9 de maio de 2020

Aberrações, escárnios, retrocessos e agressões: notícias de um país marcado pela indigência moral e ética de um presidente incompetente e tirano e de seus comparsas

Por Clênio Sierra de Alcântara


Imagem: Internet
A preservação da memória, Secretária Especial da Cultura, Regina Duarte, que nada diz à senhora, é, para mim, mais do que um dever de ofício e o esteio de minha intelectualidade; é um compromisso social; é uma atitude de cidadania; e um dos alicerces de um processo civilizatório que, em tese, deveria dizer respeito a todos nós. Mas eu não exalto, nobre secretária Regina Duarte, a memória de ditadores, criminosos e torturadores, como faz o seu chefe-supremo, de quem a senhora reza pela mesma cartilha, porque isso vai de encontro justamente ao pacto civilizador. Para que a vida realmente valha a pena, Regina Duarte, é preciso que compactuemos com a liberdade, com a solidariedade e com a empatia; e não com o ódio e não com o desprezo pelo outro e não com a tirania



I

Brasília, domingo, 3 de maio de 2020. Uma grande carreata promovida por uma gente autoritária, hipócrita, estúpida e covarde avança sobre a Esplanada dos Ministérios e logo dá lugar a uma festa sinistra e macabra na qual se evoca e se exalta e se pratica uma série de atentados contra a Constituição, a liberdade de expressão e os fundamentos da democracia.

Era o Dia da Liberdade de Imprensa naquele domingo; e aquela gente autoritária, hipócrita, estúpida e covarde, defensora dos valores da República Antidemocrática Bolsonariana, contando com o apoio do seu histriônico, cruel e “sempre correto” chefe-supremo, o senhor Jair Messias Bolsonaro, fez por valer a designação que a denomina e vociferou no festim diabólico pedindo a intervenção militar, o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional e o fim do isolamento social, a única medida tida como a mais eficiente por especialistas do mundo todo para conter o contágio pelo coronavírus.

O chefe-supremo discursou, com sua costumeira estratégia de pôr as Forças Armadas como apoiadoras de suas mais vis ações e recorrendo a uma retórica de intimidação: “Vocês sabem que o povo está conosco. As Forças Armadas ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade, também estão ao nosso lado e Deus acima de tudo. Vamos tocar o barco. Peço a Deus que não tenhamos problemas nessa semana. Porque chegamos no limite, não tem mais conversa. Tá ok? Daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição. Ela será cumprida a qualquer preço. E ela tem uma dupla mão. Não é de uma mão, de um lado só”, disse o ditadorzinho de meia tigela que, nos bastidores, está dando um quarto ao diabo – no caso, às hienas sempre e sempre famintas que formam o chamado “centrão” – para escapar de um muito provável processo de impeachment que, espera-se, será tirado da gaveta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Será que o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, continua a cantar por aí: “Se gritar pega centrão/não fica um, meu irmão”? Duvideodó. A cantigazinha agora deve ser esta: “O centrão é um bom companheiro/o centrão é um bom companheiro/o centrão é um bom companheiro/ninguém pode negar”.

Possivelmente estimulados por seu grande líder naquele verdadeiro pandemônio, os bolsonaristas – dois dias antes alguns deles agrediram verbalmente profissionais da área da saúde que protestavam pacífica e silenciosamente naquele cenário, a Praça dos Três Poderes, reivindicando melhores condições de trabalho e clamando pela manutenção do isolamento social – completaram o festim agredindo – desta vez também fisicamente – repórteres do jornal O Estado de S. Paulo. Foi a culminância do desrespeito e da prepotência de uma gente que não tolera de forma alguma a ordem democrática e que quer ver o senhor Jair Bolsonaro fazer valer tudo o que lhe der na telha.

II

Causa-me espécie o fato de que, a despeito de emissão de notas nas quais seus comandantes afirmam que “Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os poderes imprescindíveis para a governabilidade do País” (“Forças Armadas estão ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade, diz ministro da Defesa”. In G1: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/04/forcas-armadas-estarao-sempre-ao-lado-da-lei-da-ordem-da-democracia-e-da-liberdade-diz-ministro-da-defesa.ghtml. Publicado em 4 de maio de 2020. Acessado em 4 de maio de 2020), eles, os comandantes não venham a público mostrando a cara para dizer enfaticamente que reprovam e que não são coniventes com as falas do presidente da República Antidemocrática Bolsonariana, que existe em paralelo à República Federativa do Brasil, e que não perde a oportunidade de incluir as Forças Armadas como um dos apoiadores de seus ideais autocráticos.

