Por Clênio Sierra de Alcântara
Fotos: Arquivo do Autor Igreja Matriz de Nossa Senhora do Livramento: situada no alto de um outeiro de onde se tem um bonito panorama da cidade |
I
É de um dos mais conhecidos
estudiosos da história da Paraíba, mestre Coriolano de Medeiros, a informação
de que a colonização das terras onde surgiu Bananeiras, cidade que dista a
cerca de 141 km de João Pessoa, teve início na segunda ou terceira década do
século XVIII, a partir de sesmarias recebidas em 1716 pelos primitivos
desbravadores Domingos Vieira e Zacarias de Melo, então moradores de
Mamanguape. E nos esclarece ainda Coriolano de Medeiros: “Nas adjacências de
uma lagoa situada no fundo de um vale, crescia um bananal de espécie diferente,
que produzia frutos minúsculos e imprestáveis para a alimentação. Daí o nome
dado ao local e à povoação que ali se formou” (Coriolano de Medeiros. Dicionário corográfico do Estado da Paraíba.
Apud. Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, vol. XVII, p. 203).
O senhor João Carneiro de Melo : simplicidade, simpatia e devoção à Nossa Senhora - e ele ainda traz um São Jorge estampado na camiseta |
Localizado no sopé da Serra
da Borborema, na Zona Fisiográfica do Brejo, o povoado de Bananeiras pertenceu,
até 1827, à jurisdição da vila de São Miguel da Baía da Traição, passando em
seguida ao termo de Areia. Seis anos depois, foi elevada à categoria de vila em
virtude da Resolução do Conselho da Província, tomada em sessão extraordinária
de 9 de maio de 1833, em execução do artigo 1º do Decreto de 13 de dezembro de
1832, sendo instalada em 10 de outubro de 1833; data, consequentemente, daí, a
criação do município.
A chamada “região brejeira”,
diz-nos Humberto Nóbrega, compreende um espaço caracterizado pelo clima ameno e
bem servido de água por córregos e fontes perenes, sendo “um dos seleiros do
Estado em gêneros de primeira necessidade” – pelo menos assim o era em meados
do século passado (Humberto Nóbrega. O
meio e o homem da Paraíba. João Pessoa: Departamento de Publicidade, 1950,
p. 27).
Segundo o que vai dito na
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros a comarca de Bananeiras foi criada pela
Lei provincial nº 19, de 10 de outubro de 1857, composta de dois termos:
Bananeiras e Araruna, sendo, tempo depois, integrada por três: aqueles dois e
mais o de Serraria. Em virtude da Lei provincial nº 690, de 16 de outubro de
1879, à sede do município foram concedidos foros de cidade, que, nas divisões
administrativas do Brasil concernentes aos anos de 1911 e 1933, aparece
integrado por um só distrito.
De acordo com as divisões
territoriais de 31 de dezembro de 1936 e 31 de dezembro de 1937 bem como com o
quadro anexo ao Decreto-lei estadual nº 1010, de 30 de março de 1938, o
município subdividia-se em quatro distritos: Bananeiras, Borborema, Pilões do
Maia (em 1937) e Moreno, configuração essa mantida no quadro territorial que
ficou em vigência no quinquênio 1939-1945, fixado pelo Decreto-lei estadual nº
1164, de 15 de novembro de 1938, quando, no entanto, o distrito de Pilões do
Maia teve o seu topônimo alterado para Maia.
