Por Sierra
Uma das razões do nosso
atraso social, creio eu, é o desrespeito que mantemos para com o espaço público.
De uma maneira ou de outra quase sempre enxergamos o espaço, a área pública
como e ela fosse uma terra de ninguém, na verdade; daí por que agimos com
desrespeito para com ela jogando lixo nas ruas, por exemplo; e consideramos que
podemos de algum modo ocupá-la ao nosso bel-prazer, esquecendo, digo melhor,
ignorando que existem regras, que existem leis, que existem limites para isso,
porque o público é coletivo e ninguém pode fazer o que bem entender e quer
sobre tal espaço.
Outra razão que qualifica a
sociedade brasileira como sendo acentuadamente atrasada é a disposição que
habitualmente temos de aceitarmos a anormalidade como uma coisa normal; o
desmando, a usurpação, o desrespeito, a falta de civilidade, a falcatrua e toda
uma infinidade de práticas daninhas para o bem coletivo, para o bem comum são
toleradas e praticadas como algo normal; e esse modo de encarar o convívio
social é que faz com que, no mais das vezes, pratiquemos esses males sem que nos
tomemos como infratores, seguindo o estúpido raciocínio de que se todos ou a
maioria faz isso e aquilo, eu também posso fazer porque é normal e eu não serei
punido e nem cobrado por isso. Ou seja, há, em muitos de nós, uma crença na
impunidade de tal grandeza que faz com que cometamos ilícitos e acreditemos e
defendamos nossas ações dizendo que não agimos errado e não cometemos nenhum
crime, nenhuma infração.
Considero um verdadeiro
acinte, por um lado, e uma inteira e completa falta de ação, por outro, o fato
de que ocupações do espaço público ocorram e o poder público seja leniente para
com isso. Conheço de perto casos desse tipo de ocupação que é tão
flagrantemente absurda e as autoridades responsáveis por fazer valer o
ordenamento urbano nada fazem; casos que se prolongam por anos a fio e, por
isso – e aos olhos de muitos -, como eu disse, caem na vala comum da “normalidade”.
Entra governante e sai governante e a desordem e o caos e os absurdos absurdos
aqui e ali permanecem como chagas irremovíveis em diversos espaços das cidades.
E, como a maioria dos políticos brasileiros pensa em ganhos eleitorais e não
propriamente no bem-estar social, eles vão protelando, fazendo de conta que não
veem e empurrando com a barriga esses casos porque, segundo a autoavaliação que
eles fazem, não vão mexer numa coisa dessa e se arriscar a perder votos.
Quem passa pela rodovia PE-015,
no bairro de Jatobá, em Olinda, se depara, há muitos e muitos anos, com um caso
que expressa com evidente vigor a nossa falta de civilidade e de respeito à
ordem que, diga-se de passagem, deve valer para todo e qualquer estrato social.
Ali, no trecho entre as ruas Esquilo e
Ouriço do Mar estão instaladas a Escola Estadual Aurea de Moura Cavalcanti e a
Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho). O quadro é um horror: barracas
de aço e construções de alvenaria, todas comerciais, ocuparam quase todo o
espaço defronte à escola, deixando apenas o portão dela livre; já na área
correspondente à faculdade, apenas um pequeno trecho no lado direito foi
ocupado por um bar. O que fica evidenciado ali é que, com certeza, com toda
certeza, a faculdade, que é particular, coibiu a ocupação e fez valer os
ditames da lei; agora no espaço da escola, que é pública e cuja fachada nem
pode ser vista por quem passa pela rodovia, porque ela ficou escondida atrás
das construções irregulares, a coisa ganhou enorme proporção porque o espaço é
público e, sendo assim, “a gente pode ocupar porque o Governo não vai fazer
nada”, como ouço tantos dizerem.
E ainda houve quem invadisse a área e abandonasse a construção que levantou no local |
Faculdade de Ciências Humanas de Olinda: aqui, pelo menos a área da entrada da instituição não foi invadida. De qualquer forma é um contraste com o prédio público que fica bem ao lado |
Outro caso de tamanha
malignidade e degradação do território urbano pode ser encontrado no bairro do
Pilar, defronte, imaginem, à Prefeitura da Ilha de Itamaracá. Ali, na esquina
da Av. João Pessoa Guerra com a Rua Santino Alves de Sá, um portão da Escola
Alberto Augusto de Morais Pradines foi, sem exagero, engolido por barracas
fixas onde se comercializam lanches. Não satisfeitos em poder comercializar no
local, as pessoas consideraram que tinham de construir barracas e se fixar
junto ao muro da escola como se isso fosse perfeitamente legítimo e permitido.
Todo trabalho honesto é valoroso
e digno. Mas é honesto ocupar deliberadamente um espaço que não me pertence sem
obedecer à regra nenhuma alegando simplesmente que todo mundo precisa trabalhar
para sobreviver? É honesto desrespeitar as leis e infringir condutas que valem
e/ou deveriam valer para todos? Alguém já pensou em acordar um dia e se deparar
com o muro e/ou a frente de sua casa ocupados por alguém seja para que fim for?
Não seria um inteiro e completo absurdo? Será que de pronto não partiríamos
para tomar satisfações e tratar de tirar logo o invasor dali? E por que que não
se considera um absurdo quando isso ocorre, por exemplo, nos casos relatados
aqui?
Olha o portão aí |
As demais barracas que ocupam o muro da escola |
Eu poderia enumerar neste
artigo vários e vários casos dessa natureza envolvendo apenas unidades
escolares porque eu tenho um olhar atento a esse tipo de desordenamento urbano;
escolhi descrever e citar aqueles dois porque, a meu ver, eles simbolizam o que
eu vinha dizendo no início dessa narrativa, do desprezo e do desrespeito que
nós temos para com os espaços públicos; e se isso é decorrente de nosso baixo
nível moral e fundamentalmente educacional – e eu não duvido que seja -, os
dois exemplos citados evidenciam, também, o elevadíssimo grau de desprezo e de
desrespeito que mantemos para com a instituição escolar neste país, o que, de
resto, resvala para toda a nossa indigência e para todos os absurdos absurdos
que, como vírus incapacitantes e como ervas daninhas proliferam incessantemente
nos quatro cantos desta nação.
A ocupação desordenada em nosso país e uma patologia social que muita das vezes, quem ocupa esse lugares públicos, 90 por cento das vezes são pessoas que já possuem imóveis e essa ocupação tem se transformado em uma verdadeira industria com objetivo apenas de lucrar. Enquanto isso, as autorudades cruzam os braços , enquanto a marginalidade cercam de forma desordenadas esses espaços.
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