Seríamos de uma ingenuidade tamanha se acreditássemos que as Forças Armadas estão todas elas em discordância com os propósitos autoritários e ditatoriais do mandatário da nação. Eu aposto, sem titubear, que há pessoas ali que são da opinião de que, por elas, a intervenção militar deveria ter ocorrido desde o primeiro momento em que o senhor Jair Bolsonaro se deu conta de que existem um Congresso Nacional e um Supremo Tribunal Federal que igualmente são partícipes da governabilidade do país.

Em sua coluna publicada ainda no domingo de empurrões e pontapés em repórteres, que se verificou em Brasília, Chico Alves ouviu comentários de alguns generais da reserva sobre a manifestação inconstitucional e antidemocrática ocorrida naquele dia. O general Paulo Chagas declarou que não via possibilidade de decretação de um golpe militar: “O presidente está enganado, está interpretando do jeito que ele quer. As Forças Armadas jamais vão entrar numa aventura. O povo está dividido, o Brasil quer que cada um faça sua parte de forma responsável”. O deputado General Peternelli (PSL – SP) disse ter certeza de que as Forças Armadas não agirão fora da legalidade, porque elas sempre trabalham dentro das normas constitucionais: “Às vezes me ligam perguntando se vai haver um golpe contra o presidente. Nem uma coisa e nem outra”, ele completou. Ainda de acordo com o que foi publicado pelo colunista Chico Alves, os generais disseram que os esforços do Governo Federal deveriam estar direcionados para o combate ao coronavírus e não para os confrontos políticos. Contudo, os generais também criticaram decisões do STF que, segundo eles, estava se intrometendo em áreas que são exclusivas do Executivo (Chico Alves. “Generais dizem que ‘presidente está enganado’ e que FA não apoiariam golpe”. In UOL Notícias: https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2020/05/03/generais-dizem-que-forcas-armadas-nao-entram-em-golpe.htm. Publicado em 3 de maio de 2020. Acessado em 3 de maio de 2020).

III

Na terça-feira veio a público o que se disse ser a íntegra do depoimento que o senhor Sergio Moro prestou à Polícia Federal no sábado passado. Quem leu o que foi divulgado verificou que o ex-juiz federal e ex-ministro manteve as acusações que fizera contra o presidente da República, de que ele queria sim fazer interferência política na PF. Moro declarou que o senhor Jair Bolsonaro mentiu quando afirmou, no pronunciamento ocorrido na sexta-feira 24 de abril, que não recebia informações ou relatórios de inteligência daquela Corporação, porque ele, enquanto ministro da Justiça e da Segurança Pública, repassava ao presidente as ações realizadas pela PF, mas resguardando o sigilo das investigações (Caio Junqueira. “Exclusivo: leia a íntegra do depoimento de Sergio Moro à Polícia Federal”. In CNN Brasil: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/05/05/exclusivo-leia-a-integra-do-depoimento-de-sergio-moro-a-pf. Publicado em 5 de maio de 2020. Acessado em 6 de maio de 2020).

Quem vem acompanhando a crônica política está a par de uma ampla ação do Governo Federal no sentido de travar forças com o STF e com outras instâncias da Justiça. Em seu depoimento Sergio Moro disse de uma reunião gravada que poderia comprovar que o senhor Jair Bolsonaro queria porque queria interferir na PF. Pois bem, o ministro Celso de Mello, do STF, instou o Palácio do Planalto a entregar uma cópia do mencionado vídeo e a Advocacia-geral da União vinha de todos os meios protelando isso, sob a alegação de que na reunião também foram tratados assuntos que dizem respeito à Segurança Nacional, algo que a defesa de Sergio Moro prontamente contestou. E o tal do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril acabou sendo entregue ontem.

