24 de agosto de 2019

Não é só com a Amazônia que devemos nos importar ou Jair Bolsonaro no País dos Autoenganados


Por Clênio Sierra de Alcântara
 
                                                             Foto: Internet                                                                                               A ameaça e a destruição do meio ambiente se dá em várias frentes. Eis o grande paradoxo: muitas das pessoas que se portam como defensores da preservação dos ecossistemas não agem no cotidiano de modo responsável e nem abrem mão em hipótese alguma dos seus insaciáveis confortos e sonhos de consumo


 


Desde que eu me entendo por gente eu ouço comentários, leio reportagens e vejo em programas de televisão descrições sobre o futuro catastrófico destinado à imensidão da Floresta Amazônica, desde sempre ameaçada pela ação descontrolada de garimpeiros, pela grilagem de terras, pelas madeireiras mercenárias e pelo apetite nunca saciável de agricultores e criadores de gado. 


Apenas explorando as terras já disponibilizadas para a agricultura, a criação de gado bovino e a extração de minerais, o Brasil é mais do que produtivo; tanto isso é verdade que, além de atender o mercado interno, exportam-se  soja, milho, frutas e carnes e minério de ferro e outros em grandes quantidades e o país ainda figura, vejam só, como um dos que mais desperdiçam alimentos no mundo, fato esse facilmente verificável por qualquer indivíduo que visite um Ceasa ou uma feira livre por aí afora. Então a pergunta: qual é a necessidade de arrasar a Floresta Amazônica – e também a Mata Atlântica, o cerrado, a caatinga, enfim, todos os biomas que compõem a diversidade ambiental – se não há deficiência na produção de comida e nem escassez de minérios em outras paragens? E se, mesmo para o uso da madeira existe manejo consciente e a exploração de áreas reflorestadas para este fim que são usadas, por exemplo, pela indústria de móveis, papel e celulose? Será que o nosso projeto de civilização não comporta o entendimento tão comezinho e básico que diz que, quem destrói e desperdiça uma hora vai precisar e não ter?


Há trinta anos, em 1989, Roberto Carlos e Erasmo Carlos compuseram a canção “Amazônia”, um sucesso que veio um ano após o assassinato do seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, no Acre; esse mesmo personagem foi reverenciado pelos compositores Almir de Araújo e Marquinho Lessa em “Louvor a Chico Mendes”, um samba que a cantora Simone fez ecoar por todo o Brasil também naquele 1989. A Amazônia, a arte revelava, não era somente uma preocupação de burocratas, empresários e ambientalistas. A sua preservação era um assunto que não saía – como, aliás, ainda não saiu – da pauta e do rol dos problemas tidos como insolúveis neste país, ao lado da precariedade do saneamento básico, da proliferação dos lixões e da desmoralização da vida pública.


Nas últimas semanas, digo, nos últimos meses, precisamente desde que o atual presidente da República assumiu o seu mandato, o assunto Amazônia voltou a ocupar as mídias de um modo geral no Brasil e no mundo, na esteira da postura antiambientalista e das falas estúpidas e irresponsáveis desse tresloucado Jair Bolsonaro, um escroque que acredita que a moralização da vida pública brasileira principiará a partir de gente como ele, que prega o ódio, a descrença na ciência e que joga diariamente bosta no ventilador, fazendo com que, dia após dia, o Brasil dê um passo para trás no caminho da civilidade e do progresso socioeconômico. Defendendo a plenos pulmões sua visão algo distorcida da realidade, desacreditando autoridades, organizações não governamentais e cientistas e inadvertidamente abrindo a boca para atacar o que ele enxerga como factóides criados por inimigos do seu governo, o senhor Jair Bolsonaro vem destemida e irracionalmente descendo o nível para fazer valer a postura de sua sanha autoritária. No espaço de apenas dois dias, esse desvairado governante, um homem que não tem capacidade sequer para ser síndico de um prédio, pressionado pela comunidade internacional e uma possível retaliação econômica, mudou seu discurso infame: na manhã da quarta-feira falou para jornalistas que não haviam recursos humanos e nem financeiros para agir no combate aos incêndios na Amazônia; já ontem, à noite, num pronunciamento nacional em cadeia de rádio e televisão, ele apareceu com seu olhar de paspalhão e semblante de quem toma muito remédio de tarja preta, afirmando que devemos proteger e preservar a Floresta Amazônica; e anunciou medidas de combate ao fogaréu nas matas. Seu Jair Bolsonaro, quando será que o senhor irá se dar conta de que é um inepto, de que é um incapaz e de que não tem nível intelectual e nem qualquer outro qualificativo para ocupar o cargo que ora ocupa? Caia fora, Seu Jair, porque este país não precisa de gente de sua espécie para tentar sair do marasmo em que se encontra.


