1 de dezembro de 2017

Outra vez uma vaga revitalizadora invade o Bairro do Recife

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: do autor     É grande o número de obras de revitalização ocorrendo no Bairro do Recife. Note-se que em várias das ruas ainda existe uma profusão de fios nos postes, algo que já deveria ter sido solucionado, embutindo-os



Mesmo depois que primitivo Bairro do Recife, a área historicamente reconhecida como o local onde efetivamente teve início a formação e ocupação da capital pernambucana, passou por uma grande reforma nas primeiras décadas do século passado, a reboque das obras de modernização do porto, emulando o movimento de destruição/reconstrução do espaço urbano tomando como pretexto a adequação da cidade ao incremento da zona portuária que se verificara no Rio de Janeiro, então capital do país, o Recife novo que deu lugar ao que nele existia, com prédios suntuosos que lembravam e/ou tinham e/ou pretendiam ter qualquer coisa da Paris haussmanniana, como um símbolo da belle époque nos trópicos, continuou sendo chamado – como, aliás, até hoje – por um dos nomes que o designava: Recife Antigo.

As levas de turistas que nos dias atuais acorrem para aquelas bandas do Recife – não todos, eu presumo – fazem registros fotográficos e ficam admirados diante dos altos edifícios certamente crentes de que passeiam por entre construções realmente antigas, desconhecendo que nem sequer todo o território que o compreende remonta ao século XVI, quando a área começou a ser ocupada, bastando que digamos, só para apontarmos um local em que o espaço foi consideravelmente ganho às águas, que todo o terreno que fica defronte ao Banco do Brasil e que começa ao lado da Ponte Buarque de Macedo e vai até a Ponte do Limoeiro surgiu no século XX; ali, primitivamente, existia um cais; e é por isso que apesar de não mais comportar atividades ligadas diretamente ao porto, a avenida que cobre praticamente todo aquele percurso é denominada de Av. Cais do Apolo.

Um grupo do folguedo Nau Catarineta da cidade de Ipojuca se apresentando na praça do Marco Zero
   


Como eu ia dizendo, com a efetivação daquela reforma que promoveu um verdadeiro bota-abaixo e uma sucessividade de aterros para que fosse erguido um novo Recife ou um Recife novo – felizmente pouparam as igrejas da Madre de Deus e de Nossa Senhora do Pilar e o Forte do Brum – no lugar do que ali secularmente existia, o Bairro do Recife conheceu outro período de dinamismo abrigando um comércio variado que acompanhava a presença de bancos e de escritórios representantes de firmas estrangeiras.



Não foram só as crises financeiras e a perda de expressividade e competividade do porto recifense com relação a outros portos brasileiros – tempo houve em que o porto do Recife, em termos de importância econômica, só ficava atrás do do Rio de Janeiro – que desencadeou uma paulatina decadência daquela área. Além de ter ocorrido o fechamento de empresas, que se deslocaram para outras praças, houve como que um abandono do lugar por parte da população, que não enxergava naquele naco da cidade outra coisa que não fosse fundamentalmente pautada pelo viés econômico e financeiro. De modo que, mesmo quando ocorreu uma movimentação já na segunda metade do mesmo século XX de se implantar órgãos públicos na localidade – o edifício da Prefeitura, por exemplo, foi inaugurado na década de 1970 -, a degradação e o ar decadente se mantiveram impregnados em vários dos velhos edifícios que, abandonados, começaram a servir como prostíbulos e moradia para uma multidão de despossuídos – a propósito, durante muito tempo se manteve em voga entre o povo do Recife uma pilhéria que dizia que, quando os matutos desembarcavam dos trens na Estação Central, nem precisavam perguntar onde ficava a zona de prostituição da cidade, porque, ao passarem pela Praça Joaquim Nabuco, a estátua do nobre abolicionista aparecia com uma mão certeira, indicando a direção e quase que tomando vida, superando o Davi de Michelangelo, só faltava dizer: “É para lá!”.


