Por Sierra
Foto: Arquivo do Autor Foram tantos os livros que eu ganhei hoje que eles não couberam nesta caixa. Feliz da vida foi que eu trouxe mais pessoas dos livros para morar junto comigo |
Não é raro encontrar por aí
profetas e profetisas anunciando que o fim dos livros está cada dia mais
próximo, dado o caráter de substituição, ou melhor, de uma verdadeira
condenação ao desuso de certos objetos provocados, por exemplo, pelos chamados smartphones. Isso é um fato incontornável, eles dizem. E é
impressionante como um aparelho que está acompanhando as pessoas em
praticamente todos os espaços da vida cotidiana não esteja proporcionando a
elas um avanço do Quociente de Inteligência (Q.I.). Voltarei a este ponto mais
adiante.
Como eu vinha dizendo os smartphones condenaram ao desuso e ao
descarte numa sociedade que sempre foi afeita à obsolescência das coisas,
vários objetos antes considerados indispensáveis, como o rádio, a televisão e a
câmera fotográfica, só para ficarmos nesses exemplos; isso porque o tal do smartphone pode funcionar como rádio e
câmera fotográfica e televisão e o escambau. Smartphones com acesso à internet
são uma das maiores revoluções tecnológicas do nosso tempo: pessoas estudam
pelo celular; pessoas fazem consultas médicas pelo celular; pessoas assistem a
filmes, a telejornais e a tudo mais pelo celular; pessoas trabalham pelo
celular; pessoas fazem transações bancárias e/ou financeiras pelo celular;
enfim, o celular, o smartphone – e se
sabe que ainda é considerável o número de aparelhos em uso que não são dessa
categoria – é, talvez, o objeto mais desejado do mundo, porque é por causa dele
e/ou através dele que, para milhões, bilhões de pessoas, a vida realmente
acontece.
Como não são poucas, pelo
contrário, são muitas as possibilidades de interação e atividades
proporcionadas pela e/ou pelas tecnologias contidas nos smartphones, também os livros migraram para o universo virtual; os
chamados e-books, os livros digitais,
normalmente mais baratos do que as versões impressas, cada dia ganham mais
adeptos entre os indivíduos que sempre e sempre recorreram aos livros
propriamente ditos.
Confesso que por vezes me
aflige a ideia de que toda a nossa memória escrita, que antes era impressa,
como os jornais, as revistas e os próprios livros, passem a existir somente de
forma virtual e não palpável e não manuseável. Na minha cabeça isso ainda não
funciona. E tanto não funciona e tanto eu continuo andando na contramão desses
avanços tecnológicos e virtuais, que eu permaneço montando minha biblioteca e
considerando ela a única riqueza material que eu possuo e uma parte muito,
muito especial da minha casa.
Pode ser que o que eu vou
dizer agora soe para muitos como algo absolutamente exagerado, despropositado e
até retrógrado, dado o fascínio imperante das mais avançadas das mais avançadas
tecnologias contidas num smartphone;
o fato é que os livros impressos são parte essencial da minha vida; os livros
estão na base do muito que eu fiz até aqui e do que eu ando planejando para o
meu viver; é uma relação de muita dependência a que eu mantenho para com os
livros; e só eu sei o quanto tal relação me revigora e me anima diariamente.
Hoje mesmo eu tive uma
dessas satisfações imensas que só quem é um ardoroso amante dos livros pode
compreender: eu tive o privilégio de escolher e trazer para a minha biblioteca
quantos livros eu quisesse entre os muitos que estavam acomodados em caixas
arrumadas numa garagem, prontos para seguir para doação. E com grande ânsia e
volúpia eu fui examinando as caixas à cata de autores e de assuntos do meu
interesse entre os inúmeros títulos que havia ali. E assim foi que eu trouxe mais
pessoas dos livros para morar junto comigo; gente como Celso Furtado, Manuel
Correia de Andrade, Charles Baudelaire, Umberto Eco, Peter Eisenberg, Paulo
Cavalcanti, Carlos Drummond de Andrade, Vamireh Chacon, Florbela Espanca e
outras mais. Ah, como é maravilhosa a companhia dos bons livros!
Dias atrás eu li uma reportagem
na revista Veja (Ernesto Neves e Caio
Saad. “Mentes não tão brilhantes”. Veja,
São Paulo, Editora Abril, edição 2758, ano 54, nº 39, 6 de outubro de 2021, p.
54-59) que descrevia levantamentos que apontavam, em que pese o aparato
fascinante do mundo da tecnologia digital, um recuo do Q.I. dos seres humanos,
que estariam sendo impactados, segundo o neurocientista francês Michel
Desmurget, principalmente pelo excesso de tempo passado diante das telas dos
mais variados aparelhos digitais, boa parte desse tempo, diga-se, empregado em
interações nas chamadas redes sociais, redes sociais essas que são praticamente
a razão de existir dos possuidores dos famigerados smartphones. Saliente-se que a tecnologia digital não é um mal em
si; o mal está em abusar do seu uso a ponto de deixar de lado hábitos como a
conversa cara a cara e a leitura de textos mais densos e/ou longos, dada a
natureza por assim dizer apressada e muitíssimo ligeira das redes sociais.
Do lado de cá, no meu
mundinho real, eu vou seguindo na contramão e fazendo dos livros e dos meus
hábitos de escrita e de leitura o leitmotiv
da minha existência.
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