Fotos: Arquivo do Autor Conhecer o Centro Dannemann foi uma das experiências mais enriquecedoras que eu tive nas minhas viagens pela Bahia |
Uma entre as muitas lições
que eu aprendi com o meu mestre maior Gilberto Freyre foi a de dar valor e o
querer conhecer certos modos de fazer e de fabricar que existem nas sociedades de uma
maneira geral. Talvez mais do que simples curiosidade, o querer saber como algo
é feito esteja impregnado de um interesse pela descoberta do que está por trás,
como quem desmonta um rádio de pilha, por exemplo, para conhecer os maquinismos
todos que estão dentro dele e, ao lado disso, lançar-se ao desafio de tentar
pôr no seu devido lugar cada peça que forma o todo. E, como todos nós sabemos,
há os modos artesanais e tradicionais de se fazer algo, como uma flauta de madeira, e os meios
industriais que conseguem fabricar esse mesmo instrumento musical com
diferentes matérias-primas e em escala bastante acentuada. Vale dizer que na lição dada
pelo autor de Região e tradição, está
intrínseca a ideia de um conhecer certos modos de fazer com vistas à
valorização e à preservação de tais práticas artesanais e tradicionais, para que elas não se percam em
meio ao feitio industrial que tudo estandardiza e padroniza.
Eu era um menino ainda
quando conheci em minha cidade natal, Abreu e Lima, uma primitiva casa de
fabricação de farinha de mandioca. E, já adulto, com mais de trinta anos, eu repeti
essa experiência, agora em Pedras de Fogo, na Paraíba. Nunca que aqueles
mecanismos, aquela lenha em brasa, aquela farinha sendo torrada e aquele
cheiro saíram da minha lembrança e da minha memória olfativa.
O
Recôncavo Baiano e a produção de fumo e de charutos
As lavouras fumageiras estão
presentes neste país desde o século XVI, ou seja, desde quando teve início a
colonização portuguesa destas terras. Afranio Peixoto inicia o verbete “Fumo”
do seu Breviário da Bahia neste tom: “Creio
que o maior presente dado ao mundo, pelo Brasil, foi o tabaco” (Afranio
Peixoto. “Fumo”. In Breviário da Bahia.
Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1945, p. 53). E prossegue o bom e arguto
Afranio em sua narrativa nos dando uma série de informações a respeito da
cultura do fumo lançando mão de fontes diversas. Diz-nos ele que antes de 1556
um certo Luís de Góis, que acabou jesuíta na Índia, levou tabaco do Brasil para
Portugal. Naquele 1556 André Thevet levou o produto a Catarina de Médicis, em
Paris, queixando-se de ter sido roubado por um Jean Nicot, que, só em 1559, de
Lisboa levara também a Paris, cultivado no Jardim do Rei, “razão por que Lineu
lhe daria o nome de Nicotina tabacum,
donde nicotina, etc" (Op. cit., p. 54). Lembra-nos ainda o autor do Breviário que o livro publicado por Hans
Staden – trata-se de Duas viagens ao Brasil -
vê-se uma gravura na qual aparecem índios fumando, em conselho, enormes
trabucos de folha de palma, cheias de folhas secas de tabaco, precursores dos
nossos modernos charutos. E mantendo o tom didático e minucioso de sua
narrativa ele esclarece que:
Os
nossos antigos diziam “beber o fumo” por “tragar” a fumaça, como se diz ainda
hoje, como ainda também se diz “mascar” fumo, isto é, pô-lo em fragmentos na
boca, deglutindo a saliva, que o dissolve. Ainda há os que esfregam os dentes
com um troço de fumo de corda, para os assear, não sem saborear e engolir o que
resulta dessas operações, nem sempre limpas. Hoje subsiste o cigarro, o charuto
e o cachimbo.
Em
português do Brasil deu-se, ao tabaco, acepção pudenda, por contido na
tabaqueira ou boceta, de comparação erótica: daí geralmente “fumo”, que é o que
resulta do tabaco queimado, dizendo-se, sem propriedade: “fumo em folha”, “fumo
de corda”, “fumo de Goiás” ou “da Bahia”, sem querer dizer da fumaça, senão do
tabaco (Op. cit., p. 54).