Uma cidade é feita para as pessoas

Lá no outro lado, a obra do artista Francisco Brennand ainda aguardando um sistema de iluminação



Ao que parece imbuído daquela patriotada que tomou a nação de uma ponta à outra visando às comemorações dos 500 anos de descoberta do país pelos portugueses, um grupo diligente de pessoas se empenhou tenazmente para que não apenas uma parte significativa dos prédios do Bairro do Recife fosse restaurada – muita gente boa acredita que tal “restauração” efetivamente não aconteceu e, sim, somente uma ação cosmética com a pintura de fachadas – bem como, contrariando o que até então era mantido como política de preservação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), este órgão federal reconhecesse certo perímetro do Bairro do Recife, que compreendia, a bem dizer, em sua maior parte, um conjunto arquitetônico erguido há menos de cem anos, como Patrimônio Nacional, algo que, de maneira inédita, acabou acontecendo.










Em que pesem o colorido das fachadas, a profusão de bares e casas de shows, instituições culturais, empresas de tecnologia consolidando um dito Porto Digital, a presença maciça do público em eventos no Marco Zero, a instalação de um pequeno shopping, de uma unidade da Livraria Cultura e de todo o oba-oba que o novo processo de gentrificação angariou para a localidade no final da década de 1990 e nos anos iniciais deste século XXI, outra vez o Bairro do Recife, como se estivesse predestinado a vivenciar ciclos de brilho e escuridão, sofreu com um crescente abandono, agora motivado, segundo se dizia, por uma vaga de violência que se verificava por ali, sobretudo nos finais de semana, quando ocorriam arrastões, assaltos e brigas. E isso ocasionou o fechamento de inúmeros estabelecimentos. E fazendo par com o medo que aterrorizava muitas das pessoas que receavam voltar a frequentar aquele bairro, vários prédios foram novamente deixados à mercê da inexorabilidade da ação do tempo, sofrendo com um abandono visível e lamentável – meses atrás o Ministério Público tratou de pôr as coisas nos seus devidos lugares e determinou que os proprietários dos prédios abandonados tratassem de recuperar seus imóveis.





 Note-se que em várias das ruas ainda existe uma profusão de fios nos postes, algo que já deveria ter sido solucionado, embutindo-os















No domingo passado eu aproveitei uma ida ao Bairro do Recife para lançar meus olhos em direção ao que parece ser uma nova etapa de revitalização daquele pedaço da capital que eu tanto estimo. Não bastasse o recente anúncio de que haverá uma expansão das empresas incluídas no chamado Porto Digital, a Prefeitura Municipal mantém um canteiro de obras que irá transformar a Av. Rio Branco em espaço destinado unicamente para as pessoas e nadinha para os carros. Os antigos armazéns do porto, como se sabe, tiveram o seu último módulo ocupado neste ano. E continuam os trabalhos no entorno do Museu Cais do Sertão. Essa movimentação toda inevitavelmente me fez pensar que novamente o Bairro do Recife emula o Rio de Janeiro, que vem, faz alguns anos, revitalizando sua antiga zona portuária com um projeto denominado de Porto Maravilha – como aconteceu com o Recife e outras capitais, várias dessas obras foram pensadas e deveriam estar prontas em 2014, ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo de Futebol.































  






















Já faz um bom tempo que muita gente tem feito do Bairro do Recife um local onde pode encontrar diversão, cultura e lazer. Quem anda por ali nas manhãs de domingo, por exemplo, percebe quão viva tem ficado aquela área com a presença fervilhante de pessoas ocupando várias das ruas principalmente com atividades esportivas e culturais. Percorrendo alguns daqueles logradouros com uma câmera fotográfica na mão, eu vi não só operários em andaimes, canteiros de obras e pinturas renovadas em inúmeros prédios; vi um pedaço de cidade mais uma vez recobrando forças para manter-se na ordem do dia, atraindo para junto de si levas e levas de indivíduos que seguramente não vão até lá somente para apreciar a convivência entre o novo e o antigo, mas também para fazer valer o entendimento que diz que uma cidade essencialmente existe para abrigar toda e qualquer pessoa.

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