Por Clênio Sierra de Alcântara
Sem entrar em maiores
detalhes, um vendedor de frutas secas, cereais e oleaginosas, cuja barraca
ficava na Travessa do Macedo, lateral esquerda do Mercado de São José, no
bairro homônimo, na área central do Recife, me falou, há cerca de um ano, num
dia em que eu estive em seu ponto comercial, que ele já estava com mercadorias
também dentro de um box naquele Mercado, “porque há uma conversa de que vão
tirar a gente daqui” – o “daqui” ao qual ele se referia era justamente o espaço
da rua ocupado por dezenas de barracas e por bancos de feirantes, assim como no
trecho da Rua da Praia, que fica por trás do tradicional Mercado de São José.
Não acredito que se tratasse
apenas de “uma conversa”; e que aquele meu conhecido vendedor, na verdade,
sabia claramente que a Prefeitura Municipal do Recife havia notificado e feito saber com
antecedência que todos os ocupantes de barracas e os feirantes seriam removidos
daquela área. No último sábado, conforme fora anunciado pela imprensa,
funcionários da Municipalidade iniciaram o trabalho de remoção de tudo o que
era considerado ocupação irregular do espaço público, ou seja, tudo o que se via naqueles logradouros.
Ao que parece, o funcionário da Prefeitura que vemos nesta foto abordou o motociclista para dizer da proibição de circulação na área que, como vemos lá atrás, estava com cavaletes |
Na manhã da segunda-feira,
por volta das 09:30 h, eu percorri todo o entorno do Mercado de São José com os
olhos arregalados de espanto, porque, a não ser em bancos de imagens,
pessoalmente eu não conhecia aquele cenário desprovido daquela ocupação
desordenada. Na ocasião da minha visita, além de fiscais da Secretaria de
Mobilidade que estavam ali certamente para coibir a presença de eventuais
vendedores ambulantes, havia homens lavando as calçadas e as ruas. E, claro,
ainda eram visíveis os restos das bases de tijolos revestidos de cerâmica sobre
as quais as barracas eram assentadas.
Naquela manhã que
principiara com bastante chuva na capital – que toró danado em pleno setembro!
-, eu fui até aquela parte do velho e maltratado e cobiçado bairro de São José
para ver se a remoção realmente se concretizara e para comprar
castanha-do-pará. Um dos atendentes do estabelecimento no qual eu entrei comentou
que durante a retirada das barracas o que mais se viam eram insetos e roedores:
“Rato e barata era boia aqui. Só o senhor vendo”, ele me disse. Já a mulher que
me atendeu no caixa lamentou que, àquela hora, o movimento estivesse fraco como
ela nunca vira: “Muitas pessoas que vinham pra cá era por causa da feira. Elas
faziam uma viagem só. Agora que a feira foi pra longe, não sei como vai ficar
aqui”, ela completou desanimada. Cheguei a comentar que ainda era cedo, que
chovera forte e que certamente o pessoal iria começar a aparecer, quem sabe até
mais gente do que antes. As minhas palavras em nada alteraram a cara de
desânimo da criatura.
No dia seguinte, logo depois
de eu almoçar na Rua da Imperatriz, no bairro da Boa Vista, eu fui novamente
conferir como estavam as coisas por ali. O burburinho sobre as mudanças
continuavam na boca de uns e outros. Fiscais da Municipalidade permaneciam
vigilantes na área. Um carro de som fazia saber aos desavisados que os
vendedores de frutas e verduras e de outros produtos estavam agora ocupando um
grande espaço construído pela Prefeitura no Cais de Santa Rita, bem pertinho
dali. Afora o carro de som, faixas faziam também anúncio das mudanças.
Naquela terça-feira o
movimento de clientes nos estabelecimentos localizados no entorno do secular
Mercado de São José já era intenso, inclusive, de turistas. E só naquela tarde
foi que eu verifiquei que a Municipalidade instalara os vendedores de ervas,
defumadores e de uma porção de produtos bastante comuns nas cerimônias e
rituais da umbanda e do candomblé, que ocupavam aquele trecho da Rua da Praia,
num bonito sobrado bem defronte ao Mercado e naquela mesma artéria, ou seja,
eles, os vendedores, só foram retirados da rua, mas continuaram no endereço no qual durante anos comercializavam as suas mercadorias.
Processos de reordenamento
de espaços públicos, principalmente quando eles são/estavam sendo ocupados de
maneira irregular, sem obedecer às leis municipais de uso e ocupação do solo, quase sempre causam
celeumas, porque os infratores veem o trinômio
remoção+reordenamento+limpeza=exclusão. Mas não há o que se discutir, porque, tal
qual nas nossas casas, no espaço público também existem regras, sejam elas de
ocupação, de convivência e/ou de uso. O espaço público, por ser público, não
deve, por outro lado, ser visto como uma terra de ninguém. Muitos vendedores
informais não querem apenas se fixar em determinados espaços; muitos tratam
logo de deformá-los, não se importando se estão obstruindo a passagem de
pedestres ou desobedecendo a leis, ou se estão contribuindo para a degradação
dos cenários que ocupam.
Regras de ocupação do espaço
público, todos nós sabemos, devem valer para a população de um modo geral; e
não era ordenamento urbano o que até a semana passada se via no entorno do Mercado
de São José, muito pelo contrário, era o desordenamento em grau muitíssimo
elevado. A Praça Dom Vital, por exemplo, perdera completamente a funcionalidade
de lazer e de espaço de convivência, convertida que fora numa feira livre permanente. Muito lixo,
muita bagunça, enfim, era o caos que reinava ali. E a Prefeitura do Recife
ainda não completou o serviço na área, porque falta remover as inúmeras
barracas de roupas, calçados e utensílios domésticos que ocupam a calçada da Rua do Porão, na lateral direita do Mercado de São José.
Uma das coisas mais interessantes que o
reordenamento urbano daquele pedacinho do bairro de São José proporcionou ao
transeunte foi a possibilidade de ele poder enxergar vistosas fachadas de
alguns dos antigos prédios que existem ali e que as barracas em grande parte
escondiam.
Pelo que eu vi na tarde da
terça-feira, parece que parte dos vendedores de frutas, legumes e
verduras que foram retirados dali passaram a vender seus produtos na já caótica Av.
Dantas Barreto – trecho que vai da esquina da Rua Nova até a esquina da Av.
Nossa Senhora do Carmo – e na Av. Guararapes, no bairro de Santo Antônio. Sobre este aspecto específico, a Prefeitura do Recife poderia promover, tal qual ocorre na cidade do Rio de Janeiro e em São Luís do Maranhão, um circuito itinerante de feiras livres, daquele tipo tradicional das feiras livres nordestinas, em que os bancos e as barracas dos vendedores ocupam determinados espaços apenas temporariamente. Em São Luís, como no Rio de Janeiro, a Municipalidade se encarrega de transportar, montar e desmontar os bancos e barracas ao longo da semana em diferentes bairros da cidade, de modo que, todos os dias, uma feira livre está em funcionamento em algum bairro. Na capital maranhense, por exemplo, eu vivenciei uma experiência para mim até então inédita: circulei por uma feira livre cujo ápice do movimento ocorre à noite, no bairro da Praia Grande. Não é legal isso? Quem sai do trabalho pode frequentar uma feira livre que acontece à noite.
Outra coisa que me chamou a
atenção naquela tarde foi a presença de muitas motos e de pelo menos três carros estacionados na
Travessa do Macedo. Será que a Municipalidade recifense retirou o comércio
informal daquela área para que ela passasse a ser ocupada como estacionamento? Quero
crer que não.
Não duvido que os críticos do
reordenamento urbano que a Prefeitura do Recife por ora anda empenhada em fazer
no entorno do Mercado de São José dirão que, também ali, o que a Municipalidade
anda fazendo é um processo de limpeza e arrumação tendo em vista o grande
empreendimento imobiliário privado que daqui a alguns dias começará a erguer
torres de altura estonteante não muito distante dali. A meu ver a
Municipalidade acertou em cheio ao reordenar um espaço tão bonito como aquele
do bairro de São José, um bairro que tem sido alvo, quase que em igual medida,
de uma degradação e de um abandono em larga escala e de uma feroz e incansável
especulação imobiliária que vê e que toma justamente a degradação e o abandono
como justificativas maiores para reocupá-lo.
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