28 de setembro de 2019

Minha ode à liberdade

Por Clênio Sierra de Alcântara

O medo de amar é o medo de ser
Livre para o que der e vier
Livre para sempre estar onde o justo estiver
O medo de amar é o medo de ter
De a todo momento escolher
Com acerto e precisão a melhor direção.
             O medo de amar é o medo de ser livre. Beto Guedes/Fernando Brant

Não quero o que a cabeça pensa
Eu quero o que a alma deseja
Arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo
Tenho pressa de viver. 
                                      Coração selvagem. Belchior


E lá vou eu
E lá vou eu
Flor de ir embora eu vou
Agora este mundo é meu.
                                         Flor de ir embora. Fátima Guedes



Sem máscaras: a carne exposta e o pensamento percorrendo o caminho da liberdade


Faz muitos anos que eu comecei a escrever versos. E escrever versos eu diria que foi o meu primeiro duelo no trato com a escrita propriamente dita e com a ideia de tomar o ato de escrever não apenas como um ofício mas também como um cavalo de batalha com o qual eu pudesse pensar, me expressar e dizer de mim e do que está ao meu redor ao mundo. E eu escrevo versos como quem de alguma maneira busca retratar um estado de compreensão e mesmo de incompreensão de si. A labuta dessa escrita, por vezes muito esparsa, por vezes frequente, delineou, melhor dizendo, deu o start para o início de meus afazeres e interesses intelectuais mais amplos, ainda que, lá atrás, no princípio de tudo isso, eu não tivesse a clara e evidente consciência desse percurso e escrevesse e depois datilografasse numa Remington portátil, presente de minha adorada mãe, um manancial de sensações nem sempre, como eu já disse, compreensíveis.

Minha feitura de vida me ensinou e me encorajou a ser um arauto da liberdade sem atentar para a sua medida e dimensão, além, claro, de suas consequências. Creio que se eu não tivesse vivido o que vivi e nem me alimentado livrescamente do que eu me alimentei, o percurso do meu viver teria tomado outro rumo e não esse da palavra escrita. E não duvido também que foi em razão do meu despertar para a força bruta e opressora do mundo que me conduziu para as veredas da libertação, porque de dor, opressão e indiferença, se eu não entendo muito, tenho um mínimo de compreensão; mínimo esse suficiente para eu querer manter a força da brutalidade e da opressão longe de mim e de quem eu possa estender a mão.

Com a mesma determinação inicial, eu trouxe a lume o meu terceiro livro que, diferentemente dos outros que, em parte, receberam ajuda financeira de uns amigos, este foi produzido inteiramente às minhas próprias custas; e será lançado no próximo dia 2 de outubro, a partir das 18:30 h, no Café Liberal 1817, localizado na esquina da Av. Marquês de Olinda com a Rua Mariz e Barros, no Bairro do Recife, na capital pernambucana. Este Só não ousem me domesticar, porque eu vou continuar sendo selvagem cobrou uma alta dose de ousadia e de coragem de mim; e eu estou muito orgulhoso e satisfeito por isso. Certamente não é para qualquer um dizer de si do modo como eu digo de mim desde a concepção da capa e da escolha das epígrafes, passando pelo prefácio e chegando até os versos. Quando eu destaco o “modo como eu digo” não é me referindo à criação e à estética, mas sim ao que é dito mesmo, ao repertório de assuntos, ao tom confidencial, ao desnudamento e à rebelião. E, considerando o atual cenário da nossa realidade, em que livrarias estão fechando as portas neste país, acredito que eu não estou andando na contramão dos acontecimentos; eu estou, na verdade, mantendo a minha crença na perenidade dos livros. É um compromisso existencial, eu prefiro dizer assim, ainda que para alguns isso soe como petulância e/ou exagero de minha parte.

Algumas das pessoas que acompanham o que eu venho escrevendo ao longo dos anos, seja em livros, seja neste blog que eu pus no ar em agosto de 2010, insistem em me fazer uma, digamos, “censura branca”, ao destacarem que eu escrevo me expondo e me expondo demais. Ouço essas críticas com certo espanto, sabem? Isso porque eu não vejo utilidade e serventia maior da escrita em minha vida que não seja essa. Eu nunca me apresentarei como o dono da verdade. Só não consigo sequer conceber a ideia de que eu tenha de deixar de dizer  o que penso, o que vivi, o que sou e o que sinto pondo freio na minha pena por ficar imaginando o que vão pensar de mim por causa disso ou daquilo que eu escrevi, por causa disso ou daquilo que eu revelei, por causa, enfim, do que eu disse sobre mim. E eu escrevo não para causar impacto e/ou polêmica. Não se trata disso. Eu não estou agindo como um criminoso, ora bolas! Eu ajo como eu ajo, eu escrevo o que eu escrevo porque eu percebi, já faz um bom tempo, que esse é um exercício de expurgação e de libertação para mim. Eu escrevo  o que eu escrevo porque isso me proporciona um fortalecimento e um encorajamento para enfrentar o mundo e a sua infinidade de males. Há quem enxergue em mim uma fortaleza apenas aparente. Por meu lado, apresento-me como alguém cuja cascagrossice, aspereza e crueza não conseguiram fazer desaparecer o veio de sensibilidade que nele existe. E, àqueles que me criticam pensando que nós só nos salvamos quando nos escondemos, nos negamos e nos anulamos, eu digo somente que a vida reservou para mim outra forma de salvação.

Olho-me num espelho e também para dentro de mim e compreendo perfeitamente porque é que eu enxergo grandeza em quem admite sua pequenez e reconhece seus erros, falhas, limitações, rancores, medos e defeitos. Eu enxergo grandeza nesse tipo de gente porque não é comum que encontremos pessoas detentoras de tal posicionamento frente à vida; pelo contrário; o que mais se vê por aí é o uso de disfarces de tudo quanto é tipo e exibições desmedidas de falsas virtudes, como se existir fosse um permanente teatrinho e a cotidiana convivência entre as pessoas uma ininterrupta encenação.

Em tempos tão sombrios e de ameaças tão claras ao livre pensamento, à educação, às artes e à própria liberdade de existir sendo quem se é, como o que estamos a atravessar, pelo menos para mim, este Só não ousem tentar me domesticar, porque eu vou continuar sendo selvagem é também um anúncio e um posicionamento contra este estado de coisas. É um livro de afirmação; e não de negação; e não de tergiversação.

Na "Canção do tamoio" o poeta maranhense Gonçalves Dias nos diz que a vida "É luta renhida/Viver é lutar. A vida é combate,/Que os fracos abate,/Que os fortes, os bravos/Só pode exaltar". Acredito no império da força física, assim como acredito no combate que podemos travar com o intelecto, porque, para mim, o pensamento também é força.

Eu espero que a minha ode e o meu grito de liberdade ecoem, cheguem aos ouvidos de algumas pessoas e encoraje-as a querer romper os grilhões que outrem e/ou elas mesmas fincaram em suas vidas. Sei que a minha ambição não é pequena; como eu sei, também, que a maior das ambições é querer continuar vivendo, porque a vida – como eu já disse tantas vezes – não dá garantia de nada.

Um comentário:

  1. A verdade é uma característica forte deste autor. E A vontade de libertação é o que me inspira ainda mais como leitor, a quebra das algemas que me persegue e tantas outras coisas. " por que a vida, não da garantia de nada" precioso texto...

    ResponderExcluir