Por Clênio Sierra de Alcântara
there's nothing wrong;
self-suficience, please!
And get work.
And if you complain once more
you'll meet an army of me.
Army of me. Björk/Graham Massey
Especialmente para Elizabete Rodrigues
Eu
não quero caber em caixinha nenhuma. Não duvido que você
que está lendo este texto já tenha se deparado com alguém que quis, por assim
dizer, traçar o seu destino, planejar a sua vida e lhe dizer o que é certo e o
que é errado, o que é bom e o que é ruim, como se você não tivesse um mínimo de
discernimento e não soubesse fazer escolhas para você mesmo.
Observo ao meu redor
como é determinada a insistência de muitos em querer nos enquadrar, nos
enumerar, nos pôr cabresto, nos padronizar, enfim, em nos dominar. E quando nós
não nos deixamos submeter, nos enquadrar e sobretudo nos dominar, o bombardeio
só aumenta, porque não se admite que possamos ter sentimentos, gostos, vontades
e quereres que sejam diferentes dos da maioria. Os dominadores, os que almejam
construir um mundo no qual só existam pessoas com os comportamentos e visões de
existência que eles possuem, costumam agir de modo que os “diferentes”, os “desajustados”,
os “estranhos” e os “anormais” sejam vistos, quando muito, como uma espécie de
seres humanos de segunda categoria. Daí por que maldizem com incansável empenho
os homossexuais, os negros, os seguidores de religiões de matriz africana, os
ateus, e por aí vai, porque enxergam essa gente como a escória da sociedade; e
não admitem de jeito nenhum e nem em hipótese alguma que os indivíduos que
compõem essa escória sejam providos dos conceitos sociais de ética, moral,
respeito e honestidade.
A tática da
desumanidade, o empenho em tentar desumanizar certos grupos de indivíduos da
sociedade foi o que fez com que milhões e milhões de pessoas fossem lançadas nas
fogueiras da Santa Inquisição, nos terríveis navios negreiros e nas câmaras de gás
dos nazistas. Os dominadores lançam mão de quaisquer meios visando à
desumanização, ao escanteamento e mesmo ao extermínio dos “diferentes”, dos “desajustados”,
dos “estranhos” e dos “anormais”.
Eu desisti de procurar
entender por que os indivíduos que se dizem cristãos, em geral se mostram tão
intolerantes e sem compaixão e mantenham tanta disposição para perseguir, fazer
maldade e até matar aqueles que, sob a ótica deles, não seguem os mesmos
princípios que eles. É interessante notar como as pessoas que dizem só querer
pregar e propagar o bem começam a aplicar essa suposta bondade ou aquilo que
elas compreendem como bondade, fraternidade e amor ao próximo, atacando nossa
conduta e querendo cercear a nossa liberdade de existir. Talvez disso resulte o fato de eles preferirem praticar caridade a justiça social. Eles constantemente falam em amor ao próximo e em salvação; mas eles amam - se é que esse tipo de gente consegue realmente amar alguém - ao próximo que lhes convém, que seja e/ou pense como eles; trata-se, portanto, de um amor seletivo; e se se pode escolher a quem amar, também se pode escolher a quem odiar. Tem gente que não suporta de maneira alguma a liberdade alheia. Dessa gente frustrada,
recalcada, traumatizada e reprimida eu só quero distância.
Semanas atrás eu
mantive um longo diálogo com uma pessoa que, como tantas outras, era portadora
de algumas desarrumações existenciais, digamos assim. Infelizmente não são
poucos os indivíduos que não têm força para romper os grilhões e nem para sair
da caixinha em que os colocaram. Sim, admito e acredito que isso não se dá só por
falta de coragem; também o medo entra nessa equação: medo da rejeição; medo de desapontar
alguém; medo de enfrentar a manada; medo de não ser capaz; medo do desamparo; medo do preconceito; e medo de ser livre e não saber como lidar com isso.
Quando havia na minha
cabeça espaço para esse tipo de pensamento e uma certa crença no sobrenatural
e, principalmente, reforço isso, principalmente uma dependência financeira, por
um tempo eu me permiti submeter a certos conceitos e padrões de comportamento,
a certas posturas e modelos de bem viver. Mas bastou eu conseguir um emprego e
ganhar o meu próprio dinheiro e me educar e me instruir para que eu pudesse
começar a pensar o que é a vida, a minha vida, e a querer conduzi-la com as
minhas próprias convicções e determinações, com as minhas próprias regras e
definições. E isso foi a coisa mais grandiosa, satisfatória e libertadora que
me aconteceu até hoje. A partir do momento em que eu comecei a pensar por mim
mesmo, foi que eu me encontrei para valer; foi quando eu passei a me conhecer
verdadeiramente; a me conhecer, a me reconhecer e, sobretudo, a me aceitar como eu sou e a me querer como eu sou; a me querer como eu sou e a sentir o que eu sinto. Desde
esse dia Clênio Sierra de Alcântara não se deixou mais domar nem se submeter e
nem ser dominado. Comigo definitivamente
acabou o to be or not to be, that is the
question. Acabou e ponto. Estou caminhando com os pés bem
firmes no chão. A convicção e a certeza de ser o que eu sou e de pensar o que
eu penso não me enobrecem e nem me depreciam; elas simplesmente me fortalecem e me
revigoram para que eu possa continuar seguindo em frente sem me esconder e sem
baixar a cabeça.
Os ditos cristãos, ou
melhor, muitos dos que se proclamam cristãos, carregam consigo verdades muito
pesadas; muito pesadas, afiadas e contundentes, mortalmente contundentes. Deixemos
que eles conduzam as suas verdades. Eu não quero nenhuma delas. Repito: eu não quero
nenhuma delas. Eu não quero tais verdades. Eu não quero salvação alguma. Eu quero
viver pelo que os meus olhos veem, pelo o que o meu cérebro racionaliza e pelo o que o meu coração
sente.
Eu disse àquela pessoa
que eu resolvi uma série de questões de minha vida – inclusive, a minha
orfandade paterna, a minha identidade sexual e as pendências que eu tinha com a
minha mãe, que insistia em querer estar no controle de todas as instâncias do
meu viver – lá atrás, na casa dos meus vinte anos; e que não há ninguém que
possa me fazer arredar o pé e abrir mão da força vital que me sustenta e de tudo o que me move.
Lendo tudo isto que
está aqui alguém pode pensar que eu sou um poço de segurança, autossuficiência
e valentia. Não é bem assim. Eu não sou imune ao preconceito, à indiferença e
muito menos à maldade alheia. O que acontece é que eu venho há tempos
atravessando uma fase de extrema paz interior; e aposto e tenho absoluta
certeza de que muito dessa paz se deve a isso, a essa compreensão do que eu
sou, do que eu sinto, da educação que eu me dei, do destino que eu quero para
mim e da ideia de liberdade que eu construí. Penso que não pode haver paz
interior e, por conseguinte, uma existência plena, quando, em vez de nossa
vida, queiramos viver conforme a vida dos outros. Não suporto amarras. Eu quero
ser livre até mesmo para, se for o caso, reconsiderar e reescrever o meu
destino, mudar de ideia e escolher outro modo de viver. Penso que, sem que tenhamos
consciência do que é a liberdade, ela não pode existir.
Dito isso, eu afirmo e
reafirmo que perderão o seu tempo todos aqueles que intencionarem me pôr numa
caixinha. Eu não quero caber em caixinha nenhuma; o que eu quero é a liberdade.
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