Aguardemos os próximos capítulos dessa minissérie planaltina de antemão sabendo – deram um spoiler danado: na reunião, o ministreco da Deseducação, Abraham Weintraub, teria xingado ministros do STF e membros do Congresso Nacional – que ainda vem muita sujeira por aí, porque o ranço e a retórica autoritária do senhor Jair Bolsonaro são muito mais do que isso, são bem mais do que falas e discursos e perpassam ações de bastidores que no decorrer do tempo serão reveladas. Verdade seja dita, esse homem nunca escondeu a porcaria que é; e quem votou nele acreditando que alguém com seu grau de vileza e tirania iria, por assim dizer, “consertar” o Brasil, apostou errado, como o correr dos dias irá demonstrar.

IV

Assim como os resultados dos exames do senhor Jair Bolsonaro para saber se ele testou positivo ou negativo para o coronavírus é coisa que não se vê – até isso o nobilíssimo e impoluto presidente está se recusando a mostrar à sociedade, vide as diligências da Advocacia-geral da União -, a senhora Regina Duarte, Secretária Especial da Cultura, também era dessas que não apareciam para o público. Talvez cansada de ouvir a comoção quase que geral clamando por seu nome – existe um vídeo no qual artistas perguntam insistentemente: cadê Regina? -, ela resolveu dar as caras nesta semana numa reunião em Brasília; mas pelo que dela se viu e ouviu, antes ela não tivesse saído da toca, do buraco, do esconderijo, do guarda-roupa, de debaixo da cama, da jaula, do manicômio, de detrás da moita, da caverna, da hibernação, da catacumba, do sarcófago ou de onde quer que ela estivesse.

Dando a dimensão de sua importância na tal secretaria que, não nos esqueçamos disso, é subordinada ao Ministério do Turismo que, por sua vez, é comandado por Marcelo Álvaro Antônio, um sujeito que é suspeito de comandar um esquema de candidatura de laranjas nas últimas eleições, o Governo reintegrou à Fundação Nacional de Artes (Funarte), na terça-feira – e o exonerou no mesmo dia, o que, talvez, tenha sido só para dar um susto na inoperante sumida e reaparecida Dona Regina -, o maestro Dante Mantovani, que fora exonerado pela primeira vez em março. Tal episódio de reintegração do fulano fez a tadinha da Regina pensar que estava sendo dispensada das hostes da República Antidemocrática Bolsonariana. Infelizmente, ainda não foi desta vez, porque o capítulo final do novelão “Regina, a superinútil Secretária Especial da Cultura Bolsonariana” ainda está sendo escrito.

Como maneira, penso eu, de marcar triunfalmente o seu retorno ao mundo dos vivos, a senhora Regina Duarte resolveu conceder uma entrevista ao telejornal 360º, da CNN Brasil, na tarde da quinta-feira. E o que se viu e ouviu ali foi como que uma tentativa da inapta secretária de conseguir bater o recorde de asneiras e absurdos que o seu chefe-supremo costuma proferir quando fala com jornalistas.

Eu faço um esforço imenso para conseguir separar a pessoa do artista e/ou intelectual de sua obra. E Regina Duarte, como atriz, deu vida a personagens que são mim memoráveis na teledramaturgia nacional. Mas o que eu vi e ouvi na entrevista que ela concedeu aos apresentadores da CNN Brasil foi uma dessas coisas repugnantes, reprováveis e medonhas que às vezes nós testemunhamos e sabemos que nunca mais iremos esquecer.

Assistindo à atuação – será que ela estava ali desempenhando a sua profissão de atriz? – de Regina Duarte na tal entrevista, num primeiro momento, ela me deu a impressão de que estava sob o efeito de alguma droga alucinógena. Depois, eu fui me dando conta, ao longo dos pouco mais de quarenta minutos que durou a sua lamentável participação naquele telejornal, que a senhora Regina Duarte não estava seguindo roteiro ficcional nenhum, e sim, atuando firmemente como uma secretária comprometida com as diretrizes determinadas pelo seu patrão, como uma fiel e legítima agente de um desgoverno do qual ela apreendeu e absorveu aplicadamente a ideologia. E não podemos nos esquecer de que Dona Regina é filha de militar e recebe, desde 1999, uma pensão de quase R$ 7.000,00 (exatos R$ 6.843,34) do seu genitor, Jesus Nunes Duarte, que foi primeiro-tenente do Exército e faleceu em 1981, o que em parte explica o que ela disse e fez durante a entrevista.

Emendando um disparate atrás do outro e se fazendo de surda e de desentendida e ainda por cima dando chiliques – ela chegou a pedir desculpas aos telespectadores pelos “chiliques que eu dei” -, Regina Duarte portou-se – e eu não duvido que foi intencionalmente – como uma perfeita, perfeitíssima versão feminina do senhor Jair Bolsonaro e, por conseguinte, envergonhou uma enorme leva de grandes artistas deste país que, diferentemente dela, não aderiu a este desgoverno cheio até as bordas de uma gente autoritária, hipócrita, estúpida e covarde. Regina minimizou e relativizou os terrores praticados pelos donos do poder durante a Ditadura Militar – chegou mesmo a cantarolar “Pra frente Brasil”, uma parceria de Raul de Souza e Miguel Gustavo, que se tornou a trilha sonora do governo de Emílio Garrastazu Médici, o mais carniceiro de todo o período militar -; Regina falou que os jornalistas que a entrevistavam naquele momento estavam desenterrando mortos, tendo ela talvez esquecido de que, em realidade, são muitos os mortos que estão sendo enterrados, vítimas do coronavírus, e que todos eles merecem ao menos respeito; Regina, que responde por uma Secretaria Especial da Cul-tu-ra desprezou a memória, em geral, e a de nomes que se foram recentemente, em particular, como Aldir Blanc e Flávio Migliaccio; Regina se mostrou despreparada e incompetente para o cargo que ocupa; Regina, enfim, escreveu com letras garrafais negras o seu obituário como artista e certamente deixou muitas pessoas tristes, como eu que, até certo ponto, a venero.

Eu compreendo perfeitamente, Regina Duarte, que uma coisa é defender a coexistência de ideias plurais e por vezes divergentes; e que outra, totalmente diferente, é o apoio, é a conivência de alguém com a prática de crimes e de discursos de preconceito, de ódio, de intolerância e de negação, justamente, da coexistência de pensamentos diversos, algo que vai de encontro ao pacto civilizador. É lamentável dizer isso, eu sinceramente lamento muitíssimo, mas a sua postura, as suas atitudes e as suas declarações durante a entrevista deixaram claramente ver que a senhora é mesmo a coisa monstruosa e infame que as câmeras da CNN Brasil mostraram para todo o país, porque, acredito eu, quem relativiza a dor e o sofrimento alheios é incapaz não somente de se pôr no lugar do outro, como também de se compreender e de se perceber como ser humano.

V

Na manhã da terça-feira, ali na Tribuna do Escracho e do Deboche, o asinino senhor Jair Messias Bolsonaro, que calha também de ser, além de do Brasil, presidente de uma distópica República Antidemocrática Bolsonariana, mais uma vez, de novo e novamente voltou a atacar com ferocidade e desrespeito profissionais da imprensa.

Naquela ocasião, o senhor Jair Bolsonaro apoiou a agressão sofrida pelos profissionais da área da saúde ocorrida, como já foi dito aqui, na sexta-feira da semana passada, na Praça dos Três Poderes, vociferou contra a Folha de S. Paulo exibindo uma matéria do jornal e mandou alguns repórteres ali presentes se calarem.

Nada mais Bolsonaro do que isso, do que essa prepotência, do que esse desrespeito e desprezo pelos profissionais da imprensa que não passam a mão em sua cabeça, que não se deixam intimidar com suas agressões e que continuam a trabalhar empenhados em fazer valer a liberdade de expressão que está escrita na Constituição deste país. Daí por que, depois do “Calem a boca” que o presidente proferiu na terça-feira, tantos profissionais se puseram a dizer que não adiantou, porque eles nãoo vão se calar.

