Fotos: Arquivo do Autor A Catedral de Nossa Senhora Imaculada Conceição no comecinho do dia... |
... e à noite. Os festejos da padroeira começam na última semana de novembro e vão até o dia 8 de dezembro, dia da consagração. Era dia de festa quando eu cheguei à cidade |
I
Conta-se que o povoamento de Limoeiro do Norte, das
primitivas terras onde seria assentada a aprazível Limoeiro do Norte, cidade
que dista a cerca de 164 km de Fortaleza, principiou no último quartel do
século XVII, precisamente no ano de 1687, com a vinda do sargento-mor João de
Sousa Vasconcelos do Sertão do São Francisco para a ribeira do Jaguaribe. Ali,
depois de travar vários combates com os índios paiacus, ele se estabeleceu no sítio
São João das Vargens, que não demorou a se tornar um arraial desenvolvido.
Pode-se dizer que o Rio Jaguaribe e suas margens de terras
férteis favoreceram o enorme relevo que aquele território alcançaria no
decorrer do tempo. Terreno bastante propício para o desenvolvimento de
atividades agropastoris, as zonas ribeirinhas do Jaguaribe atraíram para lá
levas e levas de imigrantes oriundos do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de
Pernambuco, como se aquela fosse uma outra terra da promissão. Esse fluxo de
pessoas promoveu a ocupação de áreas que deram origem a novos núcleos de
povoamento, como o de Tabuleiro de Areia e o de Limoeiro, cujo surgimento, por
assim dizer, data de 23 de janeiro de 1708, ocasião em que o Desembargador
Cristóvão Soares Reimão, encarregado de tombar as terras do Baixo Jaguaribe,
demarcou légua e meia de terras do Rio Jaguaribe, com meia légua de cada lado,
subindo o rio, a partir do marco do poço das Aningas, até a última légua que
abrangia a propriedade do sargento-mor Pedro da Silva Cardoso, local onde hoje
está situada a cidade de Limoeiro do Norte.
Vista da cidade a partir da varanda do Classic Hotel |
Posteriormente o sítio Limoeiro passou a pertencer ao
pernambucano Antônio Rodrigues da Silva, que o repassou a seu genro, Manuel
José da Silva, casado com Dona Josefa Maria de Vasconcelos. Diz-nos as
narrativas históricas que o sítio-fazenda prosperou a olhos vistos; e que já no
ano de 1778 – embora não mencione quando foi que Antônio Rodrigues da Silva
adquiriu a propriedade – era considerável o seu desenvolvimento e crescente a
sua população, “seja pela vinda de outras famílias do vale Jaguaribano, seja pelo
espírito empreendedor do seu dirigente” (Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros. Vol. XVI. Rio de Janeiro: Instituto de Geografia e Estatística,
1959, p. 351).
Após o falecimento de Manuel José da Silva, que deve ter
ocorrido na primeira década do século XIX, seus filhos, Padre Vicente Rodrigues
da Silva, José Rodrigues da Silva e Antônio da Silva Vasconcelos concordaram
com a construção de uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição
doando-lhe para patrimônio 600 braças de terras em 1818.
Grande parte da cidade ainda dormia quando eu saí do hotel para fotografá-la |
Sede da Academia Limoeirense de Letras |
A construção do prédio eclesiástico teve início em terreno
pertencente a Bonifácio José Carneiro e Joaquim da Costa Barros, adquirido dos
filhos de Manuel José da Silva, e foi concluída e benta no dia 9 de dezembro de
1845, um dia após ao que é dedicado à Nossa Senhora da Conceição.
Com a criação da freguesia de Nossa Senhora da Conceição,
estabelecida pela Lei provincial nº 1081, de 4 de dezembro de 1863, inaugurada
canonicamente em 1864, a capela passou por alguns reparos tidos como
indispensáveis aos serviços religiosos da nova matriz. Ainda no ano de 1864 a
freguesia foi transferida para a povoação de São João do Jaguaribe pela Lei nº
1118, de 8 de novembro daquele ano.
Foi criado o distrito de paz de Limoeiro, do município de
Russas, pela Lei provincial nº 607, de 8 de novembro de 1852, suprimido em
1854, mas restaurado pela Lei provincial nº 913, de 12 de setembro de 1859.
O cruzeiro da Catedral |
Devotos de manhã bem cedo na Catedral aguardando o início da missa |
É uma lindeza essas fachadas |
Já o distrito de paz de São João do Jaguaribe, criado pela
Câmara Municipal de Russas, em 11 de setembro de 1830, e confirmado pela Lei
provincial nº 150, de 22 de setembro de 1838, foi suprimido pelo Decreto
estadual nº 29-A, de 6 de março de 1892. Em virtude da Lei provincial nº 1255,
de 22 de dezembro de 1868, a povoação recebeu foros de vila sendo transferida,
antes mesmo de ser inaugurada, para a povoação de Limoeiro pela Lei provincial
nº 1402, de 22 de julho de 1871, que passou a ser sede do município com
território desmembrado do de São Bernardo das Russas (atual Russas), tendo
ocorrido a sua instalação em 30 de julho de 1873.
O primeiro intendente do lugar foi o capitão João Enneas (sic) da
Silva, que em 1872 exercera o cargo de delegado. Seu governo, que se estendeu
até 1878, foi marcado por um grande esforço e enorme empenho para conseguir
superar o flagelo da seca severa que atingiu a região em 1877, que levou à
morte muitos indivíduos de um contingente de 13.397 habitantes. Num opúsculo que escreveu
sobre a figura fascinante de José Antônio Pereira Ibiapina, que recebeu
ordenação sacerdotal aos 46 anos e ficou conhecido como Padre Ibiapina, José
Comblin classificou a grande seca havida em 1877 como “a maior tragédia do
século no Nordeste”, durante a qual “nada se plantou, nada se colheu” e “os
flagelados dos sertões começaram a encher os engenhos e as vilas” (José
Comblin. Padre Ibiapina. São Paulo: Edições Paulinas, 1993, p. 39).
Só talvez por um milagre iam
aguentando tanta fome, tanta sede, tanto sol (Rachel de Queiroz. O quinze. 17ª
ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974, p. 71).
Legiões de famintos e
sedentos vagaram pelos rincões nordestinos fugindo do horror da seca, como
também na de 1915 que de novo assolou o Ceará e que Rachel de Queiroz usou como
pano de fundo do seu romance O quinze, no qual lemos passagens como esta em que
ela nos descreve o drama enfrentado pela família do retirante Chico Bento:
Dia a dia, com as forças que
iam minguando, a miséria escalavrava mais a cara sórdida, e mais fortemente os
feria com a sua garra desapiedada.
Em contraste com as secas de 1877 e de 1915, é preciso apontar que a
cidade de Limoeiro está situada em uma ilha formada por braços do Rio
Jaguaribe; e que ela sofreu grandes prejuízos com inundações ocorridas
principalmente nos anos de 1917, 1924 e 1950, que causaram transtornos às
populações ribeirinhas, além de surtos epidêmicos. “A sede municipal várias
vezes foi invadida pelas águas e o transporte de lugares distantes era feito em
canoas até as ruas centrais da cidade. Um mar imenso invadia tudo: carnaubais,
lares, propriedades agrícolas, etc." (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros.
Op. cit., p. 357).
A Lei nº 364, de 30 de agosto de 1897, elevou a vila à
categoria de cidade. E Limoeiro adentrou no século XX com a disposição de cidade nova
que não quer perder as oportunidades para se desenvolver material e politicamente, lutando por melhorias junto ao governo do Estado.
Aprendam: até cachorro atravessa a rua na faixa de pedestres |
Prefeitura Municipal |
De conformidade com o Decreto nº 448, de 30 de dezembro de
1938, o município de Limoeiro perdeu parte de seu território para o distrito de
Baixa Branca, de Russas, Bom Jardim (de Pereio).
Pelo Decreto-lei nº 1114, de 30 de dezembro de 1943, o
topônimo foi alterado para Limoeiro do Norte; e os distritos de Tabuleiro e São
João passaram a denominar-se, respectivamente, Ibicuipeba e Jandoim.
Por que houve essa alteração do topônimo da cidade? Creio que
foi para se diferenciar de uma Limoeiro existente em Pernambuco. E por que o
primitivo nome Limoeiro? Bem, quanto a isso Eusébio de Sousa, citando por sua
vez Raimundo Girão e Antônio Martins Filho, nos diz o seguinte:
Limoeiro deriva seu nome de uma grande árvore desse fruto,
que crescia, consoante a tradição, por trás da atual matriz (Catedral),
acreditando-se, na falta de informes positivos, ter sido plantada pelos índios
que então habitavam as várzeas jaguaribanas (Eusébio de Sousa. Álbum do
Jaguaribe, p. 73. Apud. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Op. cit.,p.
