Fotos: Arquivo do Autor O Museu/Galeria Hansen Bahia é um dos grandes atrativos da bela cidade de Cachoeira, localizada no Recôncavo Baiano |
Um dos grandes encantos
urbanos da mui nobre Bahia se encontra nas boas terras do Recôncavo Baiano; nas
boas e férteis terras que desde a época do Brasil Colonial fizeram com que
afluíssem para elas levas e levas de homens que se estabeleceram ali tocando
engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e plantações de fumo, fundando a então
Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, uma cidade erguida na margem esquerda do Rio Paraguaçu que abriga um admirável e imponente casario,
remontando, várias de suas edificações, ao século XVIII.
Instalado num elegante
sobrado situado na Rua 13 de Maio, nº 13, no centro histórico cachoeirano, o
Museu/Galeria Hansen Bahia guarda parte da memória do artista alemão Karl-Heinz
Hansen que fez de Cachoeira e da cidade vizinha São Félix – elas são separadas
pelo Rio Paraguaçu – os lugares de sua existência plena, porque ele se apegou
aos cheiros e aos sabores, às paisagens e às artes, aos ritos e ao clima e a tudo
o mais que compunha o universo baiano de um modo que comumente só se vê entre
nativos. E esse apego e essa aderência e esse encontro de dois mundos muito
distintos fundiram-se ao corpo e ao espírito de Karl-Heinz Hansen que, mais
tarde, adotou o nome artístico de Hansen Bahia. Numa entrevista concedida ao Jornal da Bahia, em 1977, ele chegou
mesmo a dizer: “Eu nasci duas vezes e a segunda foi na Bahia”.
Nascido em Hamburgo,
Alemanha, em 19 de abril de 1915, Hansen veio ao mundo numa família pobre; e
quase morreu de tuberculose ainda na infância. Teve uma juventude deveras
agitada: viajou de bicicleta da Alemanha até a Itália, onde trabalhou como
vendedor de sorvete; fez parte da trupe de um circo; foi marinheiro; e serviu
no front durante a Segunda Guerra a
contragosto, porque ele não admirava Adolf Hitler.
Quando chegou a São Paulo,
onde trabalhou como bombeiro e ilustrador da Editora Melhoramentos, ele estava
com 35 anos de idade, portanto, em 1950. A ida a Salvador pela primeira vez
ocorreu em 1955 – ele se fixou na Bahia em dois períodos: de 1955 a 1958; e de
1966 até 1978, ano de sua morte. Chegou ao terreno soteropolitano gozando já de
maturidade artística e de grande reconhecimento ao seu labor como exímio
gravurista, cujos trabalhos densos e muito impressionistas rodaram meio mundo
em exposições.
Hansen Bahia fez muito pela
arte e pelos livros – e não só como ilustrador, mas também como escritor e
organizador de obras. Lecionou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal
da Bahia; e publicou títulos como Primeiro
encontro com a arte (a 1ª ed. é de 1952) e Isto é a Bahia! (a 1ª ed. é de 1951), títulos esses que eu tenho em
minha biblioteca e que foram lançados pela Edições Melhoramentos. Possuo ainda
o perfil biográfico desse artista – de onde, aliás, colhi informações para este
artigo – intitulado Hansen Bahia: mestre
gravurista, que foi escrito por Regina Bochicchio para a Coleção Gente da Bahia, e publicado em 2012
em Salvador pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.
Na manhã do dia 7 de dezembro
de 2017 eu só fiz mesmo sair da Pousada do Guerreiro, onde me hospedara no dia
anterior, e atravessar a rua para entrar no Museu/Galeria Hansen Bahia – a pousada
fica defronte a essa instituição cultural.
Hansen Bahia, como bem sabem
os iniciados, doou em testamento todo o seu acervo à cidade de Cachoeira – a casa
onde ele morou com a esposa Ilse, na vizinha São Félix, também foi convertida
em museu -, que tratou de disponibilizar um imóvel imponente para abrigá-lo. O museu-galeria
além de abrigar obras e instrumentos de trabalho de Hansen, possui biblioteca e
realiza oficinas de xilogravura.
Tive a grande satisfação de,
no dia da minha visita, ter sido recepcionado pelo auxiliar administrativo da
casa que faz as vezes de monitor, o senhor Gilberto de Araújo Moreira. A alegria,
o entusiasmo e a ânsia de expor o seu saber que emanavam do Gilberto me
contagiaram completamente e tornaram aquele dia inesquecível.
Gilberto me mostrou
trabalhos do alemão, comentando uma coisa e outra. Conduziu-me pelas
dependências do prédio. E, como arremate da minha visita, ele demonstrou como
se faz a impressão a partir da matriz da xilogravura. Foi muito legal. Gilberto
é uma criatura apaixonante.
Antes de deixar o
museu-galeria eu adquiri lá o livro Flor
de São Miguel, uma segunda edição do álbum de gravuras que Hansen lançou
pela primeira vez no ano de 1956, em Salvador, e que foi reeditado em 2015 dentro
das comemorações dos cem anos de nascimento desse alemão baianizado.
Gilberto de Araújo Moreira em ação: entusiasmo contagiante |
No prefácio de sua obra Primeiro encontro com a arte: pequena
introdução ao estudo das artes plásticas, o ainda Karl-Heinz Hansen nos
diz, num tom em que ele revela tanto o didatismo quanto o seu compromisso e a sua
paixão pela matéria esmiuçada, “que o caminho para aprender a compreender a
arte é longo”; e que convém “trilhá-lo desde jovem” (p. 16). Acredito verdadeiramente
nessa assertiva do talentoso gravurista Hansen Bahia. E eu não posso terminar
esta breve apresentação do museu-galeria que abriga parte de sua obra sem
estimular você, leitor, a ir conhecer a cidade de Cachoeira, a obra de Hansen,
que faleceu há quase quarenta e um anos, e o Gilberto de Araújo Moreira que não
faz ideia do bem que me fez ao estar ali comigo cheio de entusiasmo, atenção e
sorrisos que denunciavam uma alegria verdadeira. Qualquer dia desses, a saudade
que eu sinto dele me levará de novo a Cachoeira para revê-lo e abraçá-lo.
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