Por Sierra
Foto: Arquivo do Autor Apesar da pose de bon vivant e de quem não está nem aí nem vai chegando, o esculturado Livardo Alves está dia após dias sendo mutilado |
Quem é Livardo Alves? Ou melhor: quem foi Livardo Alves? Livardo Alves foi um cantor e compositor e jornalista paraibano que faleceu há quase vinte anos (em 16 de março de 2002). É de sua lavra, por exemplo, a muito conhecida marchinha de Carnaval “Marcha da Cueca” (“Eu mato, eu mato/Quem roubou minha cueca/Pra fazer pano de prato...”).
Quem caminha atento pelos espaços públicos de uma grande cidade costuma se deparar com monumentos, estátuas, bustos e outros meios pelos quais, geralmente partindo e/ou por incentivo da Municipalidade, busca-se dar destaque a alguma personalidade e/ou a um acontecimento marcante para a História do lugar ou mesmo para o país como um todo. Esses elementos evocativos de um passado que se quer manter vivo e ser dado a conhecer às pessoas do tempo presente, normalmente refletem um cuidado para com a memória no sentido de nos mostrar que houve tal acontecimento eu um determinado ano e/ou período ou, quando se trata de um personagem, mostrá-lo como figura importante dentro de um determinado campo de atuação, como a política, a administração pública, os esportes e as artes.
De uns anos para cá começamos a assistir, em várias cidades do mundo, a manifestações e a protestos questionadores de celebração de uns e outros personagens controversos do passado em espaços públicos. Vimos, por exemplo, nos Estados Unidos, que estátuas de antigos escravocratas passaram a ser vistas como inadequadas, afinal, por que celebrar a figura de alguém que foi responsável pela manutenção de uma ordem socioeconômica que, em verdade, começou a ser repudiada ainda no século XIX? Este é um ponto. Outro ponto aberto pelos protestos é o pôr em discussão a própria questão da representatividade de determinados grupos sociais nos tais monumentos, estátuas, bustos ou o que for, nos espaços públicos, deixando de ver que, tão importante quanto a preservação da memória em si ou por si mesma, é o exercício da evocação e da preservação de uma memória que diga muito mais do todo social e não de um fragmento específico; ou seja, uma memória que celebre as coletividades e suas diferenças e não que permaneça apenas evocando e narrando os feitos dos grupos sociais dominantes e/ou dos vencedores.
Com o intuito de não apenas
homenagear mas também manter a memória de Livardo Alves viva no Ponto de Cem
Réis, que ele tanto frequentava, em 4 de agosto de 2009, a Prefeitura Municipal
de João Pessoa inaugurou ali, bem defronte ao prédio onde funcionou o Paraíba
Palace Hotel, uma escultura de autoria do artista plástico pernambucano J.
Maciel, um admirável mestre do seu ofício. Esculturado, Livardo Alves aparece
muito posudo e cheio de si sentado num banco de praça e parecendo estar
mentalmente buscando motivo para mais uma canção ou burilando uma já quase
pronta.
Deixando a poesia e a
fantasia de lado, o fato é que há tempos o Livardo Alves que se encontra ali
sentado, em meio ao bulício do Ponto de Cem Réis, está clamando para o poder
público e para os cidadãos de bem que ele está sendo dilapidado dia após dia; e que certamente
pedaços da escultura estão sendo arrancados para serem vendidos em algum ferro
velho, porque quem a está mutilando continuamente não pensa na arte em si, mas
tão somente no material de que ela foi feita.
A mutilação da escultura de
Livardo Alves é quase que um retrato e/ou resumo do estado de degradação e
abandono em que se encontra o Ponto de Cem Réis, um dos locais de passagem mais
movimentado da área comercial da capital paraibana. A Municipalidade, ao que
parece, fechou os olhos para o que atualmente se vê por ali. Vendedores ambulantes
transformaram parte daquele espaço numa espécie de feira livre; e a desorganização tem
imperado por lá.
Pelo que se tem visto, o clamor de Livardo Alves não tem sido ouvido por quem pode socorrê-lo. Talvez a Municipalidade só se dará conta da mutilação que a escultura vem sofrendo, quando a representação do talentoso Livardo Alves desaparecer completamente dali.
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