Em que pese o fato do meu grande interesse como pesquisador ser direcionado para os centros urbanos antigos, na realidade, a cidade como um todo me
interessa, porque a cidade não é somente o dito centro histórico, mas também,
os outros espaços, os outros territórios que a compõe: os bairros afastados, as
áreas de ocupação mais recente, os subúrbios esquecidos e até a zona rural que,
porventura, contenha elementos que digam da história da zona urbana do município ao qual ela pertence.
Nas andanças por este país
afora para conhecer algumas de nossas cidades de formação mais antiga, eu, aqui
e ali, tenho me deparado com um tipo de preservação predial que se propõe a
simplesmente conservar o lado de fora da construção em seus aspectos originais.
Em linhas gerais, claro, o prédio está conservado, mas, e o resto dele, seus
cômodos, sua configuração interna, seus detalhes interiores?
Conversando sobre essa
questão com a professora universitária mineira Mônica - não guardei o sobrenome dela, infelizmente -, que eu conheci em
outubro do ano passado em Diamantina, Minas Gerais, ela fez um comentário muito pertinente e
com o qual eu concordei apenas parcialmente. Ela disse assim: “Seria uma
crueldade, nestes tempos modernos, obrigar as pessoas a morar em casas antigas.
A preservação consiste em manter o pé-direito e a fachada”.
Quando eu disse que
concordei apenas parcialmente com a fala da professora Mônica foi porque,
embora eu aceite que, ainda que interiormente descaracterizado um prédio antigo
seja considerado um patrimônio arquitetônico, porque ele teve as suas feições
externas preservadas, não concordo que tenhamos de manter um princípio de
salvaguarda e de preservação do patrimônio histórico edificado que não reserve
ao menos alguns exemplares dessas construções para que elas, se não de todo, sofram
intervenções mínimas de modo que o máximo de sua forma antiga, os seus
elementos do passado sejam preservados como testemunhos de uma dada época.
Ora, como dizer que tal e
tal prédio remonta ao século XVII, por exemplo, se por dentro ele está completamente
e/ou substancialmente descaracterizado? Para mim uma coisa é falar que o
traçado urbano de determinado núcleo citadino que remonta à época do Brasil
Colônia está preservado, algo que plantas antigas em confronto com atuais podem
comprovar; e outra é falar que a cidade do respectivo traçado está inteiramente
preservada quando, em realidade, não está, uma vez que, no geral, quase todos
os seus edifícios sofreram intervenções interiores, como a substituição do piso
de barro cru por cerâmica ou uma adequação para que fosse instalado um
elevador, por exemplo.
Mais de uma vez eu me peguei
surpreendido com o que considero intervenções completamente absurdas em imóveis
situados em “zonas de preservação”. Em vários, em muitos deles, o visitante nem
pode observar como era o madeiramento do telhado, porque foram postos forros de
gesso ou de PVC, de modo que aparelhos de ar-condicionado pudessem ser
instalados. Em outros, já me deparei com banheiros e com outros equipamentos que mais pareciam ser parte
de edificações muito modernosas, como os shopping
centers, e não de construções de dois, três séculos atrás. Por que
modificar tanto?
Pensemos bem: não seria
adequado que pelo menos alguns prédios – as construções religiosas e militares
não contam, porque, no geral, suas integridades arquiteturais internas e
externas são preservadas – situados em centros urbanos tombados preservassem
integralmente seus interiores conforme a época de suas edificações? Não seria
mais interessante e ricamente atrativo como produto turístico e também didático
e pedagógico que conhecêssemos construções, na medida do possível, que
apresentassem as feições que elas possuíam no tempo em que foram levantadas?
Não acredito que pratiquemos uma verdadeira preservação de edificações históricas quando delas subtraímos e/ou modificamos
elementos estruturais. A bem da verdade, muito de nossas cidades históricas é
ou não passa do que eu chamo de “cenografia histórica”. Muitos imóveis –
provavelmente a maioria absoluta – que vemos em cartões-postais e em material
de divulgação turística não são mais do que cenários nos quais as fachadas são,
por assim dizer, as únicas coisas realmente originais que restaram deles.
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