Antes de seguir adiante
quero eu fazer aqui menção mais detalhada ao tal do Hans Staden citado pelo
Afranio Peixoto. Staden foi um alemão que empreendeu duas viagens da Europa ao
Brasil no século XVI: na primeira ele saiu de Kampen, Holanda, em cerca de 29
de março de 1547 e regressou a Lisboa em 8 de outubro de 1548; e na segunda,
ele partiu em 10 de abril de 1550 de São Lucar de Barrameda, Espanha, e
retornou ao Velho Mundo, desembarcando em Honfleur, França, em 20 de fevereiro
de 1555. Foi durante a segunda vinda a esta parte do Novo Mundo que Hans
Staden, tendo escapado de um naufrágio, foi aprisionado por índios tupinambás
num ponto do litoral entre São Paulo e o Rio de Janeiro, provavelmente em
meados de 1554, como esclarece em nota na página 81, Francisco de Assis
Carvalho Franco na edição que eu possuo de Duas
viagens ao Brasil, lançada em 1974 (Hans Staden. Duas viagens ao Brasil. Trad. Guiomar de Carvalho Franco. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974), e
entre eles permaneceu durante quase dez meses.
Poucas vezes eu li um texto
que tenha me deixado tão ansioso por querer passar logo para a página seguinte
a fim de saber tudo o que se passou com o narrador, que fez um relato
autobiográfico de seus dias como prisioneiro de silvícolas canibais. Em dado
momento, numa das várias passagens aflitivas que escreveu, Hans Staden nos diz
o seguinte: “Nada mais pensei senão que queriam sacrificar-me e procurava em
torno pelo ibira-pema, a maça com que executam os prisioneiros. Perguntei
também se me matariam logo, mas elas responderam: ‘Ainda não’” (Op. cit., p.
90). Como se vê, não foi por acaso que o livro de Hans Staden, cuja edição princeps saiu na Alemanha em 1557,
despertou enorme curiosidade ao longo dos séculos nos vários países onde foi
publicado.
Quanto à informação dada por
Afranio Peixoto a respeito da gravura publicada em Duas viagens ao Brasil (na edição que eu possuo ela aparece na
página 103), na qual são vistos índios fumando, é interessante saber, como vai
dito na legenda que a acompanha, que a xilogravura exibe um hábito dos
tupinambás que não é descrito em nenhuma passagem da narrativa de Hans. Quem assina as gravuras do livro é um certo DH que, em
seus estudos, Francisco de Assis Carvalho Franco, até àquele ano, não conseguiu
identificar quem era.
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Fonte: Hans Staden. Duas viagens ao Brasil, edição citada, p. 103. Note-se que alguns dos índios estão fumando os tais "trabucos" mencionados pelo Afranio Peixoto |
Num estudo que é considerado por historiadores como um dos principais tratados sobre economia brasileira escritos no Período Colonial, André João Antonil dedicou toda a segunda parte do seu Cultura e opulência do Brasil, publicado pela primeira vez em 1711, à "lavra do tabaco". Já no capítulo inicial daquela parte do seu estudo ele delineou a importância da lavoura fumageira dentro do quadro econômico:
Se o açúcar do Brasil o tem dado a conhecer a todos os reinos e províncias da Europa, o tabaco o tem feito muito mais afamado em todas as quatro partes do mundo, nas quais hoje tanto se deseja, e com tantas diligências e por qual via se procura. Há pouco mais de cem anos que esta folha se começou a plantar e beneficiar na Bahia; e vendo o primeiro que a plantou o lucro, posto que moderado, que então lhe deram com umas poucas arrobas, mandadas com pequena esperança de algum retorno a Lisboa, animou-se a plantar mais, não tanto por cobiça de negociante, quanto por se lhe pedir dos seus correspondentes e amigos que a repartiam por preço acomodado, porém já mais levantado. Até que, imitado dos vizinhos, que com ambição a plantaram e enviaram em maior quantidade, e, depois, de grande parte dos moradores dos campos, que chamam da Cachoeira, e de outros do sertão da Bahia, passou pouco a pouco a ser um dos gêneros de maior estimação que hoje saem desta América meridional para o Reino de Portugal e para outros reinos e repúblicas de nações estranhas. E, desta sorte, uma folha antes desprezada, e quase desconhecida, tem dado e dá atualmente grandes cabedais aos moradores do Brasil e incríveis emolumentos aos erários dos príncipes (André João Antonil. Cultura e opulência do Brasil. 8ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p. 237).
Nos capítulos seguintes Antonil diz sobre o passo a passo do cultivo do tabaco; quais são as pragas que podem atacar a plantação; como se cura o tabaco depois de torcido em corda; como se pisa o tabaco e se lhe dá o cheiro; dos usos que se faz do tabaco para a saúde e de como em demasia é nocivo a ela; o custo do rolo do tabaco; dos expedientes aos quais muitos recorriam para contrabandear o produto - "O que claramente prova a estimação, o apetite e a esperança do lucro, que ainda entre riscos acompanha ao tabaco" (André João Antonil. Op. cit., p. 253) -;etc.
