Paraibano nascido em 1887,
no Engenho Olho-d’Água, na muito encantadora e surpreendente Areia, José
Américo de Almeida, o magistrado, o intelectual, o político e empenhado homem
de ação é, segundo o meu próprio julgamento, um dos nomes-capitais para que se
compreenda a história socioeconômica, política e cultural da Paraíba ao longo
de todo o século XX.
Zé Américo foi ministro do
presidente Getúlio Vargas, candidato à Presidência da República, governador do
seu estado, procurador, consultor jurídico e escritor que lançou, entre outros,
um livro considerado um marco dentro da chamada literatura regional nordestina,
que é A bagaceira, lançado em 1928,
que eu li com imenso interesse anos atrás e do qual possuo dois exemplares de
edições diferentes. Com a tenacidade própria de quem se acredita não apenas
possuidor de uma missão de transformação social, mas também como indivíduo
capaz de fazer da política e da vida pública um instrumento visando o bem comum,
o areiense Zé Américo não mediu esforços e arregaçou as mangas para fazer valer
as crenças e disseminar os valores nos quais depositava inteira confiança.
Existe um volume que reúne
alguns dos seus discursos; e lendo-o, toma-se conhecimento de que, para o
político Zé Américo, fazer política, governar, exercer um mandato político,
enfim, é trabalhar diuturnamente para que os dramas sociais sejam se não
erradicados, bastante diminuídos, porque, para ele, as necessidades urgentes do
povo despossuído não podiam ser postergadas. Num longo discurso feito em 1957,
na cidade de Campina Grande, no qual, entre outros temas tratou do drama social
da seca e da fome, Zé Américo destacou que “A satisfação das necessidades
coletivas abrange, de ordinário, os casos individuais, o que representa o
melhor estilo de governar. Favorecer, em vez de pessoas, à comunidade, é o
único meio de alcançar, afinal, a justiça de todos” (José Américo de Almeida.
“O êxodo e a carestia”. In Discursos do
seu tempo. 2ª ed. João Pessoa: Universidade da Paraíba, 1965, p. 116).
É sabido que Zé Américo, ao
pensar na transformação social, inseria em sua governança a educação como
elemento fundamental dentro desse processo; a sua crença no poder transformador
da educação na vida do cidadão, na construção do cidadão, digamos assim, era
absoluta. No ano de 1955, falando para uma plateia, sou levado a crer,
majoritariamente estudantil, o empenhado e destemido paraibano que foi Zé
Américo, em dado momento de seu pronunciamento esclareceu por completo a razão por
que tinha a educação como um dos fios condutores de sua vida pública; é uma
fala bonita e inspiradora que revela ao mesmo tempo um compromisso e uma
profissão de fé:
Cooperei
na construção da Casa do Estudante, aqui [em João Pessoa] e em Campina Grande,
oferecendo uma sombra aos que buscam a luz, dando um teto protetor para a
democracia do ensino. Assim procedi para que os mais pobres não tivessem
limitações, sentindo a falta do que desfrutam os ricos, menos o pão do
espírito, único meio de torná-los iguais, pela escalada social da inteligência,
acima de todas as condições e sem divisões de raça. Dei a mão a muitos que só
poderiam escalar os seus calvários. Assim fiz para que o homem do povo
alimentasse a vaidade de ter também filho doutor. Só pelo saber se sai do nada, num
voo, como as asas para o céu. E, igualmente, para que o estudo não fosse um
privilégio dos citadinos e atraísse os tesouros ocultos que se perdem no
interior (José Américo de Almeida. “Despedida aos estudantes”.
Op. cit., p. 37-38).
Meu saudoso amigo Edson Nery
da Fonseca, um dos luminares da Biblioteconomia deste país e um dos mais
refinados intelectuais pernambucanos de sua geração, conheceu bem de perto o
espírito e a ação diligente de Zé Américo no campo da educação. Em 1952 Edson e
Myriam Gusmão de Martins tomaram parte num Curso Intensivo de Biblioteconomia
em João Pessoa. Segundo o seu relato, o empenho exemplar do governador Zé
Américo em fazer progredir a sociedade através da educação não estava livre de
forças, por assim dizer, contrárias a essa postura. Prova disso foi que aulas
do referido curso acabaram sendo ministradas no salão de um bar, porque o então
diretor da Biblioteca Pública do Estado mandou fechar o edifício por não
concordar com a sua modernização.
![]() |
Edson Nery da Fonseca fazendo discurso no dia da entrega dos certificados dos concluintes do Curso Intensivo de Biblioteconomia. Ao seu lado, à direita, o então governador José Américo de Almeida |
Foi a morada do ilustre
paraibano José Américo de Almeida, localizada à beira-mar da Praia de Tambaú,
no bairro do Cabo Branco, em João Pessoa, que eu fui conhecer na tarde do
último dia 15 de janeiro.
Conhecer residências de
pessoas que eu admiro e/ou que são consideradas importantes dentro da história
nacional é um deleite para mim. E percorrer aquela casa foi um desses passeios
que eu tomo também como formadores de um dever existencial, porque contemplam e por que não dizer ampliam e
expandem um conhecimento e um campo de interesse pessoal que está sempre em
escala ascendente.
A minha visita à
institucionalmente chamada Casa Museu José Américo – além da residência
propriamente dita, existe um prédio moderno que integra uma fundação voltada não somente para a preservação da memória do renomado morador, como também
compreende biblioteca, hemeroteca, cineclube, etc. – foi acompanhada pela
gentil monitora Josélia Anízio. Visitei praticamente todos os cômodos da antiga
residência, que foi uma das primeiras da localidade praieira.
Nos vários espaços do imóvel
o visitante aprecia móveis, quadros, utensílios domésticos, livros escritos por
Zé Américo e até o fardão de imortal da Academia Brasileira de Letras. Na intimidade
do quarto do casal a presença de uma rede e a vista do mar dão um tom de enorme calmaria
àquele lugar.
A praia e os coqueiros de Tambaú |
Mas não somente a casa em si
e a miríade de objetos que ela abriga evocam a pessoa do seu antigo dono. É também
no terreiro e no quintal que podemos encontrar e conhecer um pouco mais de Zé
Américo quando nos encontramos em meio aos galhos de um cajueiro, de uma mangueira e de um jambeiro; e circulamos por
entre coqueiros e um vistoso ficus benjamin. As árvores eram um dos xodós de Zé
Américo, que cuidou de manter ali um verdadeiro pomar como complemento da casa.
E o mar, logo ali em frente, sinalizava que a sua ideia de paraíso era alguma
coisa muito parecida com aquele seu chão na praia de Tambaú.
Era indiscutível que Areia,
sua cidade natal que, em A bagaceira,
“Aos acidentes do caminho” aparecia “como encalhada nos astros e desaparecia
num desmaio” e entremostrava-se “feito uma nuvem poisada na verdura” (José
Américo de Almeida. A bagaceira. 9ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, p.
56) era para Zé Américo a terra sagrada, a aldeia à qual ele vez por outra
retornava em visita para beber de sua água e ouvir os seus sinos, como dele
disse José Lins do Rego a Gilberto Freyre numa carta escrita em agosto de 1920.
Mas naquela altura da vida, nos idos de 1950 ou mesmo antes, a capital da Paraíba
também se tornara para ele um lugar de encontro consigo mesmo e de conquista de
uma paz interior. Segundo ele, vista do alto, João Pessoa aparecia “mergulhada
num bosque” e a folhagem era “a sua melhor pintura” (José Américo de Almeida. Cidade de João Pessoa: roteiro de ontem e de
hoje. João Pessoa: Prefeitura Municipal, 2005, p. 11). O verdor da cidade
que ele escolheu para morar em muito recordava o verde intenso que envolvia
Areia.
Não sei quem foi, mas sei
que alguém já disse que grandes monumentos podem ser construídos com pequenas
pedras, porém não se pode construir uma nação com pequenos homens. José Américo
de Almeida com todo o seu talento, com toda a sua coragem, com todo o seu
empenho e com todo o seu compromisso de homem público obstinado sempre no
alcance do bem comum foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores cidadãos deste
país.
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