2 de junho de 2017

O sigilo da fonte e a liberdade de expressão

Por Clênio Sierra de Alcântara


   À memória de Tim Lopes, jornalista covardemente                                                                                  assassinado no exercício de sua profissão há exatos                                                                                  quinze anos



Imagem: Internet     Contrariando o que determina a Constituição, agentes da lei divulgaram fontes de um jornalista, como se isso não configurasse uma repulsiva  arbitrariedade e não deixasse de ser, de certa forma, uma intimidação ao pleno exercício da prática jornalística     


Quem vem acompanhando com atenção as ações e os desdobramentos investigativos da Operação Lava-jato, seguramente celebra o impacto positivamente arrasador que eles têm causado sobre os atos criminosos praticados diuturnamente por políticos e empresários deste país. São indiscutíveis o efeito moralizador e o sopro de esperança que os executores da Operação lava-jato vêm imprimindo aos brasileiros de que algum dia haveremos de viver livres se não de todo, de grande parte da corrupção que desde sempre assola a nossa sociedade. Por outro lado, quando se atentam para os detalhes das investigações – e residem precisamente nos detalhes as marcas dos excessos cometidos – se percebe que, caso não nos mantenhamos vigilantes, veremos que, sob pretexto de apoiarmos e aplaudirmos o julgamento e a prisão de criminosos, abramos mão da decência e sobretudo do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana elencados na Carta Magna da nação.

Não vou entrar aqui no mérito das discussões em torno dos excessos cometidos pelas autoridades policiais e judiciárias no efetivo campo do Direito, porque eu não tenho cabedal para tanto. Os agentes, os delegados, os juízes e os procuradores envolvidos com a Lava-jato fariam um bem tremendo ao Brasil caso se limitassem às investigações e à correta aplicação de penalidades estabelecidas pelas leis e deixassem de lado e evitassem as arbitrariedades, a divulgação precipitada de ações e a espetacularização do seu modus operandi.

Talvez como meio de angariar cada vez mais o apoio da sociedade à causa das ações  anticorrupção que eles têm empreendido, agentes da lei por vezes têm agido não somente como cumpridores dos seus deveres, mas também como cidadãos que parecem estar acima de todos e pudessem fazer muito além do que o arcabouço legal prescreve, agindo conforme lhes dá na telha, atropelando ritos e ignorando o que vai dito na letra da lei. Daí por que as desnecessárias conduções coercitivas, os Powerpoints da vida, o show midiático da Operação Carne Fraca e, ainda há pouco, a sob todos os ângulos repulsiva e condenável divulgação de fontes de um jornalista.

Muito embora eu creia que me afaste até certo ponto da natureza jornalística propriamente dita, não posso negar que aqui neste meu tão pouco visitado espaço, é jornalismo também sim, o que eu venho exercendo há vários anos. Um jornalismo independente que é eivado de idiossincrasias, mas que não apela, na medida do possível, para o mau gosto e o baixo nível e nem para as agruras do mundo cão; que não teme o tom raivoso e carniceiro que impera na rede mundial de computadores; que não é patrocinado ainda por quem quer que seja; e que, por fim, é praticado por alguém que fundamentalmente foi educado para a prática da liberdade: liberdade de se expressar; liberdade de pensar; liberdade para dizer sim; liberdade para dizer não; liberdade para gritar; liberdade para contestar. Podem dizer que a minha escrita é precária e ruim; que o que eu exponho neste blog é dispensável e irrelevante; que minhas ideias e pensamentos são rasteiros e tudo o mais. Podem dizer o que quiserem, porque não são os impropérios e nem os elogios que impulsionam a minha pena: o que absolutamente me move nesse exercício é a minha vontade de dizer e a minha liberdade de expressão.

O artigo 5º do Capítulo I da Constituição Federal estabelece, entre os direitos e deveres individuais e coletivos, que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Apesar disso, homens da lei, uma gente que deveria defender e cumprir tenazmente o que estabelece a Carta Magna, atropelaram o fundamento do artigo 5º, divulgando fontes do muitíssimo afiado, lido e preparadíssimo jornalista Reinaldo Azevedo, praticando, junto com isso, outra arbitrariedade, que foi expor algo que nada tinha a ver com as investigações então em curso.

Existem pessoas neste país que dizem zelar pela moral e pelos bons costumes e, por outro lado, de maneira alguma toleram a pluralidade de ideias. E é gente assim que pisoteia em Reinaldo Azevedo, quando ele discorda das hostes petistas. É gente dessa natureza que esbraveja contra Reinaldo Azevedo quando ele aponta desmandos cometidos por agentes da lei. É gente dessa qualidade que ataca Reinaldo Azevedo por ele ter clareza de pensamento, ideias próprias e nenhum receio de expor e defender aquilo em que acredita.

As forças que se unem contra a prática do jornalismo lançam mão de vários meios e recursos visando o silêncio do narrador. A intimidação e as ações covardes são postas como uma declaração explícita de quem acredita piamente no poder do convencimento feito à base de ameaças de toda espécie, inclusive de morte. Em vez de contra-argumentar o que foi dito e/ou publicado, os que são mencionados na narrativa tratam de toda forma desqualificar quem o disse e/ou escreveu sem mostrar provas de sua inculpabilidade.

Ficou mais do que claro no episódio de divulgação de fontes jornalísticas feita por agentes da lei, que não se tratou de uma ação destinada a somente prejudicar a atividade de Reinaldo Azevedo. O caráter nefando da execrável ação se portou como um recado endereçado a todos nós que, de uma maneira ou de outra, exercemos o exercício público da escrita e da fala.

Ao longo da história da humanidade muitas vezes escrever significou discordar de pensamentos e ideias e lutar contra forças opressoras. Continuemos empenhados em fazer saber sobre aqueles que tentam distorcer e mascarar a realidade. Duvidemos do que nos é revelado como verdade inquestionável. Não nos aliemos com os foras da lei. E jamais silenciemos, porque silenciar é ser conivente com os agentes da vontade autoritária. Escrever sempre foi e vai continuar sendo um desafiante - e por que não dizer? -  libertário ato de coragem.


(Artigo publicado também in Informa Garanhuns [Garanhuns], junho de 2017, nº 10, Opinião, p. 2).


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