357).
A Lei nº 1153, de 22 de novembro de 1951, que fixou o quadro
da Divisão administrativa do Estado, para vigorar sem alteração até 31 de
dezembro de 1953, determinou as seguintes alterações no município: os distritos
de Bica, Ibicuíba e Jandoim passaram a denominar-se respectivamente Olho-d’Água
da Bica, Tabuleiro do Norte e São João do Jaguaribe; o distrito de Bixopá,
então pertencente ao município de Russas, foi anexado ao de Limoeiro do Norte; e
foram criados os distritos de Barra do Figueiredo e Castanhão, com sedes nos
núcleos do mesmo nome, então elevados à categoria de vila.
Ainda de acordo com aquela Lei de 1951, Limoeiro do Norte
aparecia composto pelo distrito do mesmo nome, ou seja, a sede, e Alto Santo,
Barra do Figueiredo, Bixopá, Castanhão, Olho-d’Água da Bica, São João do
Jaguaribe e Tabuleiro do Norte.
Câmara Municipal |
Em 1997 Limoeiro do Norte completou cem anos de existência
com o status de cidade. Naquela ocasião certamente já não era a mesma Limoeiro
daquele 15 de junho de 1926 que o cangaceiro Lampião e o seu bando ameaçaram
saquear, caso a Municipalidade não lhes destinasse quinze contos de réis. Como
conseguir quantia tão vultosa para a época, se a cidade fora quase totalmente
abandonada pela população com medo dele? Não houve jeito, Lampião e a sua gente tiveram que
se contentar com a ninharia de dois contos de réis que conseguiram para eles.
Ainda em comparação com as comemorações do seu centenário, Limoeiro do Norte também já não apresentava o aspecto por assim dizer acanhado que a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros apontou em 1959, no qual a cidade apresentava 44 logradouros, dos quais apenas dois deles apareciam parcialmente pavimentados com paralelepípedos, sendo ainda dezenove arborizados, e possuía 1262 prédios, sendo 927 exclusivamente residenciais e 9 simultaneamente residenciais e para outros fins. As cidades se transformam, isso é um fato; e Limoeiro do Norte adentrou no século XXI aspirando à condição de se manter como um dos principais centros urbanos de todo o interior cearense.
Ainda em comparação com as comemorações do seu centenário, Limoeiro do Norte também já não apresentava o aspecto por assim dizer acanhado que a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros apontou em 1959, no qual a cidade apresentava 44 logradouros, dos quais apenas dois deles apareciam parcialmente pavimentados com paralelepípedos, sendo ainda dezenove arborizados, e possuía 1262 prédios, sendo 927 exclusivamente residenciais e 9 simultaneamente residenciais e para outros fins. As cidades se transformam, isso é um fato; e Limoeiro do Norte adentrou no século XXI aspirando à condição de se manter como um dos principais centros urbanos de todo o interior cearense.
II
Depois de ter pernoitado em Campina Grande, na Paraíba, eu
peguei a estrada na manhã do dia 2 de dezembro de 2017 com destino à cidade de
Limoeiro do Norte, numa viagem que parecia não ter fim.
À medida que a van em que eu me encontrava foi adentrando
naquele chão, eu fui me dando conta que estava a percorrer uma vasta planura.
Sim, a impressão que eu senti de estar naquele terreno era a de que tudo ali
era plano e muito, muito extenso.
Logo depois de ter acomodado a minha bagagem num quarto do
Classic Hotel, localizado na área central da cidade, eu saí para começar a
explorar o território que me fosse possível.
Atravessando o centro comercial, que é grande e bastante
variado, eu tomei assento na Barbearia J. A (J. A de José Anselmo), localizada
na Rua Padre Custódio, para que um seu filho, que me prestou um ótimo
atendimento, retirasse por completo a enorme barba que eu cultivara durante
quase três meses e que me deixara com a aparência de um Antônio Conselheiro.
Enquanto eu seguia por ruas e avenidas largas, espaçosas e
arborizadas, fui vendo que, aqui e ali, a cidade conservava inúmeros imóveis com fachadas
que remetem a décadas passadas e que são testemunhos de uma fase de
consolidação e crescimento do universo urbano em relação ao rural.
Versos do poeta limoeirense Virgílio Maia |
Caiu a noite. Um clima muito gostoso repousou naquela terra.
A Catedral de Nossa Senhora Imaculada da Conceição estava em festa. E uma multidão circulava no templo e também no
seu adro, porque toda festa religiosa católica, ao que parece, acontece de par
com eventos profanos. E as pessoas que ocupavam o adro e as barracas, bares e
lanchonetes estavam, ao modo delas, aproveitando a atmosfera festiva.
Atravessei uma vasta extensão da cidade para ir prestigiar as
atrações que estavam na programação do XI Encontro Mestres do Mundo, com
mestres e mestras da cultura popular tradicional. Aquele era o último dia do
evento.
Dormi o sono dos justos e dos muito cansados naquela noite.
Despertei bem cedinho. E, empunhando minha câmera fotográfica, deixei o hotel
às 05:30 h e saí a esmo, percorrendo logradouros vários de uma cidade que em
grande parte ainda dormia.
Não é de hoje que Limoeiro goza do status de ser um centro
urbano bastante arborizado. Fotos em preto e branco publicadas no verbete da
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, em 1959, nos revelam vistas parciais
da cidade, como as ruas Coronel Francisco Remígio, Santos Dumont e Coronel
Serafim, repletas de árvores. Outro registro fotográfico que aparece naquela
obra é um pormenor encantador: nele vemos uma linha de casas antigas e, por
trás delas, o Rio Jaguaribe majestoso dominando a paisagem.
Todas estas quatro fotos são da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros; e aparecem respectivamente nas páginas 351, 352, 352 e 351 |
Vista parcial da Rua Santos Dumont |
Trecho da Rua Coronel Serafim |
No primeiro plano telhados de inúmeros imóveis; e, lá atrás, o Rio Jaguaribe majestoso: cheias e secas marcaram a história de Limoeiro do Norte |
Os olhos do flâneur não raro se prendem a miudezas que o cenário
urbano possui. Nas cercanias da longa artéria Coronel Francisco Remígio, eles
se lançaram para uma senhorinha que calmamente varria o trecho da rua defronte
à sua morada. Já no adro da imponente Catedral, meus olhos viram bem de perto
um mendigo a dormir na imensidão de sua mais do que evidente pobreza material. A
cidade que abriga e conforta é a mesma que exclui e desampara.
Logo cedo esta senhorinha varria com uma vassoura de palha o pedaço de rua onde fica a sua morada: pequenos encantos como esse enchem os olhos deste flâneur que vos escreve |
Também logo cedinho, o flagrante de um morador de rua a dormir ao lado das portas da Catedral: a cidade que abriga e conforta é a mesma que exclui e desampara |
Em certa página de sua
Cartilha – uma cartilha que, ainda que poética, tem o seu quê de didática – o limoeirense
e cultor refinado de versos que é Virgílio Maia declara:
Vinte palmas de mão: sulcos
e emes
na matriz do materno e da
maldade.
A história do futuro posta à
mesa,
demonstrado que a cada um
lhe cabe
próprio rumo tomar de
próprio pulso:
quiromancia vera de quem
sabe (Virgílio Maia. Cartilha. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002, p. 37).
Peguei novamente a estrada,
agora, tomando o rumo de minha casa, que, tal qual Limoeiro do Norte, foi
erguida numa ilha. Segui no caminho carregando comigo a certeza de que entre as
ilhas e os continentes existem não só mares e rios, saberes e desejos, mas também
forças descomunais que nos prendem aos chãos: sejam eles onde se nasce, sejam
eles os da morada, sejam os que nos quais pisamos em momentos de procura e de
descobertas. Nos passos de um caminhante curioso que eu sou, fui a Limoeiro do
Norte sequioso de o “próprio rumo tomar de próprio pulso”, sem me deixar perder
pelas veredas desnorteantes e nem me autoflagelar com os açoites da saudade de
tudo o que eu deixara para trás, à minha espera, quando segui para lá.
Uma parte de Limoeiro do
Norte está dentro de mim, eu sei, como elemento integrante e indissolúvel da
geografia de minha existência.
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