16 de março de 2019

O Museu/Galeria Hansen Bahia

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Arquivo do Autor

O Museu/Galeria Hansen Bahia é um dos grandes atrativos da bela cidade de Cachoeira, localizada no Recôncavo Baiano

Um dos grandes encantos urbanos da mui nobre Bahia se encontra nas boas terras do Recôncavo Baiano; nas boas e férteis terras que desde a época do Brasil Colonial fizeram com que afluíssem para elas levas e levas de homens que se estabeleceram ali tocando engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e plantações de fumo, fundando a então Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, uma cidade erguida na margem esquerda do Rio Paraguaçu que abriga um admirável e imponente casario, remontando, várias de suas edificações, ao século XVIII.

Instalado num elegante sobrado situado na Rua 13 de Maio, nº 13, no centro histórico cachoeirano, o Museu/Galeria Hansen Bahia guarda parte da memória do artista alemão Karl-Heinz Hansen que fez de Cachoeira e da cidade vizinha São Félix – elas são separadas pelo Rio Paraguaçu – os lugares de sua existência plena, porque ele se apegou aos cheiros e aos sabores, às paisagens e às artes, aos ritos e ao clima e a tudo o mais que compunha o universo baiano de um modo que comumente só se vê entre nativos. E esse apego e essa aderência e esse encontro de dois mundos muito distintos fundiram-se ao corpo e ao espírito de Karl-Heinz Hansen que, mais tarde, adotou o nome artístico de Hansen Bahia. Numa entrevista concedida ao Jornal da Bahia, em 1977, ele chegou mesmo a dizer: “Eu nasci duas vezes e a segunda foi na Bahia”.












Nascido em Hamburgo, Alemanha, em 19 de abril de 1915, Hansen veio ao mundo numa família pobre; e quase morreu de tuberculose ainda na infância. Teve uma juventude deveras agitada: viajou de bicicleta da Alemanha até a Itália, onde trabalhou como vendedor de sorvete; fez parte da trupe de um circo; foi marinheiro; e serviu no front durante a Segunda Guerra a contragosto, porque ele não admirava Adolf Hitler.

Quando chegou a São Paulo, onde trabalhou como bombeiro e ilustrador da Editora Melhoramentos, ele estava com 35 anos de idade, portanto, em 1950. A ida a Salvador pela primeira vez ocorreu em 1955 – ele se fixou na Bahia em dois períodos: de 1955 a 1958; e de 1966 até 1978, ano de sua morte. Chegou ao terreno soteropolitano gozando já de maturidade artística e de grande reconhecimento ao seu labor como exímio gravurista, cujos trabalhos densos e muito impressionistas rodaram meio mundo em exposições.











Hansen Bahia fez muito pela arte e pelos livros – e não só como ilustrador, mas também como escritor e organizador de obras. Lecionou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia; e publicou títulos como Primeiro encontro com a arte (a 1ª ed. é de 1952) e Isto é a Bahia! (a 1ª ed. é de 1951), títulos esses que eu tenho em minha biblioteca e que foram lançados pela Edições Melhoramentos. Possuo ainda o perfil biográfico desse artista – de onde, aliás, colhi informações para este artigo – intitulado Hansen Bahia: mestre gravurista, que foi escrito por Regina Bochicchio para  a Coleção Gente da Bahia, e publicado em 2012 em Salvador pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.

Na manhã do dia 7 de dezembro de 2017 eu só fiz mesmo sair da Pousada do Guerreiro, onde me hospedara no dia anterior, e atravessar a rua para entrar no Museu/Galeria Hansen Bahia – a pousada fica defronte a essa instituição cultural.

Hansen Bahia, como bem sabem os iniciados, doou em testamento todo o seu acervo à cidade de Cachoeira – a casa onde ele morou com a esposa Ilse, na vizinha São Félix, também foi convertida em museu -, que tratou de disponibilizar um imóvel imponente para abrigá-lo. O museu-galeria além de abrigar obras e instrumentos de trabalho de Hansen, possui biblioteca e realiza oficinas de xilogravura.






















Tive a grande satisfação de, no dia da minha visita, ter sido recepcionado pelo auxiliar administrativo da casa que faz as vezes de monitor, o senhor Gilberto de Araújo Moreira. A alegria, o entusiasmo e a ânsia de expor o seu saber que emanavam do Gilberto me contagiaram completamente e tornaram aquele dia inesquecível.

Gilberto me mostrou trabalhos do alemão, comentando uma coisa e outra. Conduziu-me pelas dependências do prédio. E, como arremate da minha visita, ele demonstrou como se faz a impressão a partir da matriz da xilogravura. Foi muito legal. Gilberto é uma criatura apaixonante.








Antes de deixar o museu-galeria eu adquiri lá o livro Flor de São Miguel, uma segunda edição do álbum de gravuras que Hansen lançou pela primeira vez no ano de 1956, em Salvador, e que foi reeditado em 2015 dentro das comemorações dos cem anos de nascimento desse alemão baianizado.



Gilberto de Araújo Moreira em ação: entusiasmo contagiante















Saí para continuar a conhecer e descobrir Cachoeira – e também São Félix, logo ali, no outro lado do Rio Paraguaçu. E quando eu retornei à pousada eis que o bom do Gilberto me reservara outra alegria: ele me procurara para me presentear com a reprodução da xilogravura contendo o desenho de um gato, que fora feita por um dos participantes das oficinas. Quem me visse naquele momento notaria que o meu sorriso de satisfação era maior do que o do gato de Cheshire de Alice no País de Maravilhas.

Gilberto e eu em cliques feitos pela monitora Cristiane Marques



No prefácio de sua obra Primeiro encontro com a arte: pequena introdução ao estudo das artes plásticas, o ainda Karl-Heinz Hansen nos diz, num tom em que ele revela tanto o didatismo quanto o seu compromisso e a sua paixão pela matéria esmiuçada, “que o caminho para aprender a compreender a arte é longo”; e que convém “trilhá-lo desde jovem” (p. 16). Acredito verdadeiramente nessa assertiva do talentoso gravurista Hansen Bahia. E eu não posso terminar esta breve apresentação do museu-galeria que abriga parte de sua obra sem estimular você, leitor, a ir conhecer a cidade de Cachoeira, a obra de Hansen, que faleceu há quase quarenta e um anos, e o Gilberto de Araújo Moreira que não faz ideia do bem que me fez ao estar ali comigo cheio de entusiasmo, atenção e sorrisos que denunciavam uma alegria verdadeira. Qualquer dia desses, a saudade que eu sinto dele me levará de novo a Cachoeira para revê-lo e abraçá-lo.

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