Por Sierra
Dia chegará em que eu
escreverei um alentado artigo sobre Ouro Preto, a cidade histórica de Minas
gerais que eu visitei em duas ocasiões. Por ora, o que me levou a escrever a
narrativa de hoje foram os muito tristes e lamentáveis acontecimentos provocados
pelas chuvas naquela cidade no último dia 7 e, depois, no dia 13.
Quando, pela primeira vez,
eu estive em Ouro Preto, fui de súbito tomado por um misto de deslumbramento e
de lamento. Caminhar por aquelas ruas, visitar os monumentos e respirar aquela
atmosfera me encheu de uma satisfação e de um prazer indescritíveis, além de
reforçar em mim a paixão e o compromisso por continuar militando, ainda que
solitariamente e sem vínculo com nenhuma instituição e/ou entidade, pela
preservação e salvaguarda do patrimônio histórico, artístico e cultural do
país. Já o lamento que quase se fez desencanto foi constatar que, mesmo em Ouro
Preto, o símbolo maior das políticas de preservação em vigor neste país desde a
criação do Serviço do Patrimônio Histórico – depois Diretoria e posteriormente
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) -, em 1937,
mesmo na Ouro Preto tantas e tantas vezes evocada e descrita por poetas e
estudiosos, nacionais e estrangeiros, e fotografada por admiradores e apaixonados
como Eduardo Tropia, que mora lá e que eu tive o privilégio de conhecer, aqui e
ali eu pude verificar que algo falhara, algo estava falhando no cuidado com o
patrimônio histórico edificado; e a ocupação indevida e desordenada da maioria
dos morros que circundam o núcleo de ocupação mais antiga da cidade me deram a
certeza de que, apesar de todos os esforços, as políticas de preservação em
duelo com a demagogia política não conseguiram salvaguardar de todo a paisagem,
o cenário que completa o espaço citadino.
Muito mais do que na
primeira vez, na minha segunda estada na antiga capital de Minas Gerais eu
percorri espaços outros afastados do chamado centro histórico; e foi essa
vivência de vários dias com o cotidiano da cidade que me levou a constatar,
naqueles inesquecíveis dias de outubro de 2018, que as ocupações desordenadas
eram um retrato de dupla face: de um lado expunham a ingerência de sucessivas
administrações municipais que foram coniventes e taparam os olhos enquanto
pessoas iam ocupando os morros, inclusive, áreas de risco; de outro, elas
revelavam que, junto com uma evidente luta pela sobrevivência de quem queria
erguer a sua morada, estava claro que as ocupações não se deram apenas pela
chamada gente humilde e necessitada.
Confesso que eu chorei. Sim,
eu chorei na quinta-feira passada, dia 13, quando vi as imagens do deslizamento
de parte do Morro da Forca, que causou a demolição do belo – por dentro e por
fora – Solar Baeta Neves e de um imóvel que
existia vizinho a ele. Nossa, que cena impressionante, triste e lamentável. Em
questão de segundos a memória de trabalhadores negros escravizados, de artesão
e artistas, de proprietários e restauradores, de marceneiros e pintores foi
reduzida a um monte de entulho. Imagens por demais comoventes – ad perpetuam rei memoriam.
Imagem que flagrou o instante em que o desmoronamento estava acontecendo: ad perpetuam rei memoriam |
E pensar que houve a
disponibilização de R$ 35 milhões, em 2012, ainda no governo da Presidente
Dilma Rousseff, para obras de contenção de encostas e nem sequer um centavo foi
usado e nada foi feito, porque não elaboraram estudos que viabilizassem a
liberação dos recursos. E pensar que o prédio estava interditado para visitação pública havia dez anos, por causa do risco de deslizamento de parte do Morro da Forca. E pensar que no último dia 7 outro prédio do centro
histórico, que fora abandonado pelos proprietários e deixado à própria sorte,
desmoronou parcialmente. E pensar que o centro histórico de Ouro Preto é protegido
por lei federal desde 1938, ou seja, é um patrimônio nacional e, também,
mundial, porque reconhecido pela Unesco.
Esta foi a edificação abandonada que ruiu parcialmente no último dia 7 de janeiro: de quem é a responsabilidade por essas perdas? |
Não duvido da competência do
atual prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo que, aliás, já administrou a
cidade em outros mandatos. Até onde eu sei, Angelo Oswalddo é alguém que
entende do riscado, que conhece como poucos as deficiências da cidade como um
todo e que é um administrador comprometido com a salvaguarda e proteção do
patrimônio histórico edificado, das manifestações artísticas e culturais e
mesmo daquilo que Gilberto Freyre denominou de mineiridade. Creio que, a
depender de Angelo Oswaldo, Ouro Preto irá de alguma forma ser alvo de ações
que promovam a contenção das encostas, trabalho esse nem um pouco fácil de ser
executado, considerando que a cidade e o seu entorno são formados por morros.
As perdas recentes ocorridas
em Ouro Preto – e, felizmente, nenhuma vida foi perdida nos desmoronamentos das
edificações – evidenciaram, mais uma vez, que, em que pese a importância
histórica, artística e cultural do conjunto urbanístico mais antigo da cidade,
a sua aura de pretensa eternidade está alicerçada em bases muito frágeis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário