22 de janeiro de 2022

Sobre ruínas e ruínas

 Por Sierra

 

Fotos: Arquivo do Autor
Desgraçado cartão-postal: recentemente desapropriado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, o Tambaú Hotel exigirá que milhões de reais dos cofres públicos sejam investidos para recuperar a sua estrutura que dia a dia é carcomida pela ação da maresia e do movimento das marés... 


Não é que uma coisa exclua a outra. Eu não parto deste ponto. Eu só compreendo que deveria haver prioridades nas políticas de preservação do patrimônio histórico edificado; e também penso que, caso só se disponha de X para financiar uma ação de restauro e/ou de revitalização e/ou de contenção de danos, deve-se avaliar o que está em estágio mais precário, o que está prestes a desmoronar, o que está em via de se perder, levando-se em conta, evidentemente, o seu valor e a sua relevância histórica, artística e cultural.

Percorrer as áreas de ocupação mais antiga da capital paraibana, algo que de vez em quando eu faço, desde 2008, leva o observador atento, o flâneur e mesmo o simples caminhante que esteja passando por ali por causa de algum compromisso, a se deparar, aqui e ali, nos bairros do Varadouro, onde a cidade efetivamente teve início, lá no século XVI, e no chamado Centro – respectivamente Cidade Baixa e Cidade Alta – com vários prédios abandonados, com sobrados entregues à própria sorte, com edificações antigas transformadas em garagens e estacionamentos e com outras que, apesar do estado de precariedade, estão sendo utilizadas para algum fim comercial.

Retratos desse estado de coisas podem ser vistos, por exemplo, nas ruas Gama e Melo, João Suassuna, Barão do Triunfo, Rosário Di Lorenzo, Areia, Trincheiras e Duque de Caxias e na Av. Visconde de Pelotas. As coleções de ruínas que as chamadas Cidade Baixa e Cidade Alta, da capital da Paraíba, acumulam, dizem muito da falta de um efetivo compromisso para com a preservação e a salvaguarda da memória urbana da cidade. Dia após dia as condições estruturais desses prédios se agravam e não assistimos a uma mobilização do poder público para que esse quadro e/ou essa política de desprezo e de descaso para com a preservação dos testemunhos históricos edificados seja revertida e se passe de fato a proteger tais construções.

Li, estarrecido, semanas atrás, que a Prefeitura Municipal de João Pessoa desapropriou o Tambaú Hotel, um monstrengo de ferro e concreto fruto do atropelo de leis e regulamentos que passa por cima de tudo para ocupar indevidamente espaços públicos sob a justificativa de que o que importa é o “progresso”, ainda que ele seja danoso. A novela do Tambaú Hotel, um empreendimento que faliu sob administrações incompetentes e ficou mergulhado em dívidas, foi a leilão algumas vezes e foi arrematado no mais recente deles, parece, para alguns, que chegou ao fim, agora que ele foi desapropriado pela Municipalidade. Ledo engano.

Nunca olhei com bons olhos para o Tambaú Hotel. A mim ele sempre me pareceu algo monstruoso a ocupar uma extensa área pública; e o estacionamento privado que existe ao lado dele – e também ocupando a faixa de areia da praia -, com seus muros carcomidos, é, igualmente, outra monstruosidade desmedida. Particularmente em relação a tal estacionamento é interessante observar que, enquanto, por um lado, a Municipalidade promove boas iniciativas como a demarcação de ciclofaixas e ciclovias e a limitação e mesmo o impedimento de circulação de veículos em determinados logradouros, como na área defronte ao Largo de Tambaú – esqueça-se aquela placa enorme fixada ali com o nome da cidade, porque aquilo ali é um horror -, mantém um estacionamento daqueles. Uma contradição sem tamanho, porque o incentivo para o uso de carros continuou.



Placa que se desprendeu da estrutura: a possiblidade de causa de acidentes no local é enorme, porque não são poucas as pessoas que costumam ficar aí enquanto curtem a praia





Quando a maré está alta não dá para passar a pé pela área



Trechos corroídos: quanto custará a obra de recuperação desse monstrengo?














Quando eu li o anúncio de que a Prefeitura Municipal de João Pessoa havia desapropriado o Tambaú Hotel, além da lamentação, do espanto e da irritação me chegaram duas indagações: 1ª) quantos milhares, quantos milhões de reais serão gastos para recuperar a estrutura e manter o prédio em funcionamento, seja com que funcionalidade for?; 2ª) por que um hotel que é um corpo estranho inserido na organicidade de um espaço público será alvo de investimentos permanentes enquanto sobrados continuam abandonados e prestes a desabar no sítio histórico da cidade?

Vou repetir o que eu disse lá no início: uma coisa não exclui a outra. Estou falando aqui de prioridades quanto à restauração e à preservação do patrimônio histórico edificado.

No último dia 7 de janeiro eu fui mais uma vez a João Pessoa para passar um período de descanso. Percorri logradouros da Cidade Baixa e da Cidade Alta – as imagens que ilustram este artigo se não dizem tudo, dizem muita coisa – e fui, durante uma semana, à orla. Constatei que o Tambaú Hotel permanecia abandonado e que a maresia e a ação das marés continuavam carcomendo parte da edificação voltada para a praia. Inclusive, eu constatei que uma das placas de concreto se desprendera da estrutura. Quem circula por ali sabe que não é raro encontrar pessoas que se refugiam naqueles espaços. Talvez a Municipalidade esteja esperando que algum acidente grave ocorra – como, aliás, também no entorno dos sobrados arruinados do sítio histórico – para que a área seja interditada e/ou receba ao menos uma placa de aviso de risco de desabamento.


Enquanto isso no sítio histórico da cidade: edificações caindo aos pedaços não são difíceis de encontrar na capital paraibana. Aqui um registro feito na Av. Visconde de Pelotas



Praça Álvaro Machado: o antigo Hotel Luso-brasileiro está prestes a cair: cadê o isolamento da área?



Rua Gama e Melo: por que o poder público permite que os imóveis históricos atinjam este estágio de degradação?


Não faço a mínima ideia do que a Municipalidade irá implantar no prédio do Tambaú Hotel. Será que o executivo municipal vai passar a despachar ali de onde dá para ver o morro da Ponta do seixas pouco a pouco desmoronar? Será que vão implantar lá mais um mercado de artesanato ou um centro de informação turística? Ou será que a Municipalidade irá instalar no local uma secretaria de proteção do patrimônio edificado que lhe convém, olhando para a imensidão do mar e dando definitivamente as costas para as ruínas que vão se acumulando no Varadouro e adjacências?

Os sobrados abandonados do sítio histórico de João Pessoa são a expressão máxima da falta de efetivo comprometimento do poder público para com a preservação do patrimônio edificado que, por extensão, é parte substancial da memória urbana da capital paraibana, e a Municipalidade resolveu desapropriar o Tambaú Hotel. Decididamente os anos passam e as políticas de salvaguarda do patrimônio edificado de João Pessoa existem, ao que parece, apenas como letras quase mortas.

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