21 de dezembro de 2019

O Museu Casa de José Américo

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Arquivo do Autor
Visitar o Museu Casa de José Américo é mergulhar num universo particular e na vida de um personagem que esteve presente em praticamente todo o século XX na da história da Paraíba 



O busto do grande homem paraibano olha para o mar

Paraibano nascido em 1887, no Engenho Olho-d’Água, na muito encantadora e surpreendente Areia, José Américo de Almeida, o magistrado, o intelectual, o político e empenhado homem de ação é, segundo o meu próprio julgamento, um dos nomes-capitais para que se compreenda a história socioeconômica, política e cultural da Paraíba ao longo de todo o século XX.







Zé Américo foi ministro do presidente Getúlio Vargas, candidato à Presidência da República, governador do seu estado, procurador, consultor jurídico e escritor que lançou, entre outros, um livro considerado um marco dentro da chamada literatura regional nordestina, que é A bagaceira, lançado em 1928, que eu li com imenso interesse anos atrás e do qual possuo dois exemplares de edições diferentes. Com a tenacidade própria de quem se acredita não apenas possuidor de uma missão de transformação social, mas também como indivíduo capaz de fazer da política e da vida pública um instrumento visando o bem comum, o areiense Zé Américo não mediu esforços e arregaçou as mangas para fazer valer as crenças e disseminar os valores nos quais depositava inteira confiança.
Existe um volume que reúne alguns dos seus discursos; e lendo-o, toma-se conhecimento de que, para o político Zé Américo, fazer política, governar, exercer um mandato político, enfim, é trabalhar diuturnamente para que os dramas sociais sejam se não erradicados, bastante diminuídos, porque, para ele, as necessidades urgentes do povo despossuído não podiam ser postergadas. Num longo discurso feito em 1957, na cidade de Campina Grande, no qual, entre outros temas tratou do drama social da seca e da fome, Zé Américo destacou que “A satisfação das necessidades coletivas abrange, de ordinário, os casos individuais, o que representa o melhor estilo de governar. Favorecer, em vez de pessoas, à comunidade, é o único meio de alcançar, afinal, a justiça de todos” (José Américo de Almeida. “O êxodo e a carestia”. In Discursos do seu tempo. 2ª ed. João Pessoa: Universidade da Paraíba, 1965, p. 116).













As árvores que rodeiam a casa completam o cenário de mansidão que reina ali

É sabido que Zé Américo, ao pensar na transformação social, inseria em sua governança a educação como elemento fundamental dentro desse processo; a sua crença no poder transformador da educação na vida do cidadão, na construção do cidadão, digamos assim, era absoluta. No ano de 1955, falando para uma plateia, sou levado a crer, majoritariamente estudantil, o empenhado e destemido paraibano que foi Zé Américo, em dado momento de seu pronunciamento esclareceu por completo a razão por que tinha a educação como um dos fios condutores de sua vida pública; é uma fala bonita e inspiradora que revela ao mesmo tempo um compromisso e uma profissão de fé:

Cooperei na construção da Casa do Estudante, aqui [em João Pessoa] e em Campina Grande, oferecendo uma sombra aos que buscam a luz, dando um teto protetor para a democracia do ensino. Assim procedi para que os mais pobres não tivessem limitações, sentindo a falta do que desfrutam os ricos, menos o pão do espírito, único meio de torná-los iguais, pela escalada social da inteligência, acima de todas as condições e sem divisões de raça. Dei a mão a muitos que só poderiam escalar os seus calvários. Assim fiz para que o homem do povo alimentasse a vaidade de ter também filho doutor. Só pelo saber se sai do nada, num voo, como as asas para o céu. E, igualmente, para que o estudo não fosse um privilégio dos citadinos e atraísse os tesouros ocultos que se perdem no interior (José Américo de Almeida. “Despedida aos estudantes”. Op. cit., p. 37-38).

























Meu saudoso amigo Edson Nery da Fonseca, um dos luminares da Biblioteconomia deste país e um dos mais refinados intelectuais pernambucanos de sua geração, conheceu bem de perto o espírito e a ação diligente de Zé Américo no campo da educação. Em 1952 Edson e Myriam Gusmão de Martins tomaram parte num Curso Intensivo de Biblioteconomia em João Pessoa. Segundo o seu relato, o empenho exemplar do governador Zé Américo em fazer progredir a sociedade através da educação não estava livre de forças, por assim dizer, contrárias a essa postura. Prova disso foi que aulas do referido curso acabaram sendo ministradas no salão de um bar, porque o então diretor da Biblioteca Pública do Estado mandou fechar o edifício por não concordar com a sua modernização.