O senhor Jair Bolsonaro - e os seus comparsas: “Milicianos fantasiados de patriotas”, como muito bem os definiu o governador de São Paulo, João Doria – quer fazer e acontecer, cometer barbaridades, dizer o que bem entender, escrotizar geral e esperar que a imprensa séria e não vendida aja como a sua claque abilolada que o aplaude, apoia e idolatra. Não, senhor presidente, uma imprensa como a que Vossa Excelência quer e com a qual deseja conviver só pode existir num universo paralelo ou numa distopia que o senhor criar na sua consciência de débil mental. O senhor quer continuar agredindo jornalistas e intimidar e maldizer e fazer graça e pilhéria sem ser contestado? Então o senhor faça isso junto aos seus comensais, longe, bem longe dos olhos da imprensa. Só não esqueça de que, presidente, os amigos de hoje - e o senhor Sergio Moro está aí como exemplo – podem ser os inimigos de amanhã.

Os “milicianos fantasiados de patriotas” continuam com a corda toda. Não se pode esperar outro comportamento dessas pessoas que são incentivadas pelo chefe-supremo da República Antidemocrática Bolsonariana a fazer o que fazem, porque, visto que ele diariamente demoniza, humilha e achincalha a imprensa e agride verbalmente jornalistas que o interpelam, se veem como que autorizadas a promover ataques como os havidos no domingo passado e os que já ocorreram a repórteres da Rede Globo nas ruas. Mas essa gente autoritária, hipócrita, estúpida e covarde não pode ficar impune. O senhor Jair Bolsonaro e os seus comparsas são tão cretinos e estúpidos que, embora contem com parte de uma imprensa que é vendida e submissa, continuam se comportando como se não existisse outra, que não baixa a cabeça e nem se deixa intimidar; eles não percebem que com sua selvageria e ferocidade nada mais estão fazendo do que dar murro em ponta de faca.

Daqui dessa minha humílima tribuna, eu engrosso o coro dos repórteres, dizendo que também eu não irei me calar. O mal, nenhum mal, seja de esquerda, seja de direita, seja de que lado e direção for, não deve destruir os pilares democráticos de uma nação. Cala a boca já morreu, presidente.

VI

Há quem diga que não existe uma situação tão ruim que não possa ser piorada. E aí estão os dramas sociais provocados e/ou agravados pela pandemia a demonstrar essa assertiva. Eu escrevi noutra ocasião que o coronavírus atinge pessoas de modo indiscriminado; mas está bem visto que são os mais pobres e desvalidos que certamente sofrem as piores consequências desencadeadas tanto pelo contágio da doença em si como pelos efeitos da necessidade do isolamento social estabelecidos pela quarentena.

O número de mortes pelo coronavírus atingiu nesta semana, aqui no Brasil, a casa dos 10.000 óbitos; e o senhor Jair Bolsonaro continua com a sua marcha da insensatez empunhando as bandeiras da insensibilidade, do descaso, da irresponsabilidade e do escárnio. No domingo passado, andando por cidades de Goiás, ele declarou que o isolamento social é que é uma irresponsabilidade. Já ontem, diante da plateia da Tribuna do Escracho e do Deboche, com um sorriso sarcástico, o desnaturado mandatário da nação disse que neste sábado iria mesmo promover um churrasco no Palácio da Alvorada. Hoje, pela manhã, em postagem no Twitter, seu picadeiro de terror e escárnio virtual, ele chamou os jornalistas que acreditaram na realização do churrasco de idiotas; e disse que não haveria evento algum, muito embora o que a imprensa apurou é que o convescote, digamos assim, foi cancelado devido à gritaria que se viu na internet desde o seu primeiro anúncio, na quinta-feira. E, para não deixar o sábado passar em branco, o intrépido presidente deu um passeio de moto aquática no Lago Paranoá, enquanto seus apoiadores apareciam novamente na Esplanada dos Ministérios protestando com a agenda inconstitucional e antidemocrática que se viu no último domingo. Hoje eles fizeram um tiro ao alvo: jogaram bexigas cheias de água em fotos de figuras como João Doria, Joice Hasselmann, Sergio Moro, Wilson Witzel, Rodrigo Maia e Alexandre de Moraes. Essa gente realmente não tem com o que de bom e útil se ocupar.

