Por Clênio Sierra de
Alcântara
I
Há quatrocentos e tantos anos os brasileiros
de maus bofes de tudo vêm fazendo para que o Brasil não saia da lama, da areia
movediça e do atraso social nos quais esse país, por isso, se mantém
permanentemente preso. Invertendo os termos da proposição do antropólogo
Roberto DaMatta eu pergunto: o que faz do Brasil, brasil? E eu, num arroubo de
quem acredita dispor de pelo menos parte da resposta, respondo: a cupidez, o
arrivismo, a educação de terceira categoria, o querer olhar o outro sempre de
cima para baixo, o “você sabe com quem está falando?”, o coronelismo político,
a corrupção institucionalizada, a indiferença, o mau-caratismo e a falta de respeito
à coisa pública.
II
Ainda querendo impor a todos
os cidadãos deste país o seu pensamento perturbado e a sua visão distorcida da
realidade, o senhor presidente da República Jair Messias Bolsonaro, o asinino
chefe da nação brasileira que fez circular o vídeo de um minuto e vinte e oito
segundos de duração intitulado “O Brasil não pode parar”, conclamando o povo a
ignorar as recomendações das autoridades médicas e continuar exercendo as suas
atividades laborais e cotidianas como se nada de anormal estivesse acontecendo,
achou tudo isso muito pouco e um dia depois de uma reunião com o ministro da
Saúde Luiz Henrique Mandetta que, segundo foi divulgado, elevou o tom com o
presidente sobre a extrema necessidade da manutenção do isolamento social, lá
foi o dito-cujo com sua cara esquisitóide bater perna na manhã do último
domingo pelo comércio de Brasília e arredores, arrastando atrás de si,
evidentemente, parte da fauna que deve se julgar imune à contaminação do
coronavírus.
Mandetta, sai desse covil,
rapaz! Esse sujeito está não só querendo desautorizar o senhor, mas também
humilhá-lo publicamente. Pensando bem, não peça para sair, não, ministro, deixe o mentecapto lhe demitir, porque dessa forma será pior para ele, que tem constantemente ignorado as suas recomendações.
III
Chega a ser patético, para
não dizer bestial e algo infame e acintoso, o comportamento dessas pessoas que,
no conforto de seus carrões, saem por aí, estimuladas pelo senhor Jair
Bolsonaro, buzinando e defendo o fim da quarentena. Senhores e senhoras, únicos
e verdadeiros patriotas desta nação, saiam dos seus carros e percorram as ruas
de mãos dadas; façam uma nova Passeata dos Cem Mil; mostrem que são pessoas de
fibra e de coragem; demonstrem que o coronavírus é uma coisinha à toa; e que
com os senhores e com as senhoras não há quem possa.
IV
Não aguentando tantas
reprimendas vindas dos seus opositores e, desconfio eu, pressionado pela ala
militar ajuizada de seu staff, o
admirável atleta do Palácio do Planalto, cujo esporte que pratica neste momento
com disciplinada regularidade é desacreditar os órgãos de imprensa e incentivar
os seus seguidores a fazer o mesmo, resolveu fazer um novo pronunciamento em
cadeia nacional de rádio e televisão, desta feita, na noite da última
terça-feira. O coronavírus que, segundo o discurso anterior, o máximo que
poderia provocar era uma “gripezinha” ou um “resfriadinho”, agora foi
transformado no “maior desafio de nossa geração” – ele copiou o que dissera o
comandante do Exército. E o presidente falou em doença e falou em desemprego, e
falou em doença e falou em desemprego... Parecia até um disco arranhado. E quanto
ao isolamento social? Aí já é querer demais desse desequilibrado, não é? A economia
não pode parar, minha gente. O Brasil não pode parar, ora essa. Morra, mas
morra tra-ba-lhan-do. Entendeu ou quer que eu desenhe?!
V
O combate ao coronavírus, de
um lado, e a luta pela desinformação, de outro, acentuou o ataque aos órgãos de
imprensa que, segundo os críticos, em geral, e os bolsonaristas, em particular,
não informam a verdade, causam pânico na população e, ainda por cima – ó céus,
ó vida -, de tudo fazem para derrubar o presidente que foi eleito para, vejam
só, acabar com a velha política. É muita pretensão desse pessoal, não é mesmo?
E nesse jogo de tiro ao
alvo, nessa prática atlética de fazer dos órgãos de imprensa uma Geni, a Rede
Globo, claro, é para essa gente patriota a pior de todas. Os bolsonaristas que,
em outros tempos, achavam correto e sensacional quando o Partido dos
Trabalhadores (PT) era quem ocupava as manchetes de maneira desabonadora, agora
falam em golpe. Quer dizer que contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff a imprensa não era golpista? Gozado, os petistas tinham
absoluta certeza de que tudo era uma ação orquestrada da direita para derrubá-los
do poder. É a mais pura verdade: quem se acostuma a atuar como pedra, não
aceita o papel de vidraça.
