Por Clênio Sierra de
Alcântara
Foto: Arquivo do Autor |
Há quem diga que andar de
ônibus é uma dessas aventuras que exigem do indivíduo um nível elevado de
disposição e de coragem, sobretudo se o sujeito mora numa Região Metropolitana
como a do Recife, onde o número de assaltos aos coletivos cresce sem parar. Mas
o que fazer quando não se tem recursos para comprar um carro e nem pagar
viagens nos Uber e nos 99 Pop da vida? Ora, o jeito mesmo é encarar
o busão e pôr o pé na estrada sem ter tempo, como diz aquela canção, de temer a
morte. A vida passa tão apressada. O ônibus segue em disparada. E tudo o que o
usuário do transporte público de passageiros quer é partir e chegar, às vezes
necessitando, para tanto, embarcar em um ônibus e ir fazendo baldeação em
terminais integrados para atingir o seu destino. O tempo que se perde nesses
deslocamentos – com ou sem integração – não é pouco. E, não é de hoje, as
discussões em torno do tema “mobilidade urbana” não têm tido resultados
efetivamente satisfatórios. Também nesse ponto, as políticas públicas, no
Brasil, vêm caminhando a passos de tartaruga.
É claro que em uma época de
eleições gerais, como a que estamos vivenciando neste momento, conversas sobre
este ou aquele candidato surgem durante a viagem. Também se comentam o capítulo
de ontem da novela das nove; o vestido que fulaninha usou domingo para ir à
missa; a bebedeira e o churrasco na casa do vizinho; a rodada do fim de semana
do Campeonato Brasileiro de Futebol; a gravidez de sicrana; os preparativos
para a formatura do ABC do filho; o segurança que procura rapazes sexualmente
passivos para se dar bem financeiramente; o bate-papo pelo WhatsApp que foi até a madrugada; as provas da faculdade e o
resultado do exame de sangue, etc. De
modo que a viagem vai seguindo o seu caminho e tem gente que até esquece que,
de acordo com as estatísticas, é enorme a possibilidade de os passageiros deste
ou daquele ônibus, desta ou daquela linha que atravessa o bairro nobre ou a
comunidade suburbana serem vítimas de um assalto à mão armada, quer seja com
arma branca, como faca e facão, que é mais aterrorizante, quer seja com arma de
fogo.
As histórias de assalto aos
passageiros de ônibus são mais frequentes do que se imagina. De maneira que o
clima e a sensação de insegurança transformam até mesmo viagens breves em
longas jornadas marcadas pelo medo de ser mais uma vítima dos delinquentes que
costumam tocar o terror nos coletivos sem se importar com as câmeras existentes
nos veículos e nem com a ação de passageiros que, igualmente armados, reagem no
momento da abordagem, como ocorreu no último dia 17 de julho, na Avenida
Segunda Perimetral, em Olinda, quando um homem sacou um revólver e efetuou disparos
que atingiram dois assaltantes e uma passageira.
Dias atrás, quando eu
retornava do Recife para a minha casa – são necessários dois embarques para que
eu chegue ao meu destino – , ouvi duas senhoras conversando. Eis o teor de
parte do diálogo que elas travaram:
- Mulher, foi um livramento
de Deus mesmo.
- Eu não soube disso, não.
- Pois foi, minha filha.
Parece que ela tava até adivinhando. Ela desceu numa parada e, quando o ônibus
parou na outra, subiram três caras e roubaram todo mundo.
Morando no bairro de Ouro
Preto, em Olinda, Eric Vicente, 33 anos, todos os dias, de segunda à sexta-feira,
pega um ônibus na PE-15 e segue para o centro do Recife, onde embarca num
coletivo disponibilizado pela empresa onde ele trabalha e que o leva até a
cidade de Jaboatão dos Guararapes. Entrar nesse ônibus é para ele um grande
alívio, porque logo passa o receio de que ele será mais um número nas
estatísticas da Secretaria de Defesa Social que contabiliza a quantidade de
assaltos no transporte público de passageiros. Numa conversa recente ele me
contou que se sente inseguro quando utiliza o BRT para ir trabalhar porque, mesmo
não tendo sido assaltado nem uma vez, ouve histórias de abordagens dentro dos
ônibus e das estações, segundo as quais os meliantes armados com faca entram e
levam tudo das pessoas. Eric Vicente acrescentou que muitos indivíduos entram
nos BRT’s pelas laterais, sem pagar, e saem com muita facilidade e rapidez das
estações; e que são esses os que mais lhe apavoram. “Utilizo o BRT na ida pro
trabalho mas nunca na volta pra casa. O motivo é que, no horário que eu tô voltando,
é pequeno o volume de pessoas dentro do ônibus, o que me dá uma sensação maior
de insegurança e vulnerabilidade”, ele disse.
Eric Vicente numa selfie feita dentro de um BRT Medo de ser vítima de assalto é um pesadelo constante |
Segundo o dito popular, “quem
tem cu, tem medo”. É a mais pura verdade. Como também é verdade, creio eu, que
nem todo mundo consegue manter-se alerta, apreensivo e amedrontado o tempo todo
que duram as viagens. Eu, por exemplo, que até hoje ainda não fui assaltado no
interior de um ônibus e nem em lugar algum e que já presenciei e assisti ao
momento em que um malandro deu o bote no celular de uma garota no instante em
que o coletivo do tipo BRT abriu as portas numa estação, habitualmente costumo
viajar lendo – e, às vezes, até cochilando. E vejo pessoas que, pelo menos
aparentemente, também se mostram até certo ponto despreocupadas com a
possibilidade de serem os próximos alvos das investidas da bandidagem; e falam ao
celular e/ou ficam a assistir a conteúdos on-line e a jogar no aparelho; e
conversam como se estivessem no mais tranquilo dos ambientes; e comercializam
produtos; e fazem pregações religiosas. E o ônibus seguindo em frente.
Ora quase vazios, ora
superlotados, os ônibus do transporte público de passageiros permanecem sendo,
no Brasil, dada a ausência e/ou limitação de outros recursos como trens e
metrôs, o principal e inescapável meio que o massacrado, humilhado, roubado e
ludibriado cidadão comum dispõe para seguir rumo ao seu destino.
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