30 de setembro de 2017

Crônicas de ônibus (VI)

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: do autor    Viver dignamente é o que todos nós queremos. E viver dignamente requer dispor de recursos financeiros que nos assegurem acesso à comida, a vestuário, a remédios... Esta senhora que aparece nas fotos vendendo pipoca - ela vende água também - dentro de um ônibus é um entre os milhões de brasileiros que estão fora do mercado formal de emprego




A frase feita do momento é a que diz que “não está fácil para ninguém”. E não está mesmo. Num quadro de crise econômica severa, o contingente de desempregados no Brasil soma mais de treze milhões de indivíduos. Na esteira dessa realidade seguem também elevados os índices de criminalidade – é um fato, dizem especialistas no assunto: quanto maior o nível de desemprego, maior o número de ocorrências de práticas criminosas, sobretudo os casos de roubos, furtos e latrocínios – e de pessoas que, lutando pela sobrevivência, se lançam nos chamados empregos informais.

Para alguém que, como eu, anda de ônibus desde que estava na barriga de sua mãe, sempre foi comum se deparar nos coletivos com pedintes, religiosos anunciadores do fim do mundo e com um e outro vendedor de bombons e de pipoca. Nos últimos anos a grave situação econômica que tomou este país de ponta a ponta provocando demissões aos magotes – nem o funcionalismo público escapou dessa tragédia social, como deixam ver os fluminenses e gaúchos que estão com salários atrasados -, o fechamento de milhares de lojas, a retração da produção industrial e o encerramento de atividades de outras unidades produtivas e comerciais, fez com que o número de vendedores presentes nos ônibus crescesse de maneira espantosa e diversificada na Região Metropolitana do Recife.

Quem, por exemplo, como é o meu caso, embarca no terminal de integração de Igaraçu rumo ao Recife, com toda a certeza, antes de chegar ao seu destino, ouvirá dentro do coletivo pelo menos dez pregões anunciando uma gama variadíssima de produtos – e quando se trata de alimentos industrializados geralmente o vendedor começa a sua propaganda dizendo que o que ele está oferecendo se encontra dentro do prazo de validade -: bolo, biscoito, sanduíche, refrigerante, pudim, mousse, pastel, coxinha, salgadinho, pipoca, água mineral, escova de dente, fone de ouvido, caneta, palavras cruzadas, capas para celular, amendoim, porta-documentos, trufas, cremes contra uma coisa e outra. Gente é tanta coisa e são tantos os vendedores que entram e saem dos coletivos quando estes – no caso dos veículos do tipo BRT – param nas estações, que é mesmo um espanto. Embora a maioria dos vendedores seja do sexo masculino, entre eles é grande a presença do público feminino; e em ambos os grupos a faixa etária não varia muito: em geral são todos jovens; mas eu já vi indivíduos de meia-idade e até idosos nessa labuta.

Não sei se há uma relação neste sentido, mas eu creio que a presença tão maciça de vendedores dentro dos ônibus têm inibido a ação dos pedintes, porque não se veem tantos como até há algum tempo atrás se via; talvez eles se sintam constrangidos em “pedir uma ajuda” no mesmo espaço onde tem sido constante a atuação de vendedores. Porém de vez em quando eles dão as caras. Dia desses, num BRT que eu tomei em Abreu e Lima com destino à capital, embarcou uma senhora em Paulista que não demorou a fazer o seu discurso de coitadinha. Ao meu lado, de pé, duas mocinhas se puseram a greiar à boca miúda enquanto a pedinte falava:

- Minha gente, se vocês não puderem me ajudar, por favor, não me julguem nem me critiquem.

- Ó pra isso!

- Eu tô aqui pedindo uma ajuda pra comprar comida. Todo dia eu saio de casa logo cedo. Eu podia sair pra roubar mas eu venho pedir.

- Não é de lascar?! Por que ela não sai pra procurar emprego?!

- Pessoal, por favor, me ajudem. Tenho certeza que se fosse pra comprar droga, como fazem uns caras que sobem nos ônibus, vocês ajudavam – ela disse isso e começou a chorar no ônibus superlotado no princípio daquela manhã de agosto. E ao ouvir isso uma das jovens disparou:

- Vê só! A Rede Globo tá perdendo uma boa atriz.


Nos últimos meses eu também circulei de ônibus por João Pessoa e São Luís e posso dizer que não vi nessas duas cidades nada que se comparasse ao que tem sido visto nos coletivos que circulam na Região Metropolitana da capital pernambucana. À dura realidade dos milhares de usuários de um ainda precário e inseguro transporte público veio se somar o drama de centenas – talvez milhares – de indivíduos que têm buscado ganhar a vida vendendo uma coisinha e outra nos diferentes itinerários percorridos pela numerosa frota. Como usuários do transporte público de passageiros muitas vezes perdemos um tempo danado esperando por um ônibus que parece que não vem nunca; mas o aluguel de uma morada, as contas de água e de luz e principalmente a fome não conseguem esperar tanto assim.


Um comentário:

  1. Concordo!! Porém a crise como você mesmo frisou é geral. Todavia, já posso dizer que em São Luis, apesar das estatistica ser menor em relação a Recife, ja dá pra se notar o grande fluxo também de pedintes e vendedores ambulantes e percebo que grande impótação se dá da cidade do Recife. Digo isto, porque ao se indentificarem, dizem que são originários de Recife, em regime de tratamento de entorpecentes.

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