Num país como o nosso, no qual a corrupção é uma praga, é um crime praticamente institucionalizado, assim como a profunda e também vergonhosa desigualdade social, as ratazanas já puseram suas patinhas imundas de fora e começaram a agir durante a quarentena. Nesse período de tantas perdas de vidas humanas, de colapso de atendimento nos hospitais e de tanta incerteza, delinquentes estão aproveitando as declarações de estado de emergência para fraudar compras de equipamentos e insumos hospitalares, como demonstram as investigações em curso no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. Isso, sem falar das inúmeras apreensões que foram feitas até agora, em vários estados, de toneladas de álcool em gel adulterados e de milhares de litros de suposto álcool 70%.

Será, minha gente, que para tudo isso não existe um remédio? Bom, pelo menos para o coronavírus o fariseu Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus que, assim como os outros danados da Universal do Reino de Deus e da Renascer em Cristo continua realizando cultos mesmo em tempos de pandemia, porque a arrecadação do dízimo não pode parar, anunciou, primeiro, numa pregação em sua unidade do bairro do Brás, em São Paulo, dias atrás, que a covid-19, por ele denominada de “Exu Corona”, é pura fake news: “Isso é coisa do maligno: simular que alguém morra para aterrorizar as pessoas [ referência a uma notícia falsa de que caixões vazios estavam sendo enterrados no Ceará] [...] Quem cura é Deus não a ciência”, disse o abençoado; depois – é só ver um vídeo que está no canal dele no YouTube -, o charlatão e fariseu Valdemiro, de posse de uma Bíblia, encontrou um versículo que, segundo ele, diz de uma semente curadora. Pronto, ele, que não é bobo nem nada e que sabe se aproveitar dos seus seguidores, começou a fazer o anúncio de uma semente que cura os infectados pelo coronavírus; e, para obtê-la basta que o fiel oferte – adoro esse eufemismo para denominar esse tipo de golpe – a quantia de R$ 1.000,00 ou de R$ 500,00, e envie o comprovante do depósito e/ou transferência para receber a tal semente: “É a semente ‘sê tu a bênção’. Você vai semear essa semente e na planta que nascer vai estar escrito ‘Sê tu a bênção’”, afirmou o fariseu em um tom que mistura didatismo com pilantragem (“Pastor Valdemiro Santiago promete cura da Covid-19 com ‘semente’ de R$ 1 mil”. In O Tempo https://www.otempo.com.br/brasil/pastor-valdemiro-santiago-promete-cura-da-covid-19-com-semente-de-r-1-mil-1.2334500. Publicado em 7 de maio de 2020. Acessado em 7 de maio de 2020).

VII

Num momento em que o Brasil assiste a uma escalada muito rápida do número de mortos pelo coronavírus. Num momento em que várias cidades do país, como São Luís e Fortaleza, decretaram o chamado lockdown como medida de tentar forçar as pessoas a aderirem ao isolamento social e, assim, diminuir o contágio. Num momento em que o ministro da Saúde, Nelson Teich, vem a público dizer que o Governo Federal não está conseguindo comprar respiradores. Num momento, enfim, que esse mesmo Governo mantém ociosos mais de oitocentos leitos nas unidades hospitalares federais do Rio de Janeiro, demonstrando que, a essa altura do campeonato, ainda não conseguiu ser eficiente o bastante para enfrentar a pandemia, o senhor Jair Bolsonaro, nesta semana, considerou de ir ao STF acompanhado de vários representantes da indústria nacional para certamente constranger, pressionar e ao mesmo tempo intimidar os ministros daquela casa diante da continuidade do isolamento social. O episódio infeliz ocorreu anteontem.

A ida do chefe-supremo da República Antidemocrática Bolsonariana de surpresa ao STF – e ele ainda teve o desplante de transmitir ao vivo o encontro que teve com o ministro Dias Toffoli – foi mais uma de suas tentativas de fazer valer a sua visão canhestra dos acontecimentos desde o início da pandemia, pregando o fim do isolamento social e saindo por aí como um menininhozinho desobediente, contrariando o que o próprio Ministério da Saúde estabelece. Contudo, a sua Caminhada da Salvação da Economia, digamos assim, deu em nada, porque, muito conscientemente o ministro Dias Toffoli, apesar de ter dito que o Brasil conseguiu conduzir “muito bem essa situação” do enfrentamento do coronavírus, o que não é verdade, porque muitos municípios decretaram calamidade pública e vários estão prestes a entrar em colapso no atendimento hospitalar, disse também que é preciso um “planejamento organizado na retomada da volta da economia e do crescimento”. E ponto. E tudo ficou como estava. E o chefe-supremo da República Antidemocrática Bolsonariana deixou as dependências do STF com cara de tacho e certamente soltando fumaça pelas fuças.

