Abaixo
os poemas patrióticos que não
reconheçam
os defeitos da pátria!
Mario
de Andrade, 24 de maio de 1925
Dicionariamente mascarado
significa que está com máscara; disfarçado; e, também, fingido, dissimulado. Já
desmascarar tem como significados descobrir, tirando a máscara; desmoralizar,
revelando os desígnios ocultos de; dar a conhecer (o que se ocultava); e dar-se
a conhecer tal qual é. Dito isso, o leitor inteligente notará que os usos que
se farão doravante dos vocábulos mascarados e desmascarados serpentearão aqui e
ali por entre os fraseados ora com um, ora com outro significado. Portanto,
fique atento.
Desde muito menino eu
aprendi que não se deve esperar nada de bom de quem tem por hábito a prática de
atos de irresponsabilidade. Quem é irresponsável costuma agir de maneira
inconsequente, prejudicando e fazendo o mal não só a si mesmo, mas, geralmente,
também a outrem.
A semana começou com uma
demonstração de suprema soberba que é tão Brasil brasileiro quanto a
jabuticaba. No domingo, à noite, o programa Fantástico,
da Rede Globo, exibiu uma reportagem na qual se viram fiscais atuando em bares
que estavam desrespeitando as normas sanitárias destinadas ao controle da
pandemia, no Rio de Janeiro. Numa das abordagens, um fiscal foi afrontado por
uma desmascarada que, além de estar cumprindo as determinações, considerou que,
neste caso, para não ficar por baixo, o que tinha de fazer era tentar
desqualificar e humilhar o agente público. A fala da agora ex-funcionária da
distribuidora de energia Taesa – ela foi demitida em razão de, segundo o
noticiário, ter desrespeitado as regras de prevenção à covid-19 e as normas de
segurança da companhia -, já entrou no rol em que se encontram coisas como “você
sabe com quem está falando?” e “eu sou filho de fulano de tal”; e é exemplar
daquilo que a arrogância e a estupidez podem cometer. Disse ela “em defesa” do
igualmente desmascarado marido que a acompanhava e que, até onde eu sei,
aumentou também o enormemente grande contingente de desempregados deste país: “Cidadão,
não, engenheiro civil, formado, melhor do que você”. Ouvi isso e cá com os meus
desalinhados botões me perguntei: “Será que é formação do tipo Decotelli?”. Deixa
para lá. Não importa. O castigo já veio em razão ou não do implacável Tribunal
da Internet. Para que um Ministério da Educação, me digam, se nós somos uns
empedernidos selvagens, uns indomesticáveis boçais?
Numa semana em que eu vi o
Padre Edson Adélio Tagliaferro, da Igreja de Nossa Senhora das Dores, da cidade
de Arthur Nogueira, no interior de São Paulo, dizer numa missa transmitida pela
internet, que “Bolsonaro não presta”, que “Bolsonaro não vale nada”, “E quem
votou nele devia se confessar, pedir perdão a Deus pelo pecado que cometeu,
porque elegeu um bandido para presidente” – é isso mesmo, Padre Edson, talha
com ferro neles -, e em que eu fiquei sabendo que Maria Aparecida, a avó
materna da primeira-dama Michelle Bolsonaro que mora na favela Sol Nascente,
nos arredores de Brasília, contraiu covid-19 e foi internada em estado grave,
eis que todos nós tomamos também conhecimento de que, até que enfim, o chefe-supremo
da Repúbica Antidemocrática Bolsonariana foi contaminado pelo coronavírus. E daí?
Bem, vamos pensar um pouco,
porque pensar pode até provocar dor na cabeça de algumas pessoas, mas não
incapacita ninguém.
