22 de setembro de 2018

Crônicas de ônibus (VII)


Por Clênio Sierra de Alcântara

Foto: Arquivo do Autor
  
Há quem diga que andar de ônibus é uma dessas aventuras que exigem do indivíduo um nível elevado de disposição e de coragem, sobretudo se o sujeito mora numa Região Metropolitana como a do Recife, onde o número de assaltos aos coletivos cresce sem parar. Mas o que fazer quando não se tem recursos para comprar um carro e nem pagar viagens nos Uber e nos 99 Pop da vida? Ora, o jeito mesmo é encarar o busão e pôr o pé na estrada sem ter tempo, como diz aquela canção, de temer a morte. A vida passa tão apressada. O ônibus segue em disparada. E tudo o que o usuário do transporte público de passageiros quer é partir e chegar, às vezes necessitando, para tanto, embarcar em um ônibus e ir fazendo baldeação em terminais integrados para atingir o seu destino. O tempo que se perde nesses deslocamentos – com ou sem integração – não é pouco. E, não é de hoje, as discussões em torno do tema “mobilidade urbana” não têm tido resultados efetivamente satisfatórios. Também nesse ponto, as políticas públicas, no Brasil, vêm caminhando a passos de tartaruga.

É claro que em uma época de eleições gerais, como a que estamos vivenciando neste momento, conversas sobre este ou aquele candidato surgem durante a viagem. Também se comentam o capítulo de ontem da novela das nove; o vestido que fulaninha usou domingo para ir à missa; a bebedeira e o churrasco na casa do vizinho; a rodada do fim de semana do Campeonato Brasileiro de Futebol; a gravidez de sicrana; os preparativos para a formatura do ABC do filho; o segurança que procura rapazes sexualmente passivos para se dar bem financeiramente; o bate-papo pelo WhatsApp que foi até a madrugada; as provas da faculdade e o resultado do exame de sangue, etc.  De modo que a viagem vai seguindo o seu caminho e tem gente que até esquece que, de acordo com as estatísticas, é enorme a possibilidade de os passageiros deste ou daquele ônibus, desta ou daquela linha que atravessa o bairro nobre ou a comunidade suburbana serem vítimas de um assalto à mão armada, quer seja com arma branca, como faca e facão, que é mais aterrorizante, quer seja com arma de fogo.

As histórias de assalto aos passageiros de ônibus são mais frequentes do que se imagina. De maneira que o clima e a sensação de insegurança transformam até mesmo viagens breves em longas jornadas marcadas pelo medo de ser mais uma vítima dos delinquentes que costumam tocar o terror nos coletivos sem se importar com as câmeras existentes nos veículos e nem com a ação de passageiros que, igualmente armados, reagem no momento da abordagem, como ocorreu no último dia 17 de julho, na Avenida Segunda Perimetral, em Olinda, quando um homem sacou um revólver e efetuou disparos que atingiram dois assaltantes e uma passageira.

Dias atrás, quando eu retornava do Recife para a minha casa – são necessários dois embarques para que eu chegue ao meu destino – , ouvi duas senhoras conversando. Eis o teor de parte do diálogo que elas travaram:

- Mulher, foi um livramento de Deus mesmo.

- Eu não soube disso, não.

- Pois foi, minha filha. Parece que ela tava até adivinhando. Ela desceu numa parada e, quando o ônibus parou na outra, subiram três caras e roubaram todo mundo.

Morando no bairro de Ouro Preto, em Olinda, Eric Vicente, 33 anos, todos os dias, de segunda à sexta-feira, pega um ônibus na PE-15 e segue para o centro do Recife, onde embarca num coletivo disponibilizado pela empresa onde ele trabalha e que o leva até a cidade de Jaboatão dos Guararapes. Entrar nesse ônibus é para ele um grande alívio, porque logo passa o receio de que ele será mais um número nas estatísticas da Secretaria de Defesa Social que contabiliza a quantidade de assaltos no transporte público de passageiros. Numa conversa recente ele me contou que se sente inseguro quando utiliza o BRT para ir trabalhar porque, mesmo não tendo sido assaltado nem uma vez, ouve histórias de abordagens dentro dos ônibus e das estações, segundo as quais os meliantes armados com faca entram e levam tudo das pessoas. Eric Vicente acrescentou que muitos indivíduos entram nos BRT’s pelas laterais, sem pagar, e saem com muita facilidade e rapidez das estações; e que são esses os que mais lhe apavoram. “Utilizo o BRT na ida pro trabalho mas nunca na volta pra casa. O motivo é que, no horário que eu tô voltando, é pequeno o volume de pessoas dentro do ônibus, o que me dá uma sensação maior de insegurança e vulnerabilidade”, ele disse.

Eric Vicente numa selfie feita dentro de um BRT
Medo de ser vítima de assalto é um pesadelo constante

Segundo o dito popular, “quem tem cu, tem medo”. É a mais pura verdade. Como também é verdade, creio eu, que nem todo mundo consegue manter-se alerta, apreensivo e amedrontado o tempo todo que duram as viagens. Eu, por exemplo, que até hoje ainda não fui assaltado no interior de um ônibus e nem em lugar algum e que já presenciei e assisti ao momento em que um malandro deu o bote no celular de uma garota no instante em que o coletivo do tipo BRT abriu as portas numa estação, habitualmente costumo viajar lendo – e, às vezes, até cochilando. E vejo pessoas que, pelo menos aparentemente, também se mostram até certo ponto despreocupadas com a possibilidade de serem os próximos alvos das investidas da bandidagem; e falam ao celular e/ou ficam a assistir a conteúdos on-line e a jogar no aparelho; e conversam como se estivessem no mais tranquilo dos ambientes; e comercializam produtos; e fazem pregações religiosas. E o ônibus seguindo em frente.

Ora quase vazios, ora superlotados, os ônibus do transporte público de passageiros permanecem sendo, no Brasil, dada a ausência e/ou limitação de outros recursos como trens e metrôs, o principal e inescapável meio que o massacrado, humilhado, roubado e ludibriado cidadão comum dispõe para seguir rumo ao seu destino.

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