Foi o Decreto-lei estadual
nº 39, de 10 de maio de 1940, que estabeleceu a criação das comarcas de Araruna
e Serraria, com os termos do mesmo nome, desmembrados da de Bananeiras que, no
quadro territorial em vigência no quinquênio 1944-1948, fixado pelo Decreto-lei
estadual nº 520, de 31 de dezembro de 1943, aparecia integrada por um só termo,
perdendo, entretanto, por força desse mesmo Decreto, parte do seu território,
que passou a constituir o novo distrito de Dona Inês, no mesmo município,
figurando assim com cinco distritos: Bananeiras, Camucá (ex-Borborema), Dona
Inês, Maia e Solânea (ex-Morenos). Pela Lei nº 318, de 7 de janeiro de 1949, Camucá
voltou a denominar-se Borborema, tendo o município continuado com a mesma
quantidade de distritos. Já a Lei nº 967, de 26 de novembro de 1953, deu
autonomia ao distrito de Solânea, tornando-o município. Desta forma, Bananeiras
ficou reduzida a quatro distritos: o da sede, Borborema, Dona Inês e Maia,
continuando, ainda, como comarca constante de um único termo.
E não parou por aí a
gradativa perda de território do município bananeirense. A Lei estadual nº
2133, de 18 de maio de 1959, desmembrou de Bananeiras o distrito de Borborema,
que logrou a categoria de município. Ainda nesse mesmo ano, em virtude da Lei
estadual nº 241, de 19 de junho, chegou a vez de o distrito de Dona Inês também
alcançar o status de município. De acordo com a Divisão territorial de 1º de
julho de 1960 Bananeiras aparece composta por apenas dois distritos: o da sede
e Maia. Foi a Lei estadual nº 4520, de 10 de novembro de 1983, que criou o
distrito de Tabuleiro, anexado ao município; desta forma, na Divisão
territorial de 18 de julho de 1988, o município apresenta-se com a seguinte
constituição: sede, Maia e Tabuleiro.
Como aconteceu com a imensa
maioria dos municípios brasileiros, gradativamente a zona urbana de Bananeiras
começou a absorver um contingente significativo que vivia na zona rural e o
espaço urbano foi se expandindo. Essa movimentação começará a ser percebida a
partir de 1960. O Censo Demográfico de 1950 ainda apontou que dos 61223
habitantes de Bananeiras, espantosos 53740 indivíduos, ou seja, 88% do total, viviam no mundo rural. De acordo com o mais recente levantamento demográfico,
que é de 2010, Bananeiras apresentou um total de 21851 habitantes, sem que
fosse separada a população urbana da rural – não nos esqueçamos de que a
diferença enorme dos contingentes populacionais levantados pelos censos de 1950
e 2010 se deve principalmente pela perda significativa de espaço territorial
sofrida pelo município.
Um levantamento realizado
também pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que figura
exatamente no verbete do já citado volume da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, apurou que, pelo menos até
1959, a cidade de Bananeiras, que ainda era servida pela estrada de ferro da
Rede Ferroviária do Nordeste e mantinha uma economia essencialmente baseada na
agricultura – os principais produtos eram cana-de-açúcar, algodão herbáceo,
agave, arroz, laranja, fumo, feijão, manga, mandioca brava, mandioca mansa,
milho, banana e batata-doce -, possuía 720 prédios e 36 logradouros públicos,
sendo que destes, cinco eram pavimentados com paralelepípedos, dois eram
arborizados, um era ajardinado e um era arborizado e ajardinado. A iluminação
pública chegava a vinte logradouros e a domiciliar a 305 prédios. Já a água
canalizada naqueles dias chegava a dezoito logradouros e a 300 domicílios. Por
essa época a cidade já se orgulhava de possuir uma Biblioteca Pública Municipal
– denominada Antenor Navarro – com cerca de 3300 volumes, e a Escola
Profissional Agrotécnica Vidal de Negreiros (atualmente essa unidade de ensino
integra um campus da Universidade Federal da Paraíba sob o nome Colégio
Agrícola Vidal de Negreiros).
Um dos destinos mais
procurados do interior paraibano, Bananeiras adentrou no século XXI
apresentando ainda ares de imenso bucolismo e tranquilidade.