E para provar que não estão
para brincadeira, os bolsonaristas continuam se articulando pelo WhatsApp – e por onde mais? -, o canal
onde eles vêm espalhando coisas irreais, como a tal “notícia” do primo do
porteiro do “meu prédio” que não morreu de covid-19 e a imprensa alarmista diz
que sim – até gente que mora em oca está dizendo que tem porteiro. É tragicômico
-, para promover um boicote à Rede Globo. Na cabecinha desse pessoal, se a
emissora da família Marinho não existisse, o Brasil com toda certeza estaria
noutro patamar de progresso e civilização. Vejam que ideia genial: nós não
ligamos a TV, e, se a ligarmos, não sintonizamos mais a Rede Globo; dessa
forma, o coronavírus deixará de existir. Não é o máximo?
Acredito que nas
rudimentares cabecinhas dos bolsonaristas muito melhor seria se as TV’s abertas
do Brasil nada informassem de utilidade pública e exibissem tão somente
porcarias como o Programa Silvio Santos,
que vende carnês e tele-senas, ou o falatório caça-níquel de Malafaias e
Valdemiros da vida em telearrecadações, ops, telepregações.
VI
Para o senhor Jair o Bolsonaro,
na luta contra a pandemia do coranavírus, a desinformação, as fake news e o incentivo para que os seus
seguidores façam o mesmo é o melhor remédio. “Todos nós iremos morrer um dia”,
ele declarou, dando uma demonstração de que não estar realmente preocupado com
o bem-estar das pessoas coisíssima nenhuma, mas sim com os seus dividendos
eleitorais. Ele chegou até a divulgar um vídeo em que um sujeito filmou um
Ceasa de Minas Gerais vazio como prova de que o isolamento social já estava
provocando desabastecimento. Era tudo mentira, como revelou a para ele e seus
cupinchas maldita, atrevida, insubordinada e golpista Rede Globo.
O presidente Jair Bolsonaro
exorta seus apoiadores a atacar verbalmente repórteres. O ministro da Saúde
classificou os meios de comunicação de “sórdidos” e depois pediu desculpas. Por
outro lado, Instagram, Twitter e Facebook trataram de apagar postagens do presidente por considerá-las
impróprias.
Na manhã da quinta-feira,
uma professora, coitada, logo uma professora, talvez a profissão mais
desacreditada, desvalorizada e desprestigiada num país que almeja ser grande e,
paradoxalmente, não valoriza o profissional da área da educação, foi mais uma vez
se juntar à plateia que diariamente se forma na saída do Palácio da Alvorada
para aplaudir e apoiar o presidente – tem gente para tudo neste mundo. A professora,
acompanhada de um casal de filhos, disse que já estivera ali outras vezes nesta
semana; atacou a imprensa que, segundo ela, só sabia prejudicar o senhor Jair
Bolsonaro; sugeriu que ele colocasse os militares nas ruas; disse que queria
trabalhar e não receber os R$ 600,00 do Governo; e pediu encarecidamente ao
presidente que ele resolvesse a situação do Brasil, porque os governadores não
estão fazendo a coisa certa. Tadinha, o coronavírus ainda não a contaminou, mas
o bolsonarovírus sim. Ela falou tanto e esqueceu de também pedir ao presidente
que ele pusesse alguém competente no comando do Ministério da Educação. A bichinha,
rapaz, mesmo sendo ou dizendo ser professora, não sabia ou fez de conta que
não, que um presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Ah, outra
coisa: faltou ela dizer ao senhor Jair Bolsonaro que ele pedisse aos quatro
fariseus que o apoiam – Edir Macedo, Romildo Ribeiro Soares, Valdemiro Santiago
e Silas Malafaia -, que eles finalmente fizessem uma boa ação e voltassem a “curar”
as pessoas, mas, considerando a gravidade da atual situação, desta vez sem cobrar
nem sequer um centavo delas e nem do Governo.
Mas espera aí: senhor Jair
Bolsonaro, tem gente esperta dizendo que a tal mulher, professora e defensora dos
pobres e esfomeados, na realidade, é empresária. É verdade, presidente, que o
senhor repassou o vídeo de uma farsante? Pela boa atuação da moça, sendo ela professora
ou qualquer outra coisa, o senhor bem que poderia indicá-la para participar de
uma das novelas bíblicas da Rede Record.
VII
O coronavírus vai ceifando
vidas aos magotes mundo afora e uma perda ocorrida no último dia 27 de março me
deixou muito triste e sentido. Morreu Daniel Azulay, o criador da Turma do Lambe Lambe que foi uma das
maiores alegrias de minha infância. Adeus, Daniel!
VIII
O Messias já está aí e uma
desavisada amiga minha anda dizendo que Jesus está quase chegando. Tudo bem,
cada povo e cada um tem o Messias que merece.
Ah, eu já ia me esquecendo:
jejue amanhã, viu? Jejue que assim o coronavírus vai embora sem precisar da
ajuda da Rede Globo. E se ainda assim isso não funcionar, aja como homem e não
como moleque, beba água ungida e peça para o presidente dar uma banana para o danado
desse vírus, talkey?! Eu gosto de vocês porque vocês são obedientes e fáceis de adestrar.
O messias indeliquente. Adora ir a padaria, a farmácia ou será puro exibicionismo narcisista?
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