Por Sierra
| Fotos: Arquivo do Autor Léo Meira e Marcos Rosa deram o tom na tardezinha do Hotel Globo  | 
Ocupar, bem ocupar, melhor dizendo, um prédio histórico é, a meu ver, uma das melhores maneiras de preservá-lo e de mantê-lo como memória viva dentro da memória do lugar em que ele foi construído. Edificações, em geral, e edificações classificadas como históricas, em particular, não são apenas referências de localização no espaço de uma cidade; elas constituem uma espécie de marco temporal, digamos assim; elas são marcos temporais, registros edificados do passado que inescapavelmente passam a fazer parte não só da memória urbana da cidade, mas também da nossa memória afetiva.
| O Hotel Globo: patrimônio histórico restaurado, vivo e muito frequentado na capital paraibana | 
Quem acompanha o que eu
escrevo sabe que eu sou um crítico contumaz do estado de abandono e de
degradação em que há anos se encontra o Varadouro, o lugar de nascimento da
capital da Paraíba, onde se encontram as edificações mais antigas daquela
cidade. É sempre com pesar que eu revejo prédios abandonados em logradouros
bastante significativos como as ruas Barão do Triunfo e da Areia; e no chamado
Centro, nas ruas Visconde de Pelotas e Duque de Caxias, por exemplo, mas não só
nessas artérias. A mim me parece que na capital paraibana há anos tem faltado
um senso de efetivo comprometimento para com a preservação do seu patrimônio
histórico edificado. É necessário que as ações como a iniciativa pública que
foi aplicada na revitalização de prédios na Rua João Suassuna e a iniciativa
privada que recuperou um sobrado na Rua da Areia, sejam replicadas o quanto
antes. É preciso que o poder público obrigue de alguma forma os proprietários
dos imóveis abandonados a recuperá-los e revitalizá-los. As políticas do deixa-cair e do bota-abaixo não podem continuar imperando numa cidade que figura
entre as mais antigas do país.
| Contraste: o Hotel Globo bem preservado e as ruínas em suas cercanias | 
Como eu vinha dizendo lá no
começo, ocupar bem um prédio histórico é uma das melhores maneiras de
preservá-lo como memória viva do lugar em que ele foi erguido. A partir do
momento em que disponibilizo recursos para restaurar e revitalizar uma
edificação de valor histórico e lhe confiro uma destinação que vai além da
simples, por assim dizer, condição de objeto para ser admirado e fotografado,
eu destino a ela um status muito maior do que esse; ao atribuir à edificação um
uso que a insira no cotidiano socioeconômico e/ou sociocultural de uma
comunidade, eu acredito que, muito possivelmente, ela passará a despertar no
seio dessa comunidade, no mínimo, um sentimento de pertencimento à sua
existência, bem como um compromisso para com a sua preservação, porque eu
continuo ardorosamente defendendo que monumentos históricos podem receber de
nós o mesmo carinho, proteção e cuidado que destinamos à nossa morada, porque,
de alguma forma, eles também dizem de nós, uma vez que estão ligados aos nossos
antepassados.
| O público começando a chegar para prestigiar o evento | 
Felizmente, muito felizmente, nem tudo é ruína e abandono e descaso no centro histórico de João Pessoa, capital da Paraíba. Na sexta-feira da semana retrasada, dia 22 de outubro, eu fui prestigiar um projeto que em anos passados tinha outro nome e que atualmente é denominado de Sol Maior; e que tem lugar na área externa do Hotel Globo, situado num dos pontos que eu considero mais graciosos de toda a área mais antiga da cidade, que é o pátio da Igreja de São Frei Pedro Gonçalves.
| O sol indo acordar as gentes do outro lado do mundo foi outro espetáculo naquela tardezinha | 
Eu já escrevi sobre o Hotel
Globo, que passou por uma ação de restauro não faz muito tempo; e, para mim,
enxergá-lo em toda a sua inteireza revitalizado só reforça o meu entendimento
de que a preservação do patrimônio histórico deve figurar como um compromisso
não somente do poder público, bem como de toda a sociedade, porque tais
edificações são testemunhos de nossa História. Sim é um tremendo contraste o
estado de cuidado em que se encontra o Hotel Globo como o que vemos quando
miramos suas cercanias na direção do Rio Sanhauá, onde pululam prédios em
ruínas – mesmo ao lado do hotel, no Pátio de São Pedro, há muitos anos uma
edificação abandonada permanece fazendo feia figura no local.
| Lá vem o trem | 
Cheguei ao Hotel Globo às 15h45. Os músicos Marcos Rosa e Léo Meira, atrações daquela tardezinha, estavam fazendo a passagem do som. Enquanto o público ia chegando eu aproveitei para fazer uns registros fotográficos e trocar figurinhas com Douglas de Oliveira, um jovem músico de 20 anos que está fazendo o curso de Música na Universidade Federal da Paraíba. Apreciador de jazz, Douglas me falou que é um frequentador assíduo dos eventos musicais que ocorrem no Hotel Globo e em outros pontos da cidade. Na sua avaliação o Projeto Sol Maior é muito interessante, “Porque dá oportunidade de muita gente conhecer artistas que estão aqui em João Pessoa, mas que ainda não tiveram oportunidade de se lançar ou de se divulgar, e a artistas já consagrados”. Perguntei-lhe como ele via o Hotel Globo dentro do panorama do sítio histórico e ele de pronto me disse o seguinte: “Ele é, digamos, um símbolo muito importante para a cultura daqui, tanto para a época que ele existiu, como hotel, e agora como uma representação das coisas que a gente teve e das coisas que a gente ainda está buscando ter, que é colocar pra fora a cultura que a gente tem”. E quanto à preservação dos edifícios que existem no entorno do Hotel Globo? “Apesar de ser uma coisa importante pra cá, né? eu acho que eles ainda não têm o devido valor. O Hotel Globo ainda tem uma preservação porque é usado para promover algo, mas os outros locais que o pessoal não encontra uma utilidade, entre aspas, não têm a oportunidade que o Hotel [Globo] tem de continuar [existindo]”, ele completou.
| Douglas de Oliveira: música como uma das essências da vida | 
As pessoas foram chegando e ocupando o jardim; e a música começou a nos embalar à medida que o sol ia se deitando no horizonte, numa lindeza danada, para ir acordar as gentes lá do outro lado do mundo. Meus olhos e meus ouvidos ficaram atentos a uma porção de coisas: ao vai e vem dos trens que por ali passaram; a umas cabras com sinetes pendurados em seus pescoços; a uma fumaça que vinha do quintal de um dos prédios em ruínas; às performances dos muito talentosos músicos; à variedade do público que foi até ali prestigiar o evento; a uma fotógrafa amadora que atendia pelo apelido de Lelê à qual eu pedi que me registrasse; a uma garotinha que passava de braço em braço e que era uma graça; e à atmosfera de paz que tomou por inteiro aquele lugar enquanto a música ia como que num acalanto nos embalando e a noite caía sobre nós.
| Eu num autorretrato | 
| Eu num registro feito pela Lelê | 
É claro que como historiador
que defende as políticas de preservação do patrimônio histórico edificado eu
gostaria de ver o Hotel Globo abrigando em algum ou em  alguns dos seus cômodos parte do mobiliário da
época em que o prédio funcionou como um estabelecimento de hospedagem, o que
iria lhe conferir um caráter museal nos contando histórias de outro tempo.
Contudo, eu devo reconhecer que não é pouca coisa o que a Prefeitura Municipal
de João Pessoa tem feito como ação de salvaguarda e preservação do Hotel Globo
promovendo o Projeto Sol Maior e
destinando o espaço também para outros eventos, como lançamentos de livros e
exposições temporárias – e eu sei que também na Casa da Pólvora, outro prédio
histórico, eventos culturais vêm ocorrendo com boa presença de público, porque
eu também já estive lá num dia de grande movimento.
| Coisa mais linda: o futuro se faz agora | 
Não acredito que todas as pessoas que foram até o Hotel Globo naquela tarde de sexta-feira carregassem consigo conceitos de preservação histórica e de educação patrimonial. No entanto, eu não posso negar que, como estudioso do assunto e como entusiasta das ações preservacionistas o que eu vi ali me encheu de uma verdadeira alegria e de uma renovada crença de que nem tudo está perdido ou em vias de se perder no centro histórico da capital paraibana; e ter ouvido um jovem de 20 anos de idade dizer que o Hotel Globo, que está ali plenamente preservado, “é um símbolo muito importante tanto para a época que ele existiu, como hotel, e agora como uma representação das coisas que a gente teve e das coisas que a gente está buscando ter”, me encorajou ainda mais a continuar na peleja, no combate e na luta pela preservação urbana e afetiva de nossas cidades detentoras de patrimônio histórico edificado, porque, quando uma edificação histórica é bem conservada e mantida de pé, recebendo pessoas e de alguma forma interagindo com elas, a História permanece viva nela e em nós.
Tive o prazer de conhecer esse lugar tão impar que parte do acervo histórico de João pessoa capitã da Paraíba. E alegra meu coração em saber que este lugar está sendo ocupado com eventos e o principal o povo ocupando esse espaços. É de relevância a presença de pessoas que denuncie o abandono, o descaso afim de torna público o verdadeiro estado desses casarões, como grande exemplo o historiador Clênio Sierra a quem eu externo toda a minha admiração.
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