8 de janeiro de 2022

Patrimônio & Descaso ( VIII)

Por Sierra



O episódio do incêndio que devastou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em setembro de 2018, deu o que falar nas famigeradas redes sociais nas quais, a bem dizer, tudo circula e é “debatido”, digamos assim, o que as tornou o mais democrático parlatório que já existiu, um espaço onde, como dizia a minha avó a respeito de algo que é sabido ou utilizado por todo tipo de gente, pejorativamente falando, circulam gato e cachorro. O incêndio no Museu Nacional provocou uma onda de xingamentos contra a inoperância do Governo federal e dos dirigentes da instituição.

Quem lia e/ou ouvia os comentários, desabafos e achincalhes poderia até pensar que tais manifestações eram provenientes de uma gente muito dada a frequentar esse tipo de equipamento cultural. As perguntas que alguns se faziam diante do palavrório e da cacofonia vindos das redes sociais eram principalmente estas: desde quando o brasileiro comum esteve preocupado com a integridade dos bens culturais do seu país? O que é que o Museu Nacional significava para toda essa gente, para que ela ficasse postando tais coisas nesses ambientes virtuais?

Faça-se uma pesquisa de opinião pública para apurar quantos dos entrevistados já foram, digamos, por livre e espontânea vontade, por seu próprio desejo e interesse, a uma instituição como um museu, um centro cultural e/ou a algo que o valha, e não em excursões da escola e da faculdade. Aposto que o número será bastante diminuto. E sabem por quê? Porque os brasileiros não somos educados efetivamente para apreciar as produções culturais e artísticas; nem as produções e muito menos as instituições criadas para salvaguardá-las para as gerações futuras e de algum modo difundi-las. Pelo contrário, de certa maneira viceja no seio da nossa sociedade algo que beira um sentimento de desprezo por tal esfera da vida, o que é facilmente notado pelo baixo índice de leitores que existem em nossa população e pelo estado de decadência em que se encontram inúmeros espaços culturais por este país afora. As nossas cidades históricas, mesmo as mais antigas e celebradas, como Ouro Preto e Mariana, veem parte de seus monumentos sendo carcomidos pelas intempéries e pela desgraceira da penosa falta de verbas que os salvem da completa ruína.

Mas não é só a falta de verba governamental que põe o patrimônio histórico, artístico e cultural em um permanente risco de desaparecimento. Fazendo par com isso está a falta de um compromisso social, em sentido muito amplo, que assuma a responsabilidade pela preservação de um patrimônio que é de toda a nação, que é de todos nós. Como não temos Educação patrimonial desde a infância, não podemos mesmo compreender que uma dada instituição que preserva arte sacra, por exemplo, seja algo que nos diga respeito e que mereça  de nós atenção e interesse. Quando eu falo de compromisso social eu não estou me referindo somente ao empresário que poderia destinar certo capital para a restauração daquela igreja que fica próxima ao hotel e ao restaurante dele; eu digo, também, do compromisso de cada um de nós, porque não é porque eu não gosto de ir a museus e nem frequentar igrejas que eu vou tratar de depredá-las, pichá-las e destruí-las.

Infelizmente não temos base educacional suficiente para que possamos compreender que a preservação de nossas instituições culturais e de nosso patrimônio histórico edificado significa a manutenção de nossa História; não compreendemos que a degradação e o desaparecimento de prédios antigos, em muitas de nossas cidades, representam um completo descaso para com toda a memória dos que chegaram a este mundo antes de nós.

É notável isso, esse desprezo, esse descaso do brasileiro comum para com o legado que ele  recebeu; condição essa que se verifica em todas as classes sociais e níveis de educação formal. Brasileiro não sabe conjugar o verbo preservar; daí por que desenfreadamente destrói não só o patrimônio histórico como também o patrimônio ambiental. Somos uns destruidores natos. O único legado, a única herança que realmente  importa para o brasileiro, é a financeira, pessoal e intransferível.


Foto: Arquivo do Autor
 Praça Álvaro Machado, João Pessoa, 8 de janeiro de 2022.  As ruínas do que um dia foi o concorrido Hotel Luso-brasileiro é só uma entre várias edificações que estão abandonadas no centro histórico da capital paraibana


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