29 de fevereiro de 2020

Personas urbanas (25)


Por Clênio Sierra de Alcântara


Eu te amo você

Já não dá pra esconder

Essa paixão

Mas não quero te ver

Me roubando o prazer da solidão. Eu te amo você. Kiko Zambianchi




A solidão é um grande bem que eu possuo. Eu conheço pessoas que dizem sentir um verdadeiro pavor de estarem e/ou ficarem sozinhas. Hoje, talvez menos do que no passado, porque a mim me parece que o visgo das chamadas redes sociais isola de tal forma as pessoas sem que elas se deem conta disso, os indivíduos não se vejam obrigados a entrar num relacionamento afetivo e/ou numa amizade para que não sejam vistos como antissociais, encalhados e até loucos.


Não sei exatamente a partir de que momento eu passei a examinar o meu pensamento tomando consciência de que, se para muitos a solidão de um modo, digamos, geral, era extremamente ruim, ela era para mim um mau que me fazia muito bem. Não tive nenhuma dificuldade para aceitar isso; pelo contrário, corre dentro de mim um claro e preciso entendimento de que é na solidão que eu penso melhor na condução da minha vida e de alguma forma eu me conforte, sobretudo, por eu me ver livre das amarras que a sociedade não para de criar para nos prender.


Parece um contrassenso isso, mas a verdade que tem valido para mim é que, mesmo quando estou compartilhando com alguém uma vida de afetividade, eu sinto necessidade de ter o meu espaço para ficar metido só e somente só comigo mesmo. E isso me faz pensar que, caso eu venha a querer dividir a minha vida com uma pessoa, eu e ela teremos de discutir sobre essa questão; e, não duvido, precisaremos habitar cômodos e/ou até moradas diferentes, porque a mim me parece que, tal qual a minha vida intelectual, a necessidade de ter prolongados períodos de solidão é também um ponto inegociável para mim; eu não quero de forma alguma abrir mão disso, nem por nada e nem por ninguém.


Sim, eu compreendo claramente que há espíritos gregários que necessitam sempre e sempre ter alguém ao seu lado. Mas não é este o meu caso. E eu já tenho idade e experiência suficientes para entender que sentir vontade de ter alguém com quem transar, por exemplo, não significa necessariamente que estejamos sentindo vontade de manter um relacionamento afetivo com quem quer que seja. Não confundo mais as coisas: às vezes eu só quero sexo mesmo e não companhia; e uma vez que ambas as partes estejam satisfeitas – quer dizer, esse negócio de satisfação não é simples -, cada uma vai para o seu falo e tchau, e até a próxima. Sem nós não desatáveis, sem cobranças, enfim, sem nada mais que possa atrapalhar nossas vidas.


Eu não demorei a perceber que a solidão era e é para mim um item de primeira necessidade para eu estar de bem com a vida. Sei que de uma hora para outra poderá aparecer alguém que abale o meu cérebro e o meu coração e modifique esse meu modo de pensar e conduzir o meu destino, mas, por enquanto, tudo irá continuar do jeito que está, porque, acredito e sinto, isso só me faz bem. Como eu disse, não demorei a perceber que a solidão era algo de extrema necessidade para o meu bem-estar; o que de certa forma demorou foi eu aceitar sem nenhuma neura isso, porque isso não é comum, isso não é o que normalmente se vê por aí. Bem, eu não me considero uma pessoa diferente das outras; o que acontece é que eu não sinto necessidade de me encaixar em padrões e convenções sociais e nem medo, receio e vergonha de anunciar o que sinto, meus anseios, fraquezas e fortalezas.


Quando eu digo que a solidão é um grande bem que eu possuo, não estou lançando mão apenas de uma frase de efeito e nem exagerando a dose; eu digo isso com a plena convicção de que caso tirem a solidão de mim, de algum modo acabarão comigo.

Um comentário:

  1. Nota-se neste texto, a fuga e o medo pelo calor da paixão. Dois mundos precisam de separação,o intelectual e o sentimental.

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