Por Clênio Sierra de
Alcântara
Foto: Internet Talvez estejamos a caminho de um caos generalizado. Talvez mergulharemos de vez na merda. Agora é esperar para ver. Não esqueça: antes de sair dê descarga |
Havia muito que estávamos na
merda e só faltava que viesse alguém e desse descarga para que nos víssemos
inteira e completamente submersos na podridão de nossa pequenez moral e de
nossa insignificância como cidadãos. Daí por que chegamos ao segundo turno das
eleições presidenciais com dois dos piores candidatos que se encontravam na
disputa.
De tudo ou de quase tudo se
viu na campanha das eleições gerais deste ano, cujo segundo turno ocorreu hoje.
Devido às investigações ainda em curso da Operação Lava-jato a classe política
que, cá entre nós, nunca gozou realmente de bom prestígio, foi demonizada ao
extremo. E, em par com essa demonização, demasiadamente se falou o “novo”: num
novo país; numa nova forma de fazer política; num novo pacto federativo; numa
nova República; num novo tipo de político; numa nova concepção de nação. Mas,
passados os dois turnos, olhando para os conchavos que foram firmados nos
palanques estaduais e para as alianças que foram costuradas visando ao pleno
êxito no pleito, nós vimos claramente que, ao fim e ao cabo, permanecemos
estruturalmente com as mãos e o pensamento firmemente agarrados ao primitivo,
ao retrógrado e ao infame velho modelo de fazer política. De política e de
políticos.
Tanto se falou em defesa da
família e dos valores morais e éticos. Tanto se disse que negros, gays e
mulheres estavam sendo ameaçados por uma ideologia alimentada por um discurso
de ódio. Tantas foram as trocas de farpas e de acusações. Tantas foram as
mensagens falsas disparadas pelo WhatsApp
o canal que, infelizmente, milhões de pessoas tomam como fonte de informação. E
tantos foram os maus agouros para o futuro deste país, que os projetos de
governo acabaram figurando somente e apenas como coadjuvantes e não como
protagonistas das discussões eleitorais.
Tanto Jair Bolsonaro, que se
sagrou vencedor, quanto Fernando Haddad, embora se apresentando como
representantes de polos políticos e ideológicos bem distintos, como a água e o
vinho, encarnaram, cada um a seu modo, o que o universo político brasileiro tem
de mais daninho e abjeto. De um lado, um militar da reserva do Exército que é o
exemplo cagado e cuspido do troglodita que entra na vida pública com o único
propósito de se dar bem e mandar para as cucuias o bem comum ou algo que o
valha. De outro, um sujeito cuja aparente inteligência esbarra no fato de ele
agir como se não conseguisse pensar por si próprio e fosse algo e não alguém
que é acionado por controle remoto. Na cabeça de milhões de eleitores que
resolveram anular o voto e/ou nem votar, um não presta e o outro não vale nada,
e vice-versa.
O futuro, esse ser desconhecido,
talvez olhe para esse nosso presente como um período no qual reinou um misto de
raiva, incerteza e medo. Ora, e se de repente o Bolsonaro – se é que ele,
frágil fisicamente como está, vai chegar ao fim do mandato – fizer uma boa
administração e pôr o país no caminho da prosperidade socioeconômica sepultando
de alguma maneira suas estultícias de clown
de caserna? Então, tratemos de não sofrer por antecipação.
