhas à venda: ovos, muitos peixes, canjica, pamonha, caranguejo, siri, pastel, polpa de frutas, frango abatido, milho cozido e assado, brinquedos eletrônicos, etc. Uma gama variadíssima de coisas que fazem daquela feira livre um acontecimento e tanto nas noites são-luisenses. E quanto mais eu a percorria, mais eu me percebia encantado com todo aquele aparato montado com o propósito de atrair a população da cidade – e até mesmo forasteiros como eu – para, como se diz, fazer a feira.










Fotos noturnas: Raimundo Nonato














Para além do cunho, digamos, mercadológico e comercial que fundamentalmente as fez surgir, as feiras livres são acontecimentos sociais que celebram as colheitas fartas, que exibem ingredientes das receitas culinárias dos locais onde elas ocorrem, que revelam técnicas artesanais na variedade dos objetos que nelas são expostos, que nos proporcionam estar em contato com uma atividade que acompanha a humanidade há centenas de anos e que nos dizem muito de costumes, tradições e por que não dizer da riqueza cultural de um povo.
  

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