Queimadas que não cessam nas regiões Norte e Centro-oeste, nuvem escura de poluição no céu da selva de pedra e automóveis chamada São Paulo, avanço incontrolável do desmatamento... Eu acompanho tudo isso me perguntando qual é o grau de comprometimento que todos e cada um de nós brasileiros verdadeiramente temos para com a preservação do meio ambiente, em geral, e com a Floresta Amazônica, em particular, se não exercitamos no cotidiano ações que possam de fato proteger o meio ambiente. Por que será que as ruas de nossas cidades são tão sujas? Será que são apenas os empresários e os donos do grande dinheiro que lançam entulhos nos córregos, nos riachos e nos rios? Será que eu e você leitor nos preocupamos mesmo com a  preservação das florestas e das matas, dos animais e das fontes de água, quando traçamos como metas e conquistas pessoais sermos consumidores do topo da cadeia proporcionada pelo capital trocando todo ano de carro e de telefone celular e comprando um mundaréu de roupas e calçados que, às vezes, nem chegamos a usar? Será que estamos realmente pensando na proteção dos recursos naturais e em ações de combate às desigualdades sociais quando, egoisticamente, planejamos ser pais e mães e resolvemos que não basta termos um e sim dois ou três filhos?


Porque pagamos impostos cremos tolamente que isso nos isenta de qualquer responsabilidade no trato com a produção e a destinação do lixo, por exemplo. Não queremos saber se cada um de nós produz cerca de meia tonelada de resíduos sólidos por ano e nem para onde toda essa sujeira vai. Porque pagamos impostos continuamos crentes e confiantes de que o Estado é que deve sozinho se virar para dar um jeito de se livrar do lixo. Quantos ditos defensores da Floresta Amazônica sabem que um dos maiores problemas ambientais brasileiros são os lixões? Quantos desses entusiastas da preservação dos ecossistemas sabem que milhões de metros cúbicos de esgoto in natura são despejados todos os dias nos cursos de córregos e rios? Porque pagamos impostos acreditamos que não temos responsabilidade alguma para com o alcance do bem comum e que o Estado, as instituições e os políticos devem se ocupar de tudo o que nós nos recusamos a executar para fazer deste mundo um lugar melhor para se viver. Porque pagamos impostos confiamos que o Estado construirá para nós um bom futuro; e, na esfera desse autoengano, nos portamos como crianças muito mimadas que tudo o que veem querem ter, sem nos importarmos efetivamente com o bem-estar dos outros. Normalmente só praticamos a repartição do pão quando dele já nos fartamos, e isso, a meu ver, não é propriamente caridade, é outra coisa, é algo muito parecido com o egoísmo que não aceita nada que seja diferente da satisfação pessoal e plena; comportamento esse que está em conformidade com um velho provérbio brasileiro que diz: “ quem vier depois que se arranje”.


Numa obra que veio a lume em 1937 e que é considerada por muitos estudiosos como um dos primeiros libelos de caráter ecológico surgidos neste país, Gilberto Freyre, lançando os olhos para a monocultura iniciada no Período Colonial brasileiro, nos diz que a devastação de nossas florestas se fez ao mesmo tempo com o machado e com o fogo: “Não se cuidou a sério de replantio nem de reflorestamento: só da exploração das matas e da terra” (Gilberto Freyre. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; Recife: Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe, 1985, p. 54). Já o brasilianista norte-americano Warren Dean, que escreveu o que talvez seja o estudo mais contundente sobre o processo histórico de destruição do meio ambiente no Brasil, deu o tom de sua narrativa logo no capítulo inicial do seu livro A ferro e fogo: “As intervenções humanas quase nunca realizam as expectativas humanas. Seus campos se empobrecem, seus pastos se tornam magros e lenhosos, suas cidades entram em colapso. O mundo natural, simplificado, em desacordo com os desejos humanos mas em resposta a seus atos, converte-se em uma enorme macega cosmopolita de luto” (Warren Dean. A ferro e fogo: a história e a desvastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 24).


Enquanto os incêndios, quase sempre criminosos, vão transformando em cinzas a nossa biodiversidade; enquanto rios como o Pinheiros e o Tietê correm como fétidos esgotos a céu aberto; e enquanto lixões se multiplicam e se avolumam nos arredores das cidades ao arrepio das leis que preconizam o estabelecimento de aterros sanitários, cá estamos nós, apoiando bravamente a preservação da natureza sem de maneira alguma querermos abrir mão dos nossos sempre imprescindíveis e insaciáveis confortos e sonhos de consumo. 


Neste admirável, brutal, degradado e digitalizado mundo novo em que vivemos há quem acredite piamente que basta pararmos de usar canudos de plástico para salvarmos o planeta. Egoísta e muito consumista que eu sou, já tratei de reservar a minha quitinete no inferno, porque, mesmo lá, eu vou querer ter um cantinho só para mim.


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