20 de julho de 2019

Vitalidade e bom humor a toda prova: entrevista com Dona Glorinha do Coco


Por Clênio Sierra de Alcântara

Foto: Ytallo Barreto
Dona Glorinha durante a apresentação no dia 12 de janeiro, em Itamaracá: expressão de arte e de resistência que atravessa décadas no gostoso embalo do coco



Os iniciados nos estudos da cultura popular nordestina sabem que não existe um consenso a respeito do surgimento do coco, um canto e uma dança que, desde o Período Colonial, figura com expressiva visibilidade no cenário musical e festivo nesta parte do país, notadamente no eixo que vai de Alagoas até o Rio Grande do Norte, onde existem coquistas em plena forma artística preservando, valorizando e difundindo o coco e suas variantes, como o coco de roda (cantado e dançado) e o coco de embolada (apenas cantado).


O incansável e prolífico Francisco Augusto Pereira da Costa, um mestre de todos nós pesquisadores pernambucanos, descreveu o coco assim em seu Vocabulário pernambucano: “Dança popular, ao som de cantigas, com as cadencias marcadas a palmas, e com acompanhamento de viola ou violão”. Vale dizer que as pesquisas de Pereira da Costa para essa obra remontam às primeiras décadas do século XX; e que ele sustenta que “Esta dança é originalmente nossa, mas de ramificação quasi que geral em todo o norte, e em voga desde muito” (Francisco Augusto Pereira da Costa. Vocabulário pernambucano. 2ª ed. Recife: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, 1976, p. 254). 


Depois de citar os pesquisadores José Aloísio Vilela, Abelardo Duarte, José Tenório Rocha e Altimar de Alencar Pimentel, Maria Ignez Novais Ayala afirma que há um ponto em comum nos estudos sobre o coco realizados por eles: todos são unânimes em dizer que o coco possui origem alagoana, tendo daí se difundido para toda a região.  Leiamos um trecho do que foi registrado por José Aloísio Vilela em seu estudo O coco em Alagoas no qual ele contou que certa vez ouviu um velho senhor dizer que o coco foi inventado pelos negros de Palmares:


[...] os negros sentavam-se no chão, colocavam o duro coco seco sobre uma pedra e batiam com outra até que ele rachasse.


A grande quantidade de negros empenhada neste serviço provocava nas pedras uma zuada (sic) enorme que se misturava com seus costumeiros alaridos.


E em meio a estas barulhentas reuniões, alguns começavam a cantar, outros levantavam-se e davam início a um forte sapateado e os demais uniformizavam a pancada das pedras para acompanhar aquele estanho ritmo que surgia.


E os negros renovavam sempre a brincadeira e a coisa virou costume, pois a quebra do coco terminava sempre em cantiga e em dança (Maria Ignez Novais Ayala. Op. cit., p. 28-29).


Maria Ignez discorda de todos eles ressaltando que suas teses são pouco convincentes, “dada a ausência de rigor na explicitação das fontes, sejam elas escritas ou orais, resultantes de investigação bibliográfica ou de observação direta” (Maria Ignez Novais Ayala. “Os cocos: uma manifestação cultural em três momentos do século XX”. In Maria Ignez Novais Ayala e Marcos Ayala [orgs.]. Coco: alegria e devoção. Natal: EDUFRN, 2000, p. 28).


Deixando essas questões de lado, no que diz respeito ao surgimento do coco, eu queria dizer aqui nesta introdução do meu encontro com uma das mais longevas e ativas coquistas das terras pernambucanas, a senhora Maria da Glória Braz de Almeida que atende pelo nome artístico de Dona Glorinha do Coco.


Conheci Dona Glorinha quando eu comecei a frequentar eventos de cultura popular nos quais eram apresentados cocos e cirandas, de modo que eu já acompanhei apresentações dela no Recife, em Olinda, em Garanhuns e na Ilha de Itamaracá. E toda vez que eu me vejo ao lado dela sinto aquela força assombrosa e revitalizadora que ela irradia com sua alegria e imenso senso de humor. Adoro e rio a valer quando em seus shows ela se dirige de modo gaiato para o público e diz coisas como “Liso não vem pra festa, não. Liso dorme cedo”. Dona Glorinha é danada. Dona Glorinha é virada. Dona Glorinha é o fute.

