10 de agosto de 2019

O Museu da Cidade de Bananeiras

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Arquivo do Autor
Museus sempre são um bom roteiro para quem busca adquirir mais conhecimentos, por mais simples e modestos que eles sejam ou possam à primeira vista aparecer



Durante várias décadas, desde que, em 1922, foi inaugurada a linha férrea na cidade de Bananeiras, localizada na região do Brejo Paraibano, o trem da Rede Ferroviária do Nordeste permaneceu como um símbolo do grande relevo que gozava o município que tinha como base de sua economia a agricultura. Foi durante a gestão do governador Sólon de Lucena que o trem chegou a Bananeiras, numa linha que a ligava à capital. Para a época esse arrojo do governo estadual foi um feito e tanto – e um ato de luta política, por assim dizer. No artigo com o qual colaborou para a obra coletiva Livro Nordeste, organizada por Gilberto Freyre e lançada em 1925 dentro das celebrações dos cem anos de circulação do Diario de Pernambuco, o engenheiro Graciliano Martins registrou – e num tom de evidente discordância – o seguinte a respeito do estabelecimento da ferrovia nas terras bananeirenses quando descreveu a linha de penetração do Estado da Paraíba:


A penetração da Parahyba deve ser feita aproveitando do traçado da Inspectoria Federal de Obras Contra as Seccas a parte cuja construcção foi atacada pelo lado do Ceará, em demanda de Campina Grande, devendo ser abandonada por completo, como erro technico e econômico, toda a ideia de ligação com Alagoa Grande. Esta linha em logar de Campina Grande poderia demandar o ramal de Picuhy, ligando-se a elle em Borborema, mas a teimosia vencedora dos habitantes de Bananeiras, obrigando contra todos os preceitos technicos e todo o bom senso a desviar o primitivo traçado de modo a passar pela sua cidade pessimamente [palavra ilegível] impossibilitou a penetração nessa direcção, a de uma das mais ricas e ferteis zonas do Estado (Graciliano Martins.”Viação ferrea no Nordeste (18158-1925.(In Gilberto Freyre [org.]. Livro do Nordeste. 2ª ed. Recife: Arquivo Público Estadual, 1979, p. 146 e 148. O artigo completo vai da página 143 até a 148. Essa é uma edição fac-similada. A palavra que aparece incompleta é terminada em “da”; desconfio que fosse “planejada” ou “situada”).






Com o progressivo e sistemático desmonte da malha ferroviária nordestina, várias estações de trens e outras edificações que lhes eram complementares ou foram inteiramente abandonadas ou receberam novos usos, figurando nas cidades onde elas ainda existem como retratos de uma época. Assim como aconteceu, por exemplo, com as estações dos municípios de Piranhas, em Alagoas, e de Serra Talhada, em Pernambuco, que eu já visitei  e sobre as quais pesquisei para escrever outros artigos, o conjunto de edificações da de Bananeiras foi transformada em equipamento turístico, passando a ter um uso bem diferente do original. Na tarde do dia 17 de novembro de 2016 eu fui lá conhecê-lo.


O busto do governador Sólon de Lucena



Esta foto antiga da estação ferroviária aparece no verbete sobre Bananeiras na página 206 do volume XVII  da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou em 1960



A estação ferroviária da cidade abrigava o charmoso Restaurante Estação Bananeiras quando eu lá estive
O denominado Museu Desembargador Semeão Cananea, mais conhecido como Museu da Cidade ocupa parte do prédio da antiga casa do chefe da estação ferroviária do município, diante da qual repousa impávido um busto do governador Sólon de Lucena em cuja base encontra-se registrada uma frase atribuída a ele sobre a época da peleja e do seu empenho para fazer o trem chegar àquele lugar: "O trem chegará a Bananeiras nem que seja por debaixo da terra"; e está situado num outeiro onde existe um mirante do qual se descortina um bonito panorama da acolhedora e simpática Bananeiras; e bem ao lado do Restaurante Estação Bananeiras que, por sua vez, ocupa a estação ferroviária propriamente dita .








Costumo dizer que visitar museus deveria ser uma prática comum na vida das pessoas de um modo geral e não só na dos pesquisadores, estudiosos e turistas. Museus são como escolas aos quais vamos para sempre e sempre aprendermos algo novo. Museus não podem ser vistos unicamente como repositórios e/ou coleções de trastes velhos que ninguém mais faz uso. Museus são locais onde são exibidos objetos que tiveram os mais variados usos – podem ser instrumentos de trabalho, peças de vestuário, brinquedos, etc. – em épocas que não estão necessariamente distantes de nós. Museus não são apenas reuniões de objetos que caíram em desuso, como muita gente pensa. Existem museus dos mais variados tipos e finalidades, como os que só expõem obras de arte e os que mantêm no acervo apenas itens como roupas e calçados. Ou seja, visitar e verdadeiramente conhecer museus é uma experiência, em geral, muito enriquecedora sob vários aspectos, que passa pelo didatismo propriamente dito e resvala para o êxtase de estar perto e frente a frente com algo nunca antes visto e/ou visto somente em imagens de livros, televisão, tablets e smartphones. A visita a museus é uma experiência sensorial única que, muito mais do que fortalecer a vida interior que porventura cultivamos, nos enriquece como pessoas porque nos faz ampliar a compreensão do que está ao nosso redor e, por conseguinte, a nossa visão de mundo.










Tendo isso em mente, eu subi aquela colina da cidade de Bananeiras ávido por querer conhecer o seu Museu da Cidade. Quem me atendeu naquele lugar foi um rapaz chamado João Batista que, além de estar trajando roupas inadequadas - calção, camiseta, sandálias do tipo havaianas e boné - logo eu percebi e deduzi, não havia recebido instrução para ser monitor daquele espaço museal, porque em momento algum falou sobre as peças do diminuto acervo durante a minha permanência ali. 


















                                            João Batista, o monitor do museu















Sendo assim, eu percorri as salas do Museu da Cidade de Bananeiras num vagar por assim dizer solitário e atento para tudo o que os meus olhos viam:  fotografias, utensílios domésticos, urinol, escarradeira, equipamentos de engenho de cana-de-açúcar, arte sacra, móveis e outras peças. E, enquanto me mantive nesse exercício de descoberta, de interpretação e de entendimento das coisas, eu fiquei a pensar que, talvez, algum dia, o acervo daquele museu crescerá a partir de investimentos em aquisições e/ou recebendo doações dos moradores do município que, em dado momento de suas existências, compreenderão claramente que o Museu da Cidade de Bananeiras pode sim ser visto como um lugar de guarda e de sobrevivência de fragmentos de suas vidas, porque é também se apoiando em pequenos fragmentos que a grande história da humanidade é contada.

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