Por Clênio Sierra de Alcântara
Agora
entre os dedos
Você
deixa escorrer o mel.
Se
agarra a segredos e medos e ponto final.
Mas
é sempre assim,
É
uma regra maldita e geral.
Ou
feia ou bonita,
Ninguém
acredita na vida real.
Vida
real.
Caetano Veloso
Viver
para dentro e viver para fora de si. Talvez, em igual medida, o
que o viver tem de encantador e fascinante ele tenha de desafiador e
angustiante. Sem sentimentalismos e nem platitudes, porque eu não sou disso, eu
olho para trás, para momentos longínquos e recentes de minha vida e me
congratulo por ter tido coragem de não seguir determinadamente o que indicava a bússola da
satisfação, da realização e do prazer total que, de maneira geral, desde cedo
uns e outros tentaram encaixar na minha mente. Ufa, é com sensação de pleno e
vigoroso alívio que eu respiro fundo, abro os braços e digo que eu estou
inteiramente certo – ainda que para tantos eu esteja completamente errado – em
me posicionar na vida sem estar preso totalmente às amarras sociais, porque,
eu aprendi, por vezes a duras penas, que é melhor, muito, muitíssimo melhor
viver para fora de mim, carregando com minhas próprias forças o peso do meu
corpo e dos meus anseios, livre, liberto o quanto que é possível a alguém que
vive em sociedade, com suas regras e determinações possa ser, do que viver para
dentro de mim, elencando angústias, computando insatisfações e contabilizando
verdades que me disseram e ainda me dizem ser necessárias para o meu bem viver. Não gosto, não gosto de modo algum quando uns e outros me importunam querendo me ensinar a viver, como se eles soubessem de tudo o que vai dentro de mim.
Nada, absolutamente nada em
minha vida é mais revigorante, prazeroso e satisfatório do que eu despertar de
manhã cedo e ainda na cama, esteja onde eu estiver, amanheça onde eu amanhecer, e me perceber inteiro e
completo, gozando de uma paz interior que faz com que os meus olhos mirem o
mais adiante possível. Se eu tinha de provar alguma coisa a alguém, lamento
dizer que eu decepcionei a tal criatura. Se eu precisava ter correspondido às
expectativas todas que depositaram sobre mim, o que eu tenho a dizer é que eu
não servia e nem sirvo para o que vislumbraram para a minha pessoa.
Tristezas? Sim, algumas,
várias. Culpa? Não, culpa nenhuma. Não fui eu quem fez surgir a violência
humana; não fui eu quem instituiu a escravidão; não fui eu quem criou a bomba
atômica; não fui eu quem fundou as religiões; não fui eu quem acionou as
câmaras de gás; não fui eu quem fraudou a licitação; não fui eu quem concebeu o
estupro; não fui eu quem tirou a vida daquele rapaz por causa de um celular;
não fui eu quem propôs a pena de morte; não fui eu quem assassinou aquela
atriz; não fui eu quem inventou as classes sociais; não fui eu, enfim, quem fez
chegar a dor, o sofrimento, a indiferença, a crueldade e a desumanidade a este
mundo. E a minha compaixão, a minha solidariedade e o meu companheirismo, admito, não são plenos,
incondicionais e nem irrestritos: eles são e sempre hão de ser seletivos, como
quase tudo que emana de mim. E por quê? Ora, porque eu olho para a vida ao meu
redor e enxergo que existem sim pessoas boas e pessoas más. Não é porque eu tenho
meus recalques, meus traumas, minhas frustrações e meu histórico de abandono
que eu vou sair por aí esfaqueando, explodindo, atirando, queimando, espancando e contaminando as pessoas.
Áspero? Grosseiro? Indelicado? Insensível? Verdade, eu também sei ser assim. E
ainda bem que eu sei ser assim, caso não, eu já teria sido esmagado pela
postura tida como modelar dos que se arvoram de ser justos e corretos. Eu sou
imperfeito, tenho absoluta certeza disso.
Por vezes nós mesmos ou
outrem fazemos/fazem de nossa vida um grande e interminável calvário. Culpa,
submissão, responsabilidades demasiadas, medos, satisfações nunca saciadas,
projetos sempre adiados, inadequações a uma série de coisas... O tempo em nossa
existência para muitos parece se arrastar demais ou correr muito depressa, para
outros, sem que, no mais das vezes, se consiga alterar essa percepção. Quem por escolha
própria ou por imposição de alguém ou de circunstâncias vive apenas para dentro
de si, creio que enxerga a vida de modo
muito restrito e cheio de limitações de toda ordem, o que, imagino, não deva
ser nada fácil. Vivo com intensidade a minha vida dentro daquilo que eu
considero como sendo intenso. Mas, ao contrário do que imagino que muitos
pensam a meu respeito, eu não estou disposto a tudo. Não estou mesmo. A minha
vida até aqui foi e é para mim uma imperfeição gloriosa.
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