Lembra-nos Manuel Correia de Andrade que, no Recôncavo Baiano, a cana-de-açúcar limitou-se a ocupar as terras de massapê, ficando à lavoura fumageira os terrenos arenosos: "[...] a cultura do fumo expandiu muito, de vez que este produto passou a ser usado como moeda para aquisição de negros na África. Assim, a área que produzia açúcar para o mercado europeu e que se abastecia de negros na costa africana passou a abastecer este continente com o fumo" (Manuel Correia de Andrade. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1986, p. 72).
O brasilianista norte-americano
Robert Smith conta que existe na Coleção George Arents, da Biblioteca Pública
de Nova Iorque, um manuscrito intitulado Memoria
sobre as especias de tabacao que se cultivão no Brasil, com as observações
sobre a sua cultura, commercio, artes, e com a descripção botânica das mesmas
especias, estampas illuminadas e mappa da Villa da Cachoeira, elaborado
pelo naturalista e homem público Joaquim do Amorim Castro em 1792; esse Castro,
inclusive, tornou-se juiz de fora de Cachoeira em 12 de abril de 1787 (Robert
C. Smith. “Algumas vistas da Bahia Colonial”. In Nestor Goulart Reis Filho
[org.]. Robert Smith e o Brasil. Vol. 2. Cartografia
e iconografia. Brasília: Iphan, 2012, p. 153-185).
A existência desse estudo nos
faz ver que mesmo a descoberta das minas de ouro em Minas Gerais, em fins do
século XVII, não tirou da cultura do fumo a relevância que ela tinha desde há
muitos anos dentro da pauta de exportação brasileira.
Dois outros personagens e a crise na produção
Dois outros personagens e a crise na produção
De passagem pelo Recôncavo Baiano em dezembro de 1858, o viajante alemão Robert Avé-Lallemant não deixou de observar o papel relevante da cultura fumageira naquela região. Segundo ele, Cachoeira e São Félix eram um entreposto comercial especialmente para o tabaco, que “se encontra armazenado e manipulado em todas as suas formas e cores nas margens do [Rio] Paraguaçu”. E completou sua informação nos dizendo que:
A fabricação de charutos é extraordinariamente grande, especialmente em Cachoeira e S. Félix. Ambas constituem, por assim dizer, uma só fábrica de charutos. Só na serraria do velho Lucas Jessler fabricam-se diariamente 7000 a 8000 caixas de charutos, que vão ser utilizadas exclusivamente para o acondicionamento de charutos fabricados em S. Félix, Cachoeira, a vizinha Muritiba e outras localidades da redondeza. Isso, no entanto, constitui apenas parte da fabricação de charutos na Província da Bahia, parte apenas da exportação do tabaco do Norte do Brasil (Robert Avé-Lallemant. Trad. Eduardo de Lima Castro. Viagens pelas províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe: 1859. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980, p. 65).
Em 1859, mais precisamente
no dia 9 de novembro, quando de sua passagem pela povoação de São Félix, então
subordinada à Vila de Cachoeira, Sua Majestade, o Imperador Dom Pedro II, ganhou
de presente uma caixa de charutos produzidos naquela localidade:"O senhor Cardoso, que tem
fábrica de charutos em São Félix, ofereceu a S. M. o imperador uma caixa de
excelentes charutos, bem preparada e feita de madeiras, da qual foi portador o
major Curvelo, bem como de uma petição em que solicitava a graça de gozar a
mesma fábrica o título de Imperial" (Viagem
Imperial ou Narração dos preparativos, festejos e felicitações que tiveram
lugar na província da Bahia por ocasião da visita que à mesma fizera SS. MM.
II. em outubro e novembro do corrente ano. In Dom Pedro II. viagens pelo Brasil: Bahia, Sergipe, Alagoas, 1859/1860.
2ª ed. Rio de Janeiro: Bom Texto; Letras & Expressões, 2003, p. 296. Originalmente
Viagem Imperial..., que aparece como
apenso nessa edição do diário do Imperador, foi publicado em 1859, em Salvador,
pela Typ. e Livraria de Epiphanio Pedroza).
Não nos esqueçamos de que a
importância do fumo na economia brasileira do Período Imperial ficou
evidenciada também na bandeira, pois dois ramos, um de cafeeiro frutificado e um de tabaco florido,
cercavam o Brasão do Império no pavilhão nacional, elementos esses que foram incorporados ao Brasão de Armas da República.
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Bandeira do Brasil Imperial |
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Brasão de Armas da República |
Recordemos que o Breviário da Bahia, do Afranio Peixoto,
veio a lume pela primeira vez em 1945; e por aquele tempo ele escreveu que a
Bahia era responsável por um terço da produção de tabaco do país; e disse ainda
que “Se Havana e Sumatra têm fama, por delicados, Bahia vence, perante os
Nórdicos europeus, por mais forte” (Op. cit., p. 55). Nessa mesma página disse
o escritor que a lavoura do fumo é onerosa e obriga o brasileiro a fugir do “prantando
dá”, porque a terra se esgota, exige ser adubada ou a cultura intercalar e
enriquecedora das leguminosas. E completou dizendo que: “Por isso, a Bahia, no Recôncavo,
em torno de Cachoeira, produz há séculos bom fumo, enquanto Goiás vai-se
desflorestando, com as terras exaustas pelo fumo, que prossegue em sua
exigência”.
Foi lendo o romance Fogo morto, do paraibano José Lins do Rego, que foi lançado em 1943, onde eu encontrei uma referência, por assim dizer, negativa ao fumo produzido na Bahia, a primeira e única até agora. Ela se dá num encontro entre o negro José Passarinho e o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, um dos personagens principais da narrativa. José Passarinho pede insistentemente um "cigarro" a Vitorino que em princípio nega e depois cede dizendo: "- Toma lá. Isto me deu um filho de Anísio Borges que chegou dos estudos; é fumo da Bahia, é muito fraco" (José Lins do Rego. Fogo morto. 24ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1982, p. 193).
Foi lendo o romance Fogo morto, do paraibano José Lins do Rego, que foi lançado em 1943, onde eu encontrei uma referência, por assim dizer, negativa ao fumo produzido na Bahia, a primeira e única até agora. Ela se dá num encontro entre o negro José Passarinho e o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, um dos personagens principais da narrativa. José Passarinho pede insistentemente um "cigarro" a Vitorino que em princípio nega e depois cede dizendo: "- Toma lá. Isto me deu um filho de Anísio Borges que chegou dos estudos; é fumo da Bahia, é muito fraco" (José Lins do Rego. Fogo morto. 24ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1982, p. 193).
Pouco mais de uma década
depois do aparecimento daquela obra do Afranio Peixoto, a produção de fumo
enfrentou uma grave crise nas terras baianas. Isso é o que foi registrado no
verbete sobre São Félix contido na Enciclopédia
dos Municípios Brasileiros. De acordo com essa publicação, em 1955 o fumo
em folha figurou como o principal produto agrícola da cidade, ocasião em que
foram colhidos 753.450 kg, o que equivaleu a 59,5% do total da produção
agrícola de São Félix, mas apenas a 3,09% da produção fumageira da Bahia. Além de
informar que por aqueles dias as lavouras de fumo, em maior escala, eram
cultivadas no distrito de Outeiro Redondo e que era intensa a atividade
artesanal de charuteiras domésticas, a Enciclopédia
dos Municípios Brasileiros nos diz ainda que São Félix foi, “até a crise
recente que resultou no fechamento das fábricas de charutos o maior centro
exportador deste produto no país” (Enciclopédia
dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 1958, vol. XXI, p. 317).
Ainda que essa crise não
tenha sido de todo superada, uma sobrevivência dos tempos áureos da produção de
charutos da cidade de São Félix conseguiu se reerguer e se manter em atividade
nos dias que correm, que é o Centro Dannemann, que eu visitei pela primeira vez na tarde do dia 7
de dezembro.
O
alemão Gerhard Dannemann chega à Bahia
Considerada a mais antiga
fábrica de charutos do Brasil, a Dannemann foi fundada na segunda metade do
século XIX por um alemão chamado Gerhard Dannemann – Gerhard teve o nome
aportuguesado para Geraldo; esse Geraldo Dannemann foi, em 1890, nomeado como o
primeiro Intendente de São Félix, cargo esse equivalente ao de prefeito; dois
anos depois ele foi eleito para o mesmo cargo que antes assumira por nomeação
-, que chegou ao país em 1872. Ele comprou a falida empresa de charutos
Schnarrenbruch; e iniciou as atividades do seu empreendimento contando com
apenas seis funcionários. Devido ao sucesso no mercado exterior, principalmente
a Europa, o negócio se expandiu de tal maneira, que Geraldo Dannemann chegou a
ser o maior produtor de charutos do Brasil, possuindo seis fábricas que empregavam
um total de quase quatro mil pessoas.
Durante um período de
efervescência socioeconômica e cultural chamado de belle époque, tão marcado no Brasil pelas obras de remodelação da
cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, Geraldo Dannemann saiu da
empresa – o ano era 1906.
Os conflitos bélicos da
Primeira Guerra Mundial, o pós-guerra propriamente dito, tornaram a Europa um
mercado em baixa para os charutos Dannemann, cujas fábricas começaram a enfrentar
dificuldades financeiras, o que levou a sua fusão com a Stender, dando origem à
Companhia de Charutos Dannemann, no ano de 1922 – Dannemann falecera um ano
antes. A nova administração e a injeção de capital na empresa não impediram,
contudo, que ela sobrevivesse ao novo baque provocado agora pela Segunda Guerra
Mundial. Foi depois disso que o Banco do Brasil, representando o Governo
brasileiro, responsabilizou-se pela empresa, que a partir dessa administração
recebeu o nome de Companhia Brasileira de Charutos Dannemann. Em 1945, ano do
término daquele conflito bélico que deixou grande parte do Velho Mundo arrasado
estrutural e financeiramente, a companhia foi devolvida aos proprietários, que
acabaram falindo em 1954. Vinte e dois anos depois o grupo suíço Burger
adquiriu a licença do nome Dannemann; e o sucesso e o prestígio da grife Dannemann
permanecem até hoje na Europa, que continua consumindo os charutos e
cigarrilhas que são produzidos no Recôncavo Baiano.
Conhecendo
uma fábrica de charutos
Depois de percorrer diversos
logradouros da cidade de São Félix fazendo anotações e fotografando uma coisa e
outra, eis que eu me encontrava caminhando pela Avenida Salvador Pinto, às
margens do Rio Paraguaçu, quando vi estacionar uma van e desembarcar dela um
grupo que parecia ser de turistas. Olhei para a fachada do prédio e só então me
dei conta de que ali érea o tal Centro Dannemann do qual o nobre Gilberto de
Araújo Moreira havia me recomendado que visitasse quando eu estive com ele no
Museu/Galeria Hansen Bahia, em Cachoeira. Resolvi seguir o grupo – sim eram
turistas; e italianos ou pelo menos falavam italiano, capisce? – e entrei naquele prédio.
Agora vejam só: enquanto o
grupo de italianos ficou conhecendo o lugar conduzidos pela guia turística, eu
tive o grande privilégio de ser acompanhado pelo mui gentil e atencioso Nicolas
Strieder, um jovem alemão que havia poucos meses chegara ali para cumprir um
período de estágio como administrador de empresa, e que já estava falando um
português bastante claro.
Em companhia do Nicolas eu
fui apresentado não só à manufatura de charutos, uma atividade desempenhada por
mulheres que trajam saias coloridas e blusas brancas e lenços de cabeça,
também coloridos, bem como às atividades de
cunho social e cultural mantidos pelo Centro Dannemann e ao projeto de
reflorestamento da Mata Atlântica. Ele também me disse das excursões que são
oferecidas a quem deseja conhecer em parte ou todo o processo de feitura dos
charutos desde a plantação do tabaco, que é feita na Fazenda Terra Dannemann, na cidade de Governador Mangabeira, que também fica no Recôncavo, e as opções de suvenires personalizados
que os visitantes podem adquirir lá.
Filipe Gomes ciceroneando, ao lado da guia turística, um grupo de visitantes |
Confesso que o que mais me
chamou a atenção no Centro Dannemann foram a organização do ambiente de
trabalho, a exposição dos objetos no grande salão e a manufatura em si dos
charutos que ali são feitos pelas mãos de mulheres muito habilidosas. Acredito que
Gilberto Freyre também teria ficado satisfeito com uma visita àquele lugar.
Tive uma dupla satisfação ao
ir visitar o Centro Dannemann nas duas ocasiões em que eu lá estive: assisti em minúcias ao
processo de fabricação de charutos; e estive nas muito boas companhias de dois jovens: um estrangeiro meigo e esmerado; e um nativo que era a gentileza e a paciência em pessoa, que tornaram muito ricas e proveitosas as minhas visitas àquela instituição, tantas foram as informações e os esclarecimentos que eles me
deram. Obrigado, Nicolas Strieder e Filipe Gomes, pelo prazer de tê-los conhecido e pelo aprendizado que os nossos encontros me proporcionaram.
O alemão Nicolas... |
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E os brasileiríssimos Cristiane e Filipe Gomes |
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