II
Na manhã do dia 17 de
novembro de 2016 o meu espírito algo aventureiro fez com que eu deixasse a
capital paraibana, onde me encontrava hospedado na casa de um amigo, e
embarcasse, sozinho, rumo à cidade de Bananeiras logo cedo. Para que se tenha
uma ideia de quanto tempo se gasta viajando num ônibus intermunicipal para lá –
viagem repleta de paradas em várias cidades: Sapé, Mari, Pirpirituba,
Guarabira... -, eu comecei a deixar o terminal rodoviário de João Pessoa às
07:35 h e desembarquei em Bananeiras às 10:40 h. Ufa, sobrevivi.
Ao desembarcar no centro de
Bananeiras sem perda de tempo eu tomei o rumo da imponente Igreja Matriz de
Nossa Senhora do Livramento. No entorno desse templo católico estão alguns dos
mais antigos prédios da cidade; e do outeiro onde ele foi erguido avista-se
grande parte do centro urbano bananeirense, que é situado no sopé de morros.
Prédio-sede da Prefeitura Municipal |
Prédios novos e antigos convivem no centro comercial bananeirense e em outros pontos da cidade |
Mirando o desenho da cidade
lá do alto, ao compará-lo com três fotografias que aparecem na Enciclopédia dos
Municípios Brasileiros feitas na década de 1950, pude observar que, em que pese
o fato de que várias de suas edificações tenham perdido suas feições originais
por inúmeras razões, como reformas e instalação de estabelecimentos comerciais
em muitos deles, o traçado da velha urbe – pelo menos dos trechos que aparecem nas ditas
três fotografias – estava conservado, revelando como, a despeito das
transformações havidas na cidade durante todas essas décadas, desde que o IBGE
fez e divulgou os tais registros fotográficos, os moradores e os visitantes
caminham e passeiam por ruas, praças e espaços outros que obedecem a uma lógica
de ocupação que foi definida, creio eu, séculos atrás e não propriamente no
século XX. A própria localização da Igreja Matriz, no alto de um outeiro onde,
em tempos idos, existia uma capela, nos diz muito de uma dinâmica de ocupação
territorial e de uma configuração citadina que é essencialmente portuguesa,
porque, ao contrário do que defendem vários estudiosos do processo de formação
das cidades coloniais brasileiras amparados pelos escritos de Sérgio Buarque de
Holanda no seu Raízes do Brasil,
existe, sim, uma razão de ser na configuração das vilas e cidades que os
portugueses fundaram neste país a partir do século XVI. E do morro onde foi
erguida a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Livramento provavelmente foi que
teve início a ocupação primitiva de todo aquele território, porque, como bem
sabemos, a presença de uma edificação eclesiástica era normalmente o marco
principal e definidor do início de ocupação das terras de além-mar pelos
portugueses.
Estas duas imagens são da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros; e aparecem nessa publicação respectivamente nas páginas 206 e 203. Tratam-se de registros da mesma Rua Coronel Antônio Pessoa |
Nesta e nas fotos seguintes veem-se registros da mesma rua |
Eu aqui, tendo ao fundo a Rua Coronel Antônio Pessoa |
Ainda no adro da Igreja
Matriz eu conheci o agricultor João Carneiro de Melo, então com 60 anos de
idade, que conversou um pouco comigo depois de ajoelhar-se e fazer sua
reverência à santa. Ele me falou de sua terra como que fala de sua casa. A mim
me pareceu ser gente boa esse João Carneiro.
Deixei aquele outeiro e fui
caminhando pelas ruas e praças e espaços outros de Bananeiras lançando os olhos
para uma coisa e outra acompanhando o movimento das pessoas por entre bancos,
lojas, supermercados, mercearias e bares, e observando a convivência dos
prédios antigos com os novos na metamorfose da paisagem urbana.
Na hora do almoço eu busquei
o restaurante Sabor da Serra, que funcionava dentro do Serra Golfe Apart Hotel. O
ambiente era até aconchegante, mas a comida estava nem um pouco saborosa –
creio que até a imensidão de moscas que pousou ali naquele dia não gostou do
que provou, como eu, que peguei um macarrão oleoso e grudento, e uma porção de camarão e de peixe salgados demais para o meu nada refinado paladar.
Terminada a insatisfatória
refeição, voltei eu para o prazer do vagar pela cidade como um flâneur. E me espantei ao verificar que
na Praça Epitácio Pessoa, no entorno da qual ficava o terminalzinho rodoviário, o espaço acanhado era
cortado por um córrego fedido. E olhe que aquilo lá é um dos cartões-postais do
lugar. Muito do que era testemunho da memória urbana bananeirense foi perdido
ao redor daquela praça. O que poderia ser um espaço encantador era um local
marcado por algumas construções modernas e sem atrativos e por um posto de gasolina –
afora, claro, a fedentina que emanava do córrego.
Neste prédio funcionou um cinema. O primeiro filme exibido nele foi Anjo de cara suja, em 1948 |
O trio de Bananas tocadoras de forró pé-de-serra: que barato! |
Sebo nas canelas porque eu
ainda tinha muito que andar antes de voltar para a capital. Andei, andei e eis
que eu me deparei com duas construções que, não sei por que razão, me encantaram por demais: no alto de um pequeno morro, de onde também se tem uma vista panorâmica da
cidade, estava uma bonita Escola Emília de Oliveira Neves coladinha com uma
igreja. O conjunto arquitetônico é algo realmente merecedor de visita a quem for conhecer
Bananeiras.
Artéria por demais longa e um dos principais logradouros da cidade, a Av. João Pessoa, onde é montada uma feira
livre às sextas-feiras, é o caminho que leva ao campus da universidade. Nessa
avenida eu passei por residências, por um hospital, escolas e estabelecimentos
comerciais e outros mais. A mim me pareceu ser aquele caminho um amplo espaço sem vida,
talvez, porque não havia uma quantidade expressiva de árvores em toda a sua extensão. E essa ausência de árvores por mim notada ali é um
árido contraste numa paisagem em que o mundo rural envolve o espaço urbano.
Indicaram-me a visita ao
Memorial da Universidade. Andei como um peregrino e o encontrei de portas
fechadas. Outra indicação foi o Museu da Cidade; eu o visitei e sobre ele
escreverei noutra oportunidade; por ora o que eu quero lhes dizer é que ele está
localizado num morro onde se encontra um mirante e instalado na antiga casa do chefe da estação
ferroviária.
As fachadas de muitos dos imóveis da cidade de Bananeiras são bastante expressivas e repletas de detalhes; são realmente de encher os olhos |
A tardinha foi chegando e
indicando que era hora de eu embarcar de volta a João Pessoa. Eu olhei no
entorno de mim, refiz na memória os caminhos percorridos naquela cidade e, como
já havia ocorrido noutras ocasiões, me vi tomado por uma sensação de renovada
descoberta.
Fui deixando Bananeiras
estando com os olhos lacrimejados porque, no instante mesmo em que o ônibus
começou a se movimentar, eu resolvi dar um voto de confiança ao senhorzinho que
me abordara no terminal pedindo uma esmola e eu a negara, e lancei a ele, pela
janela, naquele momento, um dinheirinho que pudesse de algum modo aliviar uma
sua necessidade. Comovi-me tremendamente agora relembrando esse episódio. Não foi
apenas por ele mas foi principalmente por ele que Bananeiras ficou gravada em
mim com um sentimento de quem quer manter dentro de si a eternidade de um
instante de revelação e de entendimento do que foi a sua vida até ali.
Ontem fiz uma viagem passando por Alagoa Grande, Areia, Solânea e Bananeiras. Estive em Bananeiras por volta das 16 horas da tarde.
ResponderExcluirOi, Ricardo, tudo bem? Tens viajado fazendo ainda a pesquisa sobre os trens? Ainda não conheço Solânea.
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