Talvez – talvez - esse
senhor Jair Bolsonaro não seja tão ruim, boçal, grosseiro e estúpido como ele
sempre demonstrou ser na frente das câmeras; e, em algum momento, se achegue
diante de um espelho e reconheça, olhando bem no fundo dos seus olhos de
lunático moribundo, que ele venceu as eleições por força não de seus méritos,
porque ele não tem nenhum – quem quiser defender misóginos, homofóbicos e
apoiadores de torturadores que defenda, eu não tenho estômago e nem cabedal
para isso -, mas sim porque o seu adversário era uma marionete, um papagaio de
pirata de um partido que lançou o país no que se diz ser a maior recessão econômica
de sua história, gerando um aumento absurdo da taxa de desemprego e provocando
o fechamento de milhares empresas dos mais variados portes e segmentos, de modo
que, para muitos eleitores, foi preferível dar a vez e um quarto ao diabo do
que ver o Partido dos Trabalhadores novamente no comando da nação. Petistas do
alto escalão tanto aprontaram que acabaram provocando a rejeição de milhões de
eleitores que um dia os apoiaram. A acusação que eles o tempo todo fizeram de
que Jair Bolsonaro é um inimigo da democracia soou como uma piada considerando
que eles próprios sempre flertaram com uma indisfarçável vontade de construir
uma verdade autoritária ao apoiarem ditadores.
Além de ter sido as eleições
gerais das fake news, disseminadas
pelas redes sociais, essas foram também as eleições em que o ódio e a
intolerância partiram em combate aos princípios democráticos de direito; e deixaram
evidenciado um apego desmedido a uma realidade autoritária vinda de um e de
outro lado dos dois candidatos que chegaram ao segundo turno. A facada
desferida contra o então candidato Jair Bolsonaro bem como as de um
bolsonarista que tiraram a vida do capoeirista e petista Moa do Katendê
figuraram como flagrantes de um tempo sombrio e assustador no qual a barbárie
dá de ombros e rejeita o confronto de ideias.
Não votei no Fernando Haddad
porque nunca acreditei nos fundamentos ideológicos dos petistas. Não votei em
Jair Bolsonaro porque o vejo como uma aberração que vai de encontro e colide
com muitos dos princípios e com muitas das verdades que constituem o meu modo
de enxergar o mundo e estar na vida. Esse Jair Bolsonaro que, acredito, está
mais para lá do que para cá, como um doente com os dias contados, foi eleito
não porque, segundo disseram alguns analistas, os brasileiros foram e/ou estão
sendo tomados por uma vaga autoritária e moralizadora. Aceito a explicação
quanto à postura autoritária, mas não a que menciona uma suposta vitória da
moralidade, porque, um povo que parece ser em essência desonesto, que age quase
que o tempo todo querendo de alguma forma se dar bem e tirar vantagem em tudo e
mandando às favas qualquer noção de justiça social, se importando apenas com o
seu próprio umbigo ou quando muito com o bem-estar dos seus familiares não
pode, reconheçamos isso, ter sido tomado de uma hora para outra pela
necessidade de se agarrar a princípios morais e éticos. E, quando se tem uma visão
torta de mundo, a moral e a ética que surja no caminho embasando o pacote, vêm
com características muito próprias, pondo indivíduos numa espécie de caixinha
tida como modelo de conduta para uma pessoa considerada “normal”; ou seja, os “anormais”,
como os gays, por exemplo, não cabem, segundo essa gente, nessa caixinha. E por
aí se vê que tipo de mundo julgado ideal essas pessoas querem construir.
Eu acredito que Jair
Bolsonaro e o seu vice, general Hamilton Mourão, não representam
fundamentalmente as Forças Armadas deste país. Milhões de brasileiros votaram
neles convictos de que fizeram a escolha certa, como é do jogo eleitoral. Não votei
neles, como já disse, mas nem por isso torço para que as coisas saiam errado;
muito pelo contrário; mesmo porque já estamos vivendo tempos muito difíceis e
cruéis: uma guerra urbana quase que generalizada na qual, de acordo com
estatísticas, uma pessoa é assassinada a cada oito minutos; uma recessão
econômica que fez crescer o número de miseráveis; e o país continua aferrado
aos mesmos males de sempre que são uma educação débil, uma insegurança pública
e um sistema de saúde cujo atendimento e/ou a falta dele tira a dignidade de
todo e qualquer indivíduo.
O senhor Jair Bolsonaro sagrou-se
vencedor das eleições e agora é ver do que ele é capaz e/ou incapaz de fazer.
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