Por Clênio Sierra de
Alcântara
Centro (Cachoeira – BA). Alguém
haverá de um dia dizer de mim que eu era um desocupado que saía por aí
perambulando por uma feira livre e outra para ver sempre as mesmas coisas. Espero
que digam também da minha curiosidade e da minha satisfação tamanhas por buscar
e percorrer esses espaços que me revelam amostras da identidade da população do local onde elas acontecem. Sob qualquer aspecto que eu as examine – socioeconômico, folclórico,
cultural, etc. -, as feiras livres sempre me dizem algo que ampliam o meu
entendimento acerca de sua existência como um importante evento social.
Nesses bancos dá claramente para ver as amarrações feitas com cordas de nylon |
Creio que isso era uma espécie de chafariz |
Aos que chegam à histórica
cidade de Cachoeira, localizada na região conhecida como Recôncavo Baiano – o município
fica a cerca de 120 Km de Salvador – é inescapável dar de cara com a feira
livre, porque ela é/está montada numa das principais praças – a Praça Maciel -
desse lugar, justamente no trajeto percorrido pelos ônibus intermunicipais que
diariamente circulam por ali levando e trazendo gente de localidade vizinhas e
até forasteiros de muito longe, como eu,
que desembarquei ali no dia 6 de dezembro de 2017.
Com a permanência constante da feira livre, não se pode ver de todo o conjunto arquitetônico da Praça Maciel |
E desembarquei parecendo que levara toda a fome de Pernambuco dentro de mim. Era hora do almoço. E ali mesmo, num dos compartimentos do bem cuidado Mercado Público – ele começou a ser construído em abril de 1949 e foi concluído em janeiro de 1951; e passou por uma recente revitalização, ocorrida de abril de 2015 a maio de 2016 – e possui, imaginem, até elevador que, em tom de pilhéria, alguém me disse que nunca funcionou -, no Restaurante LG – sua proprietária, a muito irrequieta Maria da Conceição, de 48 anos de idade, à qual eu não pude deixar de dizer que ela falava pelos cotovelos e que, talvez por isso, tenhamos nos dado tão bem, me contou que o L é de Luana e o G de Gabriela, nomes de duas de suas netas – eu sentei para comer ao mesmo tempo em que mirava o bulício da feira e conversava com a danada da Conceição.
Gosto demais de ver mercadorias em feiras livres expostas assim no chão. É um primitivismo que remonta aos primeiros tempos desse tipo de comércio |
Passei dois dias em
Cachoeira. E nesses dois dias eu percorri a feira livre que, além da Praça Maciel
se espalha – se derrama, como eu gosto de dizer – por algumas ruas vizinhas,
marcando a paisagem urbana de modo absoluto. Digo principalmente porque, além do
fato de o espaço que ela ocupa ser o centro da cidade, onde estabelecimentos
comerciais dos mais variados gêneros como lojas de eletrodomésticos,
lanchonetes, supermercados, farmácias e tudo o mais estão fixados, a feira
livre, segundo alguns depoimentos que eu coletei, abandonou, de uns anos para
cá, aquele monta e desmonta que já foi tão característico das feiras livres
nordestinas, e permanece ali durante praticamente toda a semana. E essa
realidade, como eu pude constatar, não tem agradado a todos, conforme me
disseram alguns moradores de lá. De acordo com Maria da Conceição, a dona do
restaurante, a feira acontece de terça-feira a sábado: “E só não fica nos
outros dias porque o prefeito não deixa. E tudo fica assim, feio e
desorganizado. O povo mesmo não sabe cuidar. Fica parecendo uma favela”.
Faz mais ou menos dez anos que a feira passou a ficar tantos dias montada. Francisco Alves, um pedreiro de 63 anos de idade, que eu conheci enquanto almoçava, me disse o seguinte: “Cachoeira é a única cidade do mundo que tem feira todo dia”. Ele deixou claro que não concordava com isso.
Os bancos dos feirantes são, em sua maioria, feitos com estrutura de aço e cobertos com lonas plásticas. Interessante é que a base de muitos deles, onde os produtos são expostos, é feita de amarrações com cabos de nylon. Também encontrei comerciantes exibindo suas mercadorias diretamente no chão, modalidade essa que enche os meus olhos por ser a permanência de um dos primitivismos das primeiras feiras livres que surgiram.
Uma vendedora de frutas – parei no banco dela para comer melancia – me falou que “os dias fortes” da feira são a sexta-feira e o sábado; e que muitos dos bancos são desmontados e recolhidos – eu vi o terreno onde eles são guardados.
Como em qualquer outra feira livre nordestina, na de Cachoeira se encontra de quase tudo: frutas, legumes, verduras, roupas, temperos e ervas, doces, farinha de mandioca, bolsas, bijuterias, utensílios domésticos, calçados e, claro, azeite de dendê, um dos ingredientes indispensáveis da culinária baiana.
Esta e a foto seguinte foram tiradas de dentro do Restaurante LG |
O bem conservado Mercado Público da cidade |
É de se ver que a feira livre de Cachoeira realmente enfeia o espaço em que é montada, uma vez que a desorganização está imperando ali. Contudo, não é o caso de maldizê-la inteiramente. A feira livre em si é um acontecimento social bastante expressivo da cidade que, além de chamar para si os habitantes de Cachoeira, atrai pessoas de outros centros urbanos que vão até lá se abastecer de gêneros alimentícios e de outras tantas necessidades. Penso que seria de grande valia para todos os cachoeirenses se a Municipalidade instituísse a volta do monta e desmonta dos bancos dos feirantes, além, claro, um ordenamento, de modo que pelo menos durante alguns dias da semana, a área por ela ocupada ficasse livre completamente de qualquer resquício da feira. Acredito que assim ganhariam não só os seus moradores, mas também os visitantes que teriam à vista o casario do lugar e enxergariam aquela parte da cidade como um sítio que poderia ter outros usos, como um bom pátio de eventos que poderia ser.
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