Quando, em princípios de
fevereiro, o coronavírus começou a se alastrar pela Europa e, no mês seguinte,
fez a primeira vítima fatal em São Paulo, o asinino presidente da República
Jair Bolsonaro fez pouco caso da pandemia e disse que era só uma gripezinha. Enquanto
autoridades médicas do mundo inteiro pregavam o isolamento social como medida
mais eficaz para tentar frear a contaminação por uma doença até então pouco
conhecida, o senhor Jair Bolsonaro dizia justamente o contrário, aconselhava e
estimulava as pessoas a saírem às ruas porque morrer um dia todo mundo vai. Enquanto
o próprio Ministério da Saúde do seu desgoverno recomendava o uso de máscara em
espaços públicos, o magnânimo senhor Jair Bolsonaro que, a essa altura, já
tinha feito de um grave problema de saúde pública de alcance mundial uma crise
política, comportava-se brava e corajosamente, como muitos dos seus comparsas e
apoiadores, igualmente desmascarados, não somente batendo perna por aí, como
tomando parte em protestos inconstitucionais e antidemocráticos, pilotando moto
aquática, montando em cavalos, voando em helicóptero e indo para a galera com
seus sorrisos sardônicos e com esfuziantes abraços e apertos de mão. Enquanto a
Organização Mundial da Saúde dizia com todas as letras que o uso da cloroquina
para o tratamento da covid-19 não deveria entrar no receituário dos pacientes,
porque poderia desencadear uma série de complicações, como arritmia cardíaca, o
infame senhor Jair Bolsonaro, que não conseguia de maneira alguma demonstrar um
mínimo que fosse de solidariedade para com os milhares de famílias que perderam
seus entes queridos e até debochava da situação terrível que atingia tantas
pessoas, não só defendia o uso do medicamento – e continua defendendo e até
fazendo uso da tal substância, posando como um garoto propaganda inconsequente
-, como incitava os seus apoiadores a invadirem clínicas e hospitais para que
eles verificassem se havia mesmo gente internada neles.
E foi nesse cenário de
terror, num país continental e de desigualdade social gigantesca, que ficamos
sabendo que o seu inepto, autoritário, hipócrita, estúpido e covarde mandatário
desta nação foi contaminado pelo coronavírus. Quem se importa com isso? Eu?
Você que me lê agora? De minha parte eu não me importo de maneira alguma com
tudo de ruim que essa criatura e os seus cupinchas fazem para si mesmos. Eu me
importo, sim, é com o estrago que os desmandos e os atos animalescos que eles
protagonizam e que afetam malignamente todos aqueles que não compartilham de
seus ideais de sociedade perfeita e de Brasil grande.
É tão elevado o grau de
miserabilidade moral e tão enormes a estupidez e a sabujice dos comparsas e
apoiadores desse pestilento senhor Jair Bolsonaro, que essas pessoas continuam
compactuando com tudo de ruim que ele vem fazendo. Ele veta o uso de máscaras,
elas aplaudem. Ele mantém o país sem um projeto educacional, elas aceitam. Ele defende
o fim do isolamento social, elas apoiam. Ele recomenda o uso da cloroquina,
elas concordam... Enfim, a situação é gravíssima – hoje, dia 11 de julho de
2020, o Brasil totalizou 70.623 vítimas fatais de covid-19 - e esses
desmascarados que idolatram e que louvam um político, um mau, um péssimo
político que, em verdade, nunca usou máscara e sempre deixou evidente e claro
que não prestava e que era e é um incapaz, um burrão de marca maior, parece que
tomaram parte naquela brincadeira infantil “Seu rei mandou dizer”, e seguem
irrefletida e irresponsavelmente o que ele prega. Daqui do meu cantinho, em
Pernambuco, eu ouvi um animado e serelepe Thiago Maggioni, vereador de Jataí,
Goiás, gritando “Viva o coronavírus” em meio a um grupo de desmascarados que
alegremente dançavam uma quadrilha.
Após o anúncio de que o
senhor presidente Jair Bolsonaro foi contaminado pelo coronavírus, mascarados
de vários matizes e partidos – até umas figurinhas que Vossa Excelência tem
como inimigos mortais, imaginem – divulgaram mensagens de pesar e de lamento
pelo ocorrido. Como assim? Ah, meus sais, por favor. Eu tenho só 46 anos de
idade e quero me arvorar de conhecer profundamente a natureza humana. Como eu
sou tolo. Tolo e pretensioso. Será que essa gente esqueceu que esse coitadinho
já pediu o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e que ele
desejou que a também ex-presidente Dilma Rousseff morresse atacada por um
câncer ou um infarto?
A destoar da cantilena para
mim nada convincente de pesares e lamentos que um contaminado Jair Bolsonaro
suscitou, Hélio Schwartsman, da Folha de
S. Paulo, publicou um artigo na última terça-feira intitulado “Por que
torço para que Bolsonaro morra”, no qual o colunista, entre outras
argumentações, disse que “Numa chave um pouco mais especulativa, dá para
argumentar que a morte, por covid-19, do mais destacado líder mundial a negar a
gravidade da pandemia serviria como um ‘cautionary
tale’ [conto preventivo, fábula exemplar] de alcance global”, no que foi a
avaliação mais consistente e sincera sobre a condição atual do senhor Jair
Bolsonaro que eu vi por aí nesse mundão da internet.