Edson Nery da Fonseca fazendo discurso no dia da entrega dos certificados dos concluintes do Curso Intensivo de Biblioteconomia. Ao seu lado, à direita, o então governador José Américo de Almeida

Foi a morada do ilustre paraibano José Américo de Almeida, localizada à beira-mar da Praia de Tambaú, no bairro do Cabo Branco, em João Pessoa, que eu fui conhecer na tarde do último dia 15 de janeiro.

Conhecer residências de pessoas que eu admiro e/ou que são consideradas importantes dentro da história nacional é um deleite para mim. E percorrer aquela casa foi um desses passeios que eu tomo também como formadores de um dever existencial, porque contemplam e por que não dizer ampliam e expandem um conhecimento e um campo de interesse pessoal que está sempre em escala ascendente.




















A minha visita à institucionalmente chamada Casa Museu José Américo – além da residência propriamente dita, existe um prédio moderno que integra uma fundação voltada não somente para a preservação da memória do renomado morador, como também compreende biblioteca, hemeroteca, cineclube, etc. – foi acompanhada pela gentil monitora Josélia Anízio. Visitei praticamente todos os cômodos da antiga residência, que foi uma das primeiras da localidade praieira.


Josélia Anízio, a simpática monitora que me acompanhou pelos cômodos da casa de Zé Américo



Nos vários espaços do imóvel o visitante aprecia móveis, quadros, utensílios domésticos, livros escritos por Zé Américo e até o fardão de imortal da Academia Brasileira de Letras. Na intimidade do quarto do casal a presença de uma rede e a vista do mar dão um tom de enorme calmaria àquele lugar.










A praia e os coqueiros de Tambaú














Mas não somente a casa em si e a miríade de objetos que ela abriga evocam a pessoa do seu antigo dono. É também no terreiro e no quintal que podemos encontrar e conhecer um pouco mais de Zé Américo quando nos encontramos em meio aos galhos de um cajueiro, de uma mangueira e de um jambeiro; e circulamos por entre coqueiros e um vistoso ficus benjamin. As árvores eram um dos xodós de Zé Américo, que cuidou de manter ali um verdadeiro pomar como complemento da casa. E o mar, logo ali em frente, sinalizava que a sua ideia de paraíso era alguma coisa muito parecida com aquele seu chão na praia de Tambaú.


























Esta foto é impressionante, porque mostra a orla da capital paraibana ocupada de maneira ainda muito incipiente pela população. Diferentemente das outras capitais brasileiras que são banhadas pelo mar, a da Paraíba principiou seu crescimento urbano de trás para frente: veio das margens do Rio Sanhauá e seguiu para a orla marinha

Era indiscutível que Areia, sua cidade natal que, em A bagaceira, “Aos acidentes do caminho” aparecia “como encalhada nos astros e desaparecia num desmaio” e entremostrava-se “feito uma nuvem poisada na verdura” (José Américo de Almeida. A bagaceira. 9ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, p. 56) era para Zé Américo a terra sagrada, a aldeia à qual ele vez por outra retornava em visita para beber de sua água e ouvir os seus sinos, como dele disse José Lins do Rego a Gilberto Freyre numa carta escrita em agosto de 1920. Mas naquela altura da vida, nos idos de 1950 ou mesmo antes, a capital da Paraíba também se tornara para ele um lugar de encontro consigo mesmo e de conquista de uma paz interior. Segundo ele, vista do alto, João Pessoa aparecia “mergulhada num bosque” e a folhagem era “a sua melhor pintura” (José Américo de Almeida. Cidade de João Pessoa: roteiro de ontem e de hoje. João Pessoa: Prefeitura Municipal, 2005, p. 11). O verdor da cidade que ele escolheu para morar em muito recordava o verde intenso que envolvia Areia.




Não sei quem foi, mas sei que alguém já disse que grandes monumentos podem ser construídos com pequenas pedras, porém não se pode construir uma nação com pequenos homens. José Américo de Almeida com todo o seu talento, com toda a sua coragem, com todo o seu empenho e com todo o seu compromisso de homem público obstinado sempre no alcance do bem comum foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores cidadãos deste país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário