4 de março de 2017

O Bloco das Ilusões

Por Clênio Sierra de Alcântara


Ei, você aí, o Bloco das Ilusões já passou, rapaz!

Durante vinte e um anos a Ditadura Militar que se instalou no Brasil, em 1964, lançou mão de vários recursos visando ao controle absoluto dos meios de comunicação e das manifestações culturais a fim de que, à população, só chegasse aquilo que conviesse aos mandatários do regime autoritário. O cerceamento da fala; o empastelamento de jornais; a censura prévia a mutilar reportagens de jornais e revistas; a intimidação e a ameaça constantes quando não a morte de jornalistas; o lançamento de explosivos nas redações; a invasão de teatros; etc. Tudo isso era praticado pelos ditos donos do poder que pensavam o Estado como coisa sua e que viam o povo unicamente como uma massa ignara na qual era preciso pôr cabresto para que, por exemplo, ela não tomasse conhecimento sequer do surto de uma doença e, assim, pensasse que tudo estava sob controle; e também e principalmente para que ela não se debandasse dando ouvidos aos infames subversivos que eram todos aqueles que tinham coragem de contestar o regime, fossem eles cidadãos que ansiavam se livrar das amarras do sistema repressivo e vir os direitos civis serem respeitados e os ideais democráticos voltarem à ordem do dia, fossem eles indivíduos que lutavam para derrubar a ditadura militar com o fito de implantar uma outra, só que nos moldes dos regimes comunistas.

Embora alguns continuem a dizer que o Brasil permanece sendo uma nação cuja democracia ainda é imatura, não se pode negar que, desde o fim da ditadura dos militares, ocorrida em 1985, nós demos passos significativos na construção de uma sociedade cujas instituições vêm ano após ano buscando consolidar a plenitude dos valores individuais garantidos pela Constituição nos quais se incluem, entre outros, o direito de ir e vir e a liberdade de se expressar, porque não se concebe que um regime seja, de fato, democrático, se ele não permite a quem quer que seja falar e/ou escrever o que pensa arcando a pessoa com as consequências que possam advir, caso a sua fala e/ou escrita infrinjam os ditames das leis que, destaque-se isso, devem valer para todos e cada um dos cidadãos.

Apesar dos avanços consideráveis no que diz respeito à defesa dos princípios constitucionais que alicerçam as democracias, em geral, e a do Brasil, em particular, todos os anos jornalistas são assassinados por este país afora, porque ousam fazer saber à população sobre desmandos, conluios e toda a sorte de ações criminosas praticadas por homens e mulheres no trato, fundamentalmente, com a coisa pública. Além disso, continuamos assistindo a episódios que demonstram como, no Brasil, os governantes insistem em fazer do Estado uma extensão de suas casas e, por isso, querem agir de modo arbitrário e mandão, como se eles estivessem acima das leis e de tudo e de todos; e como se eles não devessem explicações a quem quer que seja e muito menos a nós, que os elegemos.

Não faz muito tempo, o senhor Presidente da República Michel Temer, quis impedir que fosse divulgado pela imprensa o conteúdo das investigações envolvendo sua esposa e um hacker, que a chantageou, depois de conseguir entrar no arquivo de mensagens do celular dela. Felizmente a vontade autoritária travestida de defesa de privacidade, alegada pelo senhor Presidente, foi sabiamente inibida por um desembargador. E, há poucos dias, noutro caso que ganhou repercussão, dado o seu alto grau de arbitrariedade, em plena euforia dos festejos de Momo, no Recife, um reizinho enfezado mandou que confiscassem fantasias e máscaras de uns foliões que, apropriadamente, lhe faziam críticas e o tiranete, claro, não gostou nem um pouco disso, porque eles mexeram com seus brios de rei impoluto, correto e honesto.

Vivemos num tempo em que nem é preciso saber escrever ou falar com propriedade e nem dispor de um órgão de imprensa para denunciar arbitrariedades e abusos e, de alguma maneira, protestar e dizer que isso e aquilo que é praticado por uns e outros não deve ficar por isso mesmo e nem impune, como se fosse uma ordem natural das coisas. De posse de um simples telefone celular imagens e áudios são captados e divulgados na rede mundial de computadores por qualquer pessoa, escancarando os acontecimentos sem que eles precisem passar por censura prévia ou filtro algum. Afora isso, algumas instituições e organizações, em par com setores esclarecidos da sociedade, têm se mantido vigilantes para que em nome do Estado pessoas não ajam com o propósito de reduzir o cidadão a um sempre conformado e resignado autômato.

Passado o Carnaval uns e outros políticos e seus apaniguados insistem em permanecer mascarados, como se isso impedisse que eles fossem identificados. As máscaras não conseguem esconder mais nada. E os reizinhos, ao que parece, ainda não se deram conta de que estão completamente nus.

Meus caros, o Bloco das Ilusões passou faz tempo

(Artigo publicado também in Informa Garanhuns [Garanhuns], nº 7, Opinião. p. 2, março de 2017).

2 comentários:

  1. Um dos melhores comentários relativo a situação atual do nosso estado Pernambuco .

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  2. Pela brevidade do texto, tocou em pontos essenciais dentro de nosso folclore político. Gostei!

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