Incomodado com essa,
digamos, sinceridade e, vá lá, falta de solidariedade de Hélio Schwartsman para
com o ultramegasuperinsensível presidente da República, aquele que nega a
pandemia, aquele que proíbe o uso de máscaras, aquele que participa de
protestos inconstitucionais e antidemocráticos, aquele que compartilha fake news sobre a doença, aquele que
recomenda o uso da cloroquina e aquele que diz que não está nem aí para os
milhares de cidadãos dos quais o coronavírus tirou a vida, o senhor ministro da
Justiça e da Segurança Pública, André Mendonça, anunciou que mandará a Polícia
Federal investigar o colunista da Folha
de S. Paulo com base na Lei de Segurança Nacional, como anunciara, semanas
atrás, que faria com Ricardo Noblat, que republicou uma charge de Aroeira que
fazia uma relação do presidente com o nazismo exterminador de gente. Não é de
lascar? Até aonde vão a infâmia e o autoritarismo desses mascarados e
desmascarados não se sabe.
E qual foi o suposto crime
que Hélio Schwartsman cometeu? Nenhum. O colunista do jornal que o senhor
presidente da República elegeu como um dos seus algozes não cometeu crime
algum, porque não caluniou e não difamou o dito-cujo. Por acaso desejar que o
mal aconteça a alguém é crime? Não, não é. E os cristãos e os religiosos que
logo condenaram Schwartsman deveriam era largar mão de sua hipocrisia e lavar a
língua com álcool em gel por serem tão fingidos. A moralidade e a piedade
cristãs não resistem ao escrutínio da História. A cristandade de toda essa
gente é muito perversa, perversa e diabólica.
Ouço uma voz bastante
familiar. É a minha consciência falando: “Ei, Clênio Sierra de Alcântara, quem
você pensa que é para censurar os censores? Assim como eles, a sua empatia, a
sua solidariedade e o seu senso de fraternidade também não são seletivos? E não
é justamente em razão disso que nessa mixórdia pandêmica a sua solidariedade
foi toda ela, nesse momento, canalizada para o senhor Hélio Schwartsman e, por
isso, você não está nem aí para o estado de saúde do presidente da República e
não nega que, no fundo, deseja que o quadro dele se agrave de tal maneira para
que ele seja intubado e sofra como sofreram milhares de indivíduos para ele ver
o que é bom para tosse e que com doença não se brinca, se trata?”. É verdade,
consciência, você está certa; eu uso máscara para tentar evitar ser contaminado
pelo coronavírus, mas eu não sou um mascarado. Nem cristão eu sou. Ainda bem.
Sejamos honestos pelo menos
com nós mesmos. O senhor Jair Bolsonaro não presta, como bem disse o Padre
Edson Adélio Tagliaferro. Ele é uma pessoa ruim e nefasta que ainda tem o
descaramento de fazer uso da Bíblia como
escudo de suas maldades. Esse mau elemento penou com uma facada que levou e
saiu da convalescença com a mesmíssima personalidade maligna de antes. Por que
será que alguém que, lá atrás, se recusou terminantemente a mostrar os
resultados de seus exames de detecção do coronavírus vem agora espontaneamente
dizer que foi, sim, contaminado? Mais um questionamento para vocês cristãos
piedosos, fraternos e defensores da vida: qual é mesmo o lema que vossas
senhorias, que defendem o porte de arma para todo e qualquer cidadão,
professarm? Esqueceram, foi? Pois eu vou lembrar-lhes: “bandido bom é bandido morto”.
Agora me digam: só é bandido quem está traficando nas favelas ou encarcerado
nas Papudas e Bangus da vida? E os engravatados que sonegam impostos, que
instituem esquemas de rachadinhas, que desviam dinheiro da merenda escolar e de
hospitais e de obras públicas são o quê? O Estado vai financiar a matança de
toda essa gente? Amém, senhores e senhoras, amém.
Não sei, talvez, eu tenha
sido contaminado pelo coronavírus dentro dos inúmeros ônibus que precisei e
preciso pegar para ir e voltar do trabalho. Do que eu tenho absolutíssima
certeza é de que, assim como outros milhões de brasileiros que sobrevivem e
resistem num país onde grassam, a olhos vistos, a maldade latrocida, a indiferença
institucional e o banditismo que é imune às leis e que se espalha por quase
todas as instâncias da vida pública, