4 de janeiro de 2020

Uma nação de não leitores

Por Clênio Sierra de Alcântara


Imagem: Internet
A ideia de livre acesso à miríade de informações disponibilizadas pela rede mundial de computadores, bem como o seu uso como plataforma que nos possibilita inserir também nossas visões de mundo é algo realmente sensacional. Contudo, pensar que a internet e as chamadas redes sociais fizeram diminuir o nosso contingente de leitores é não ter conhecimento do fato de que nunca fomos realmente uma pátria de leitores

Quando, há quase dez anos, eu comecei a escrever para esta plataforma, eu fiz isso sem alimentar qualquer pretensão de que eu conquistaria um grande público leitor. Falta de confiança e de sentido de valor? Complexo de vira-lata? Nada disso. A minha avaliação, sensata e equilibrada – e o tempo revelaria o que eu prognosticara -, se deveu porque eu tinha, como ainda tenho, conhecimento de que os brasileiros nunca foram dados à leitura, nunca constituíram uma nação de leitores, como atestaram inúmeros levantamentos – o mais recente, Retratos da Leitura no Brasil, que aferiu dados do ano de 2015, revelou, por exemplo, que os entrevistados alegaram as seguintes razões para não ler: falta de tempo, falta de paciência, preço dos livros e não gostar de ler.

Dito isso, ao ingressar como produtor de conteúdo numa seara onde existem bilhões de páginas que podem ser acessadas e que comportam os mais variados assuntos, eu não poderia mesmo crer que eu angariaria milhões de visualizações e/ou centenas de seguidores fiéis, ainda mais porque a matéria principal, o fundamento do meu projeto de escrita não era e não é o factual, não é necessariamente – embora vez por outra eu vincule acontecimentos que ganharam o grande noticiário – o que está nas páginas on-lines de um jornal e/ou de uma emissora de TV muito assistida, não comporta pornografia, não é um canal humorístico, não ensina pessoas a ficar ricas, não exibe textos religiosos e nem sequer corpos ensanguentados e decapitados. Além disso, ainda por cima, eu não me dispus a fazer propaganda do meu trabalho onde quer que fosse, tendo em vista que, dado o meu parco conhecimento de Facebook, Twitter e afins, eu sabia que não tinha a menor, a menorzinha chance de conquistar como leitores pessoas que diariamente frequentam esses espaços, porque eu sabia, como eu sei, que, no geral, elas estão ali majoritariamente mais para se exibirem, assistirem a vídeos e ler “textos” que não avancem mais do que em três linhas. Ou seja, eu iniciei a minha caminhada no mundo virtual sabendo que, caso eu alcançasse uma audiência, ela seria uma plateia, digamos assim, de iniciados.

Aos críticos acerbos, como o admirável escritor Umberto Eco, que afirmaram e afirmam que a internet e as redes sociais deram espaço para todo tipo de gente se expressar, principalmente os idiotões, eu digo que a rede mundial de computadores é uma das coisas mais sensacionais do nosso tempo justamente porque pôs a possibilidade de manifestação a qualquer um que a queira fazê-la. Ora, como leitor, como ouvinte, como espectador, eu escolho aquilo que eu quero ler, ouvir ou assistir, me valendo de algum critério para avaliar se é confiável aquilo que eu leio, ouço ou assisto, mesmo porque, a tão celebrada, democrática e inclusiva internet não é só terreno do conhecimento refinado, da luz e da razão, é, também, um campo por vezes minado onde proliferam notícias falsas, o obscurantismo e os discursos de ódio e de intolerância. E ainda tenho o privilégio de opinar, caso deseje fazê-lo. Para mim, que tantas vezes fui ignorado por redações de jornais, ter à minha disposição um espaço onde eu possa escrever e me expressar e opinar com a extensão e periodicidade que eu quiser é algo formidável, para dizer o mínimo.

Durante esses anos eu, em mais de uma ocasião, pensei em parar de conduzir e realimentar o meu blog acreditando que, na verdade, eu estava era perdendo tempo com essa empreitada. Mas aí, eu aprendi uma lição com o Millôr Fernandes que passou a servir como um condutor de meu percurso intelectual dentro e fora da internet. Ao ouvir o que o Millôr, com toda a sua invejável erudição, disse, eu me dei conta de que, de certo modo, o que ele mantinha como postura intelectual eu também seguia; a fala dele apenas verbalizou o que eu pensava, que é a crença de que eu prezo um compromisso como escritor e pesquisador pautado pela perenidade que possa advir do reconhecimento por aquilo que eu escrevo, independentemente de a minha carinha, o meu rosto estar estampado ou não na tela de qualquer equipamento eletrônico que for acessado. Ou seja, reconhecimento e não a simples fama, até porque fama não está necessariamente ligada a boas ações e/ou a bons conteúdos; alguém pode ter o seu trabalho reconhecido mesmo que a sua imagem não apareça em lugar algum.

O advento da internet e das redes sociais ao mesmo tempo que possibilitou o acesso a uma infinidade de informações e deu espaço à expressão dos que não tinham como e/ou onde fazê-lo, fez com que só aumentasse o fosso que separa o Brasil das nações nas quais leitores e livrarias são uma realidade de fato. Então, dizer que as redes sociais fez deste país uma pátria de não leitores de livros é desconhecer dados, é não saber que nunca fomos disso, e, dada a precariedade social do tempo presente, na qual o fútil, o breve, a mediocridade e a imagem dizem tanto do nosso subdesenvolvimento secular, talvez, infelizmente, nunca, nunca haveremos de ser uma nação de gente bem instruída e educada, porque, quem não lê, quem não se instrui, não se municia satisfatoriamente para manejar as engrenagens que movem o mundo desenvolvido e nem se habilita a pensar em construir satisfatoriamente o seu futuro.


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