3 de agosto de 2019

Feminicídio, tortura e decapitação


Por Clênio Sierra de Alcântara


Vergonha e lamento: os dramas sociais revelam o tempo todo que estamos à mercê do mal e que precisamos lutar ininterruptamente contra esse estado de coisas




I


Recife (PE), 4 de julho de 2019. Inconformado com a separação, um rapaz se juntou a outro e jogou ácido sulfúrico na ex-esposa, uma jovem de apenas 19 anos de idade, muito bonita chamada Mayara Estefany Araújo. A substância corrosiva provocou queimaduras graves em várias partes do corpo da mulher, que foi rapidamente hospitalizada.


II


Brasília (DF), 29 de julho de 2019. Demonstrando mais uma vez toda a sua falta de preparo para o alto cargo que ocupa e toda a sua incivilidade, revanchismo e estupidez, o presidente da República Jair Bolsonaro, um indivíduo que é incapaz, repito, incapaz de honrar a faixa presidencial, atacou em uma só tirada a memória de um militante político, Fernando Santa Cruz, que foi morto, até onde se sabe, pelas forças repressoras do Estado, em 1974, no Rio de Janeiro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na pessoa do seu atual presidente, que é filho daquele militante, e a Comissão Nacional da Verdade. O senhor Jair Bolsonaro, como é bem típico de sua personalidade algo doentia, falou como se fosse ele detentor da mais absoluta verdade.


III


Altamira (PA), 29 de julho de 2019. Detentos do Centro de Recuperação Regional, segundo as autoridades, promoveram uma rebelião motivada por desavenças entre membros de facções. A contabilidade da carnificina deu como resultado 58 cadáveres, sendo que pelo menos 16 deles foram decapitados, numa demonstração claríssima da selvageria e da barbárie que infestam as unidades prisionais brasileiras.


IV


Um dos mecanismos da Lei Maria da Penha para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, as chamadas medidas protetivas que, pelo menos em tese, tratariam de manter as vítimas sempre afastadas de seus algozes, têm, até certo ponto, conseguido salvaguardar a vida de parte das mulheres que as requerem. Contudo, essas medidas por si só não têm impedido que um número considerável de homens tirem a vida de ex-esposas, companheiras e namoradas.


A jovem Mayara Estefany, coitadinha, até tinha recorrido a tal instrumento legal. Ela não baixou a cabeça e teve coragem de denunciar as constantes agressões que sofria. Ela não agiu como inúmeras mulheres que, por sentirem um desmedido temor de seus parceiros, se julgam incapazes de ir até uma delegacia registrar um boletim de ocorrência contra eles. Infelizmente as medidas protetivas, no caso dela, de nada valeram.


V


Sim, pode-se discutir o fato de que grande parte ou mesmo a maioria das centenas de homens e mulheres que ingressaram nas diversas organizações que lutavam contra o regime ditatorial imposto pelas Forças Armadas brasileiras, em 1964, objetivavam derrubá-lo para, no lugar dele, implantar outro, só que de cunho comunista. Mas daí a negar e/ou mesmo minorar, atenuar, suavizar e diminuir o desempenho da ação repressora estatal a tais organizações – e não só a elas: sabe-se muito bem que a perseguição feroz e implacável a quem quer que o status quo fardado enxergasse como subversivo, como inimigo da nação – vai uma distância enorme. Isso porque, a inda que se considere que era legítimo o empenho do Estado ou, dito de outro modo, o papel de quem naquele longo período de 21 anos – de 1964 até 1985 – tomara para si a personificação do Estado, não se pode negar que a repressão se valeu de um expediente por demais vil, covarde, mesquinho, humilhante e cruel, que foi a tortura; tortura essa que foi, por assim dizer, tomada como política de Estado, por mais que os seus praticantes e defensores insistam em apresentá-la como um mal necessário e/ou às vezes neguem todas as evidências de sua prática. Efetivamente nunca saberemos quantos indivíduos foram torturados e mortos pelos agentes da repressão.


VI


Os índices absurdos de crimes de todos os tipos que diariamente abastecem a crônica policial deste país e a realidade dramática e calamitosa que nos revela que, em quase sua totalidade, o sistema carcerário brasileiro é marcado por superlotação, o que por si só já seria um absurdo bem absurdo, ainda se sabe que nesses tais cárceres quem manda mesmo são os próprios detentos, os próprios criminosos em conluio com os seus comparsas que estão por aí, longe das celas, aprontando das suas. 


E o que é que essa realidade de índices de criminalidade nas alturas e as unidades prisionais superlotadas deixam mais evidentes? A meu ver, esse cenário expõe esta verdade: o Estado brasileiro é um incompetente total, porque é incapaz de proteger os cidadãos de bem que deveriam gozar em plenitude a sua liberdade; e não tem competência também para cuidar, tratar e encarcerar adequadamente os delinquentes que consegue pôr atrás das grades. E, o que é pior, para onde se olha, não se vê um movimento, mínimo que seja, por parte do Estado, a fim de transformar para valer esse cenário, de modo que nos vemos como condenados a ser reféns tanto dos criminosos como da inoperância e da inépcia estatal.


VII


Depois de penar por vários dias num leito do Hospital da Restauração, no Recife, no último dia 25 de julho a bela e jovem, muito jovem Mayara Estefany Araújo faleceu... Que triste isso! Triste e lamentável. Os casos de feminicídio não param de crescer em todas as regiões do Brasil. É algo assustador e revelador do quanto as mulheres são indefesas e de como o Estado é inábil para protegê-las. De minha parte, eu não consigo conceber uma ação que pudesse frear e inibir o instinto perverso e maligno de alguém que, dizendo amar uma pessoa, trama diabolicamente para tirar a vida do ser amado.


VIII


O falastrão, o maldizente, o incompetente, o doidivanas e o inconsequente presidente Jair Messias Bolsonaro, o cristão mais anti-cristão que eu já vi, pensa que pensa que sua visão apequenada e distorcida do mundo poderá mover montanhas e reescrever a história. Do alto de sua enormemente grande estupidez e refletindo com sua cabecinha oca ele ainda há de semear muita discórdia e mal por todos os meios de comunicação possíveis.


Eu sei, presidente, que estas minhas palavras jamais serão lidas pelo senhor. Mesmo assim, desta minha pequeníssima tribuna eu profetizo: o senhor não há de concluir o seu mandato.


IX


A selvageria e a barbárie verificadas em uma unidade prisional de Altamira se somam às que já vimos acontecer em São Luís, em Manaus, em Nísia Floresta e em tantos outros lugares desde país onde imperam o descaso e a precariedade do poder público que não consegue enfrentar o belicismo e as ramificações do crime, seja o dito crime organizado, seja o crime que é praticado por indivíduos que agem a seu bel-prazer.


X


Nada, nada me faz acreditar que a humanidade, em geral, e os homens, em particular, tenham conserto. No meu simples entendimento, o imperativo do viver, nas circunstâncias em que vivemos, será sempre uma luta contra a implacabilidade do mal.

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