Na entrevista que me concedeu – muito divertida, por sinal – no último dia 12 de janeiro, no terraço da casa do produtor Beto Hees, na Ilha de Itamaracá, aonde ela foi para tomar parte e se apresentar na festa de aniversário de 75 anos de sua comadre Lia de Itamaracá, Dona Glorinha, que está com disco novo e prestes a completar 85 anos de uma vida que foi praticamente toda ela embalada pelo ritmo do coco – desconfio mesmo que eram cocos as canções de ninar que a mãe dela entoava para fazê-la dormir –, fala de sua carreira com simplicidade, argúcia e segurança muito próprias de quem sabe perfeitamente bem da matéria do seu ofício e das dificuldades todas que enfrentou ao longo de décadas de envolvimento com as tramas da cultura popular.


Foto: Divulgação
Capa do primeiro cd solo


Na sexta-feira  28 de junho, véspera do Dia de São Pedro, eu larguei do trabalho, em Abreu e Lima, e fui subir as ladeiras de Olinda para ir prestigiar a festa que a produção de Dona Glorinha organizou, na frente da casa dela, no bairro de Amaro Branco, para o lançamento do cd Noite linda, que foi gravado com o apoio do Prêmio das Culturas Populares, que era mantido pelo saudoso Ministério da Cultura, que faleceu no começo deste ano.


Cheguei à casa de Dona Glorinha por volta das 19:00 h, quando as coisas ainda estavam sendo arrumadas para a celebração da veterana coquista, que foi logo me dizendo: “Meu filho, tá muito cedo. A sambada só vai começar lá pras dez horas”. Eu então falei: “Dona Glorinha e a senhora aguenta?”. E ela: “Ôxe, aguento. A sambada aqui vai até o dia amanhecer”. Danou-se! Quem não aguenta um pique desse sou eu. Abracei e beijei a pixototinha senhora, comprei o cd – o terceiro da carreira: além dos dois solos, ela participou da segunda coletânea do Coco do Amaro Branco, lançado em 2010 – e fui para casa cair na cama, cansado que só a gota que eu estava.


Foto: Arquivo do Autor
Celebrando São João: decoração no terraço da casa da coquista



Dona Glorinha, compositora de muitos versos, dá o tom da melodia. Dona Glorinha pega o microfone e começa a animar o pessoal envergando um chapéu que ela quase não tira da cabeça. Dona Glorinha, com o perdão do trocadilho, é, sem dúvida alguma, uma das glórias da cultura popular pernambucana. Oh, glória!


Foto: Divulgação
Houve uma noitada de festa em Amaro Branco para o lançamento deste cd




Dona Glorinha quando foi que a senhora começou a se envolver com o coco?


Eu comecei a me envolver com o coco porque minha mãe, em Olinda, no bairro que eu nasci e me criei, ela era coquista. E tudo que eu sei hoje, eu aprendi com ela.


Como era o nome dela?
 

Maria Belém.


E a senhora já gostava?


Gostava. Eu tinha meus sete anos de idade. Antigamente não tinha cadeira, não tinha esse negócio de sofá, era um banco que a gente chamava tamborete. Os marceneiros fazia aqueles banco de madeira. Eu subia no banco, porque era pequenininha, e ficava junto dela. Ela cantando e eu respondendo os cocos.


A senhora tinha irmãos que também participavam ou era só a senhora que acompanhava a sua mãe?


Meu irmão era quem participava, mas ele faleceu.


Ele tocava era?


Tocava.


Sua mãe saía para esses cocos. E o marido dela não reclamava, não?


Reclamava, não. Agora a minha vó, a mãe da minha mãe, era escrava. Ela fugiu da senzala, porque disse que era muito maltratada, apanhava muito. Botavam ela no castigo, no tronco, amarravam ela. Aí ela teve uma oportunidade, ela fugiu. Aí chegou do Engenho Massanganga.


