Por Sierra
Não é que uma coisa exclua a
outra. Eu não parto deste ponto. Eu só compreendo que deveria haver prioridades
nas políticas de preservação do patrimônio histórico edificado; e também penso
que, caso só se disponha de X para financiar uma ação de restauro e/ou de
revitalização e/ou de contenção de danos, deve-se avaliar o que está em estágio
mais precário, o que está prestes a desmoronar, o que está em via de se perder,
levando-se em conta, evidentemente, o seu valor e a sua relevância histórica,
artística e cultural.
Percorrer as áreas de
ocupação mais antiga da capital paraibana, algo que de vez em quando eu faço,
desde 2008, leva o observador atento, o flâneur
e mesmo o simples caminhante que esteja passando por ali por causa de algum
compromisso, a se deparar, aqui e ali, nos bairros do Varadouro, onde a cidade
efetivamente teve início, lá no século XVI, e no chamado Centro –
respectivamente Cidade Baixa e Cidade Alta – com vários prédios abandonados,
com sobrados entregues à própria sorte, com edificações antigas transformadas
em garagens e estacionamentos e com outras que, apesar do estado de precariedade,
estão sendo utilizadas para algum fim comercial.
Retratos desse estado de
coisas podem ser vistos, por exemplo, nas ruas Gama e Melo, João Suassuna,
Barão do Triunfo, Rosário Di Lorenzo, Areia, Trincheiras e Duque de Caxias e na Av. Visconde
de Pelotas. As coleções de ruínas que as chamadas Cidade Baixa e Cidade Alta,
da capital da Paraíba, acumulam, dizem muito da falta de um efetivo compromisso
para com a preservação e a salvaguarda da memória urbana da cidade. Dia após
dia as condições estruturais desses prédios se agravam e não assistimos a uma
mobilização do poder público para que esse quadro e/ou essa política de
desprezo e de descaso para com a preservação dos testemunhos históricos
edificados seja revertida e se passe de fato a proteger tais construções.
Li, estarrecido, semanas atrás, que a Prefeitura Municipal de João Pessoa desapropriou o Tambaú Hotel, um monstrengo de ferro e concreto fruto do atropelo de leis e regulamentos que passa por cima de tudo para ocupar indevidamente espaços públicos sob a justificativa de que o que importa é o “progresso”, ainda que ele seja danoso. A novela do Tambaú Hotel, um empreendimento que faliu sob administrações incompetentes e ficou mergulhado em dívidas, foi a leilão algumas vezes e foi arrematado no mais recente deles, parece, para alguns, que chegou ao fim, agora que ele foi desapropriado pela Municipalidade. Ledo engano.
Nunca olhei com bons olhos
para o Tambaú Hotel. A mim ele sempre me pareceu algo monstruoso a ocupar uma
extensa área pública; e o estacionamento privado que existe ao lado dele – e
também ocupando a faixa de areia da praia -, com seus muros carcomidos, é,
igualmente, outra monstruosidade desmedida. Particularmente em relação a tal
estacionamento é interessante observar que, enquanto, por um lado, a
Municipalidade promove boas iniciativas como a demarcação de ciclofaixas e
ciclovias e a limitação e mesmo o impedimento de circulação de veículos em
determinados logradouros, como na área defronte ao Largo de Tambaú – esqueça-se
aquela placa enorme fixada ali com o nome da cidade, porque aquilo ali é um
horror -, mantém um estacionamento daqueles. Uma contradição sem tamanho,
porque o incentivo para o uso de carros continuou.
Placa que se desprendeu da estrutura: a possiblidade de causa de acidentes no local é enorme, porque não são poucas as pessoas que costumam ficar aí enquanto curtem a praia |
Quando a maré está alta não dá para passar a pé pela área |
Trechos corroídos: quanto custará a obra de recuperação desse monstrengo? |
Quando eu li o anúncio de que a Prefeitura Municipal de João Pessoa havia desapropriado o Tambaú Hotel, além da lamentação, do espanto e da irritação me chegaram duas indagações: 1ª) quantos milhares, quantos milhões de reais serão gastos para recuperar a estrutura e manter o prédio em funcionamento, seja com que funcionalidade for?; 2ª) por que um hotel que é um corpo estranho inserido na organicidade de um espaço público será alvo de investimentos permanentes enquanto sobrados continuam abandonados e prestes a desabar no sítio histórico da cidade?
Vou repetir o que eu disse
lá no início: uma coisa não exclui a outra. Estou falando aqui de prioridades
quanto à restauração e à preservação do patrimônio histórico edificado.
No último dia 7 de janeiro
eu fui mais uma vez a João Pessoa para passar um período de descanso. Percorri
logradouros da Cidade Baixa e da Cidade Alta – as imagens que ilustram este
artigo se não dizem tudo, dizem muita coisa – e fui, durante uma semana, à
orla. Constatei que o Tambaú Hotel permanecia abandonado e que a maresia e a ação
das marés continuavam carcomendo parte da edificação voltada para a praia.
Inclusive, eu constatei que uma das placas de concreto se desprendera da
estrutura. Quem circula por ali sabe que não é raro encontrar pessoas que se
refugiam naqueles espaços. Talvez a Municipalidade esteja esperando que algum
acidente grave ocorra – como, aliás, também no entorno dos sobrados arruinados
do sítio histórico – para que a área seja interditada e/ou receba ao menos uma
placa de aviso de risco de desabamento.
Enquanto isso no sítio histórico da cidade: edificações caindo aos pedaços não são difíceis de encontrar na capital paraibana. Aqui um registro feito na Av. Visconde de Pelotas
Praça Álvaro Machado: o antigo Hotel Luso-brasileiro está prestes a cair: cadê o isolamento da área? |
Rua Gama e Melo: por que o poder público permite que os imóveis históricos atinjam este estágio de degradação? |
Não faço a mínima ideia do
que a Municipalidade irá implantar no prédio do Tambaú Hotel. Será que o
executivo municipal vai passar a despachar ali de onde dá para ver o morro da
Ponta do seixas pouco a pouco desmoronar? Será que vão implantar lá mais um
mercado de artesanato ou um centro de informação turística? Ou será que a
Municipalidade irá instalar no local uma secretaria de proteção do patrimônio
edificado que lhe convém, olhando para a imensidão do mar e dando
definitivamente as costas para as ruínas que vão se acumulando no Varadouro e
adjacências?
Os sobrados abandonados do sítio histórico de João Pessoa são a expressão máxima da falta de efetivo comprometimento do poder público para com a preservação do patrimônio edificado que, por extensão, é parte substancial da memória urbana da capital paraibana, e a Municipalidade resolveu desapropriar o Tambaú Hotel. Decididamente os anos passam e as políticas de salvaguarda do patrimônio edificado de João Pessoa existem, ao que parece, apenas como letras quase mortas.
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