As pessoas estão sendo contaminadas e morrendo aos milhares em decorrência do coronaírus e, em vez de agir com decência, comprometimento e zelo pela preservação da vida, o senhor Jair Bolsonaro dá de ombros a essa situação e se empenha diuturnamente para manter ao lado da grave crise de saúde que nos assola, também uma séria crise política.

VIII

A preservação da memória, Secretária Especial da Cultura, Regina Duarte, que nada diz à senhora, é, para mim, mais do que um dever de ofício e o esteio de minha intelectualidade; é um compromisso social; é uma atitude de cidadania; e um dos alicerces de um processo civilizatório que, em tese, deveria dizer respeito a todos nós.

Mas eu não exalto, nobre secretária Regina Duarte, a memória de ditadores, criminosos e torturadores, como faz o seu chefe-supremo, de quem a senhora reza ela mesma cartilha. Assim sendo, eu exalto, eu louvo aqui a memória de Daniel Azulay, de Moraes Moreira, de Rubem Fonseca, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, de Ricardo Brennand, de Flávio Migliaccio,  de Ciro Pessoa, de Daisy Lúcidi, de Abraham Palatnik e de Aldir Blanc que, em parceria com João Bosco, nos legou algumas das canções mais emblemáticas do cancioneiro nacional, como “O bêbado e a equilibrista” que é repleta de referências que provavelmente a senhora desconhece, e que traz uns versos muitíssimos adequados para estes dias tão tenebrosamente autoritários e doentes que estamos vivenciando. Porque “uma dor assim pungente” com certeza “não há de ser inutilmente”. Sim, a nossa esperança equilibrista tem andado “na corda bamba de sombrinha”, porém ela sabe que, do mesmo modo “que o show de todo artista”, a vida “tem que continuar”.

Para que a vida realmente valha a pena, Regina Duarte, é preciso que compactuemos com a liberdade, com a solidariedade e com a empatia; e não com o ódio e não com o  desprezo pelo outro e não com a tirania.

Um comentário:

  1. É impressionante que a teoria nazista e argumentos repetidas diversas na fala dos bolsonorista "
    queremos "liberdade" está tão vivas neste meio hostil e de cinismo que é o atual governo. Enquanto o mundo inteiro, aplaude aos profissionais de saúde, aqui no Brasil é atacado, espancado,intimidados por uma caravana do ódio. O Standard de campanha, o senhor ministro Sérgio Moro, de repente de herói se torna vilão, ao se negar em um esquema de blindagem jamais visto, com o objetivo de interferir na PF, para obviamente a uma futura blindagem aos números quatros " os 4 patetas, mimados dos filhos do presidente. A falta de publicizacao da suposta contaminação do presidente, que a todo momento arrasta idólatras e a complementa com bjs, e abraços. Os constantes deboches acometida a imprensa feita pelo bozo, fere e abre ainda mais a cova com caixão e tudo, quando bate de frente pela então mais importante rede de TV - globo que a todo momento mostra a real face do escárnio governo. A cada dia, o deboche e a falta de respeito a quem perdeu vários entes queridos continuam sendo cospida pelo escárnio do bozo, que ao ser indagado, sobre A quantidade de pessoas mortas pela pandemia o senhor presidente responde; " e daí, meu nome é messias, mas não faço milagres". Os ataques acometidos nas redes sociais pelos bolsominions para quem quis dizer sim a vida é não a morte são desmedidos como ataques frequentes ao governador do meu estado do Maranhão, o Sr.flavio Dino , preocupado com o índice de mortalidade no estado, resolve tomar medidas mais rigorosas através lockdown, e cinicamente chamado e chingado pelo movimento do ódio. Mas tenho dito, essa culpa eu não levo.

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