Massangana, né? Lá no Cabo de Santo Agostinho.


É o engenho onde ela era escrava. Aí chegou, meu avô era pescador, começaram a namorar. Ela ficou na praia. Antigamente a Praia do Carmo [em Olinda] era muito mato, muito coqueiro. Aí meu avô de manhã foi botar a jangada pro mar e encontrou ela, minha vó. E disse: “O que que tu tá fazendo por aqui uma hora dessa, sozinha, cinco hora da manhã?”. Aí ela contou a história dela: tinha fugido. Procuraram ela e não encontraram. Ele disse: “Eu vou levar você pra minha casa”. Aí levou ela pra casa da mãe dele. Chegou lá. Era na beira-mar. Tinha muito coqueiro e tinha umas casinha de palha. Aí ele se engraçou dela, começaram a namorar. Não casou. Quando eu tinha sete anos de idade, foi o ano que minha vó morreu. Morreu com 105 anos. Eu dizia: “Vó, por que a senhora não casou como meu avô?”. “Minha filha, casado é aquele que bem vive. Eu vivo bem com seu avô, pra que casar, passar o preto no branco, a tinta no papel?”. Meu avô correu com 97 anos.


Dona Glorinha, me diga o seu nome completo.


Maria da Glória Braz de Almeida. Meu nome artístico é Glorinha do Coco.


E nasceu quando?


Eu nasci no dia 3 de setembro de 1934.


Dona Glorinha, a sua mãe ganhava para se apresentar?


Não. Naquele tempo não tinha nada. A gente cantava coco por amor, por amizade. Hoje em dia tem cachê, tem isso, tem aquilo. Eu mesmo canto coco: se tiver cachê eu canto; e se não tiver eu canto. Como aqui mesmo, eu vou fazer uma homenagem à minha comadre, ela merece, Lia de Itamaracá, ela é minha comadre. E então eu vim. Não tô atrás de cachê nem de nada. Vim homenagear ela.


Dona Glorinha e como é que ocorriam essas apresentações? Chamavam ela, sabiam que ela cantava era?


A gente cantava nas casas, né? Minha mãe era muito católica. No mês de maio, rezava o mês todinho de Nossa Senhora da Conceição. Aí, quando era no terminal, dia 31, tinha uma sambada. Aí vinha São João, Véspera de dia de São João. A gente rezava, quando terminava a reza, sambada. Aí vinha São Pedro. Eram os três santos protetor da minha mãe: Nossa Senhora da Conceição, São João e São Pedro. Tinha Santana, mas Santana já é no mês de julho, é o último sábado do mês de julho que o povo nem fala em Santana, Santa Ana, que é a mãe de Nossa Senhora da Conceição. E assim eu fui aprendendo com a minha mãe. Ela faleceu.


Ela disse a senhora alguma vez com quem foi que ela aprendeu o coco? Ela conheceu o coco como, ela falou?


Ela conheceu o coco com um pessoa que veio daqui do interior aí, que tinha muitas sambada. E os negros africanos começaram esse negócio de cantar: “Samba negro, branco não vem cá, se vier, pau há de levar”. Era a cantiga dos negro. Foram formando grupo de coco e pronto.


Ela se envolveu, né?


É, se envolveu.


Era interior daqui de Pernambuco era?


Era interior de Pernambuco.


Foto: Divulgação



Dona Glorinha, a senhora está há muitos anos na estrada com esse coco. A senhora lembra quando começou a receber cachê?


Faz mais ou menos uns dez anos, que eu trabalho com Isa [Isa Melo, além de produtora integra o conjunto que acompanha Dona Glorinha cantando e tocando ganzá].


Recente, né? Quer dizer que antes de Isa a senhora não tinha produtora?


Não, foi a primeira e eu tenho fé em Deus de ser a última, eu não quero outra.


Dona Glorinha me conte como foi a sua experiência de ter viajado para Cuba.


Ah, foi ótima. Passei dez dias em Cuba. Agora eu vi muita pobreza. Eu sou pobre, mas pelo que eu vi, eu posso dizer que sou rica. Muita pobreza, muita pobreza.


A senhora fica animada quando começa o Carnaval, como é?


Carnaval pra mim tem mais valor não. Já teve valor. Antigamente a gente saía pra brincar, quando eu era mocinha, tinha meus 17, 18 anos. Até meus 50 anos eu ainda brincava Carnaval. Mas agora não dá. A violência tá muito grande.


Dona Glorinha a senhora falou que sua mãe cantava nas casas. Era nos terreiros das casas, era?


Era nos terreiros, os cocos, não era dentro de casa, não. Fazia sambada nos terreiros.


Passava o mês de junho, passava o mês de Santana. E quando é que acontecia depois?


Onde queriam fazer sambada, a gente ia sambar.


Dona Glorinha e a senhora começou a compor coco com quantos anos, a senhora lembra?


Eu mesmo tirei um coco agora há pouco pra Viola [Viola Luz, além de cantor e compositor, acompanha Dona Glorinha tocando vários instrumentos. Ele é casado com Isa Melo], tá até no meu cd.


Foi?


“Despedida”.


Cante aí um pedacinho.


“Eu vou, eu vou, eu vou embora. Viola me chama e eu já vou. Glorinha não vá agora, cante mais um coco, por favor”.


E a senhora estudou em escola?


Estudei. Antigamente era ginásio, ginasial. Eu fiz até o quarto ano ginasial, que agora é, eu nem sei como é que...


Ensino Fundamental.


Ensino Fundamental. Eu fiz até o quarto ano ginásio. Graças a Deus sei ler, sei escrever. As minha menina diz que era do tempo do ronca. Mas aquilo é que era tempo.


A senhora se casou? Teve quantos filhos?


Eu tive doze. Já tô na quarta geração. 


Tudo tá vivo é?


Não. Só tem seis vivo.


Só teve um marido?


Eu sou viúva três vezes.


Danou-se! E é?


Matei três já.


A senhora é danada (risos).


Sou viúva três vezes. Desses três maridos que eu tive tenho filho de um, de outro e outro.


É pai sortido, né, como dizem?


É, é.


Algum deles foi contra a sua vida de artista?


Não. O meu último que morreu, vai fazer vinte e sete anos. Eu não vivia nem em negócio de coco de roda.


Não vivia?


Vivia, mas ele não ia. Ele não gostava, não.


Mas houve um tempo assim que a senhora ficou afastada do coco?


Teve um tempo que eu fiquei. Passei mais ou menos uns dez anos.


Poxa! Por quê?


Porque o coco foi... O pessoal só queria saber de gafieira, dessas coisas. Aí o coco foi ficando de lado. E quem levantou essa bandeira do coco, em Olinda, há uns vinte anos passado, foi Selma do Coco. Ela começou a fazer na porta dela o coco. Um sábado eu fui pro coco. Cheguei lá, quando a gente tava sambando e cantando coco, a polícia veio e acabou. “Acaba, acaba o coco que a zoada tá grande e os vizinho tá tudo reclamando”. E quando a polícia saiu a gente continuou o coco (risos). Eles vieram e acabaram. No outro sábado a gente vai fazer uma sambada. A polícia veio e acabou, porque os vizinho tava incomodado com a zoada.


E onde era isso?


Era na Rua do Amparo [em Olinda], na casa de Selma.


Era na rua, era, ou era dentro da casa?


Era na rua.


Dona Glorinha, em que momento a senhora conheceu Lia?


Eu conheci Lia agora há uns cinco anos. Teve um Encontro das Comadres em... Como é, meu Deus, o nome do lugar? Eu esqueci o nome do lugar. A gente foi pra essa festa feita pela Fundarpe [Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional]. Foi eu, foi Aurinha do Coco, foi Selma, foi Lia de Itamaracá. Cada uma tinha que chamar a outra de comadre. Eu me dou muito bem com ela.


A senhora já gravou quantos discos?


Eu tenho um gravado com o Coco de Amaro Branco. E tenho dois cd meu.


O Coco de Amaro Branco é um grupo é?


É um grupo.


E a senhora participava dele? Como é?


Eu participo dele ainda. Quando tem sambada que a Fundarpe chama o Coco de Amaro Branco aí eu vou. Tem um rapaz que abre e no fim quem fecha sou eu.


Dona Glorinha a sua apresentação lá em Cuba foi muito...


Foi muito aplaudido. Muito aplaudido. Já fui a Portugal, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília. Todos esses cantos que eu já fui. Sou uma mulher muito viajada.


A senhora se sente realizada como mulher e como artista?


Me sinto realizada. E muito feliz, viu?!


A senhora em algum momento percebeu ou sentiu algum preconceito contra a senhora?


Olhe, tem uma coquista ela não se dá bem comigo porque... Eu não desejo mal a ela, não digo nada, não falo dela. 


Quem é?


Ana Lúcia. Olhe eu vim pr’aqui, fui convidada. Aí ela já tá falando: “Aí todo canto chamam ela”. Ela não bate bem comigo, não, entendeu?


Mas, assim, a senhora sabe que ela fala da senhora, né?


É.


Mas, assim, eu tô dizendo, preconceito, assim, a senhora sentiu por ser uma mulher, por ser artista?


Não.


A sua mãe era negra?


Era, minha mãe era. Minha vó era negra, pretinha. Não tinha cabelo no suvaco.


E era?


Era. Nas partes íntimas ela não tinha...


Ôxe! Que coisa! E era?


Era pelada, pelada.


Ela dizia a vocês era ou vocês viram?


Os pais dela foram índios.


Ah. Hum.


O cabelo dela era agarrado no casco. Uma vez eu levei uma surra, porque eu disse:"Minha vó a senhora tem a cabeça de João” (risos). “O que você tá dizendo?”. Pegou o cipó, o cipó de goiaba, me lapeou todinha (risos). “Você me respeite, viu?!”. “Minha vó, eu não disse por maldade, não. Eu disse que a senhora não tem cabelo na cabeça, não tem cabelo no suvaco, a senhora diz que não tem cabelo em canto nenhum (risos). Aí eu tô dizendo que a cabeça da senhora é uma cabecinha de João”. Apanhei. A minha mãe brigou comigo e tudo.


Dona Glorinha a senhora tem alguma mágoa com a Fundarpe e esses órgãos?


Não. Mágoa nenhuma. Me tratam muito bem. Me tratam muito bem.


A senhora se sente valorizada?


Me sinto valorizada.


Como foi o processo para esse novo cd?


Foi feito pelo Funcultura (Programa de financiamento cultural promovido pela Fundarpe através de editais). Eles me deram um prêmio. Eu fui premiada pela Fundarpe em R$ 10.000,00. Aí tive que dividir com o grupo, né? A gente tem que dar. R$ 5.000,00 eu botei pra gravar esse cd; e a Funcultura me deu o resto.


Como é que a senhora vê Lia de Itamaracá no cenário da arte de Pernambuco?


Eu vejo Lia uma boa artista.


A senhora vai fazer 85 anos em 2019. E a senhora ainda pensa em fazer outros cd’s? 


Ainda penso. Ainda penso.


A senhora pensa na morte?


Na morte? E eu quero negócio com a morte. Eu tenho raiva da morte. Nesse cd novo meu tem que eu tenho raiva da morte, porque a morte matou meu pai. A gente mata e vai preso, a morte mata e não vai.


(Risos).


Eu quero lá negócio com a morte. Eu quero é distância (risos).


Agora me diga como é que a senhora vê a existência do coco? O que é que a senhora do coco?


Acho muito bom porque me sinto muito bem, porque eu tô fazendo uma coisa que eu gosto, amo de coração. Se você me chamar pra pagode, pra brega, não me chame que eu não vou. Agora: “Dona Glorinha um coco de roda a senhora vai pra minha casa? Não tem cachê, não tem dinheiro, não tem nada, nem água tem pra beber”. Eu vou. Mas brega, essas coisa não dá pra mim, não.


Dona Glorinha a senhora trabalhou em alguma coisa ou sempre foi do lar?


Nunca trabalhei, não. Sempre fui do lar.


Mas não trabalhou porque não quis ou maridos não deixaram?


Todo ano era um menino. E eu podia? Eu tive doze. Eu já tô na quarta geração. Eu sou mãe, vó, bisavó. Já tenho três tataranetos. Agora eu nem sei mais o que eu vou ser.


A senhora mora lá em Olinda mesmo é?


Moro em Olinda, pertinho do farol.


Ali é Amaro Branco?


Amaro Branco. Nasci e me criei ali naquele bairro.


Foi?


Nessa casa que eu moro agora, vai fazer quarenta e dois anos.


Era onde sua mãe morava?


Era onde minha mãe morava.


É a mesma casa é?


Era pegada com a minha. Mas antes dela morrer ela vendeu a dela.


Como é que tá a sua expectativa pro lançamento do seu cd?


Tá bem, né? Esperando que faça sucesso.


Dona Glorinha a senhora é uma mulher feliz?


Sou, graças a Deus. Sou. Apesar dos pesares, apesar de eu ter problemas, porque, você sabe, família só dá problema, né? Eu tenho dois neto que é banda voou, me aperreia. Mas agora eu entreguei, ó (aponta o dedo indicador direito para o céu). Dou conselho, não quer. Então vá viver sua vida e deixe eu pra cá.


Dona Glorinha e como é que a senhora se relaciona com as pessoas do coco, com as mulheres e com os homens?


Me dou muito bem. Agora só Ana Lúcia que não bate bem comigo.


O nome artístico dela é Ana Lúcia mesmo é?


Ana Lúcia.


Ana Lúcia do Coco é?


É.


Lá de Olinda também?


Mora perto da minha casa.


Por que começou essa rixa?


Porque ela tem inveja. Porque ela nunca foi em Cuba, nunca foi em Portugal. Brasília ela nunca foi. Agora eu tô esperando, vou me inscrever pra Patrimônio Vivo [Trata-se da decorrência de uma lei vigente no estado de Pernambuco que destina uma pensão vitalícia a um artista ou a uma agremiação artística que seja representativo da cultura pernambucana. Os artistas e os grupos podem ser indicados até mesmo por sua comunidade. Os indicados são avaliados e, caso o nome seja aceito, ele se torna legalmente um Patrimônio Vivo]. Vou ver se nesse ano eles me encaixam.


Foto: Divulgação


A senhora acha que o cachê que a senhora cobra é justo ou acha que merecia mais?


É justo. Merecia mais. Mas pouco com Deus é muito e o muito sem Deus não vale nada.


A senhora já ficou muito tempo sem receber um cachê?


Oxente, eu fiz um show pela Fundarpe no mês de maio, uma aula, que eu sempre vou pros colégios dar aula... [Trata-se do programa “Outras  Palavras" que a Fundarpe desenvolve e que reúne um Patrimônio Vivo, geralmente cantores, ou outros artistas convidados, e um escritor premiado em concurso literário promovido pela Companhia Editora de Pernambuco, em palestras em escolas da rede estadual].


Do ano passado?


Maio do ano passado e ainda não recebi.


Mas a senhora foi alguma vez reclamar, não?


Reclamar não. Reclamar pra quê? Não adianta. Esperar eles pagar, né?


Dona Glorinha, muito obrigado, viu?!



Um comentário:

  1. Grandes personalidades da cultura popular pernambucana merecem mais respeito, pela luta e representaatividade desse povo. O reconhecimento já faz parte de suas histórias, entretanto que sua valorização continua a mercê de uma corja de políticos acultural . Mais respeito é o que Dona Glorinha e outros que fazem da cultura popular um baluarte de riqueza. Salve dona Glorinha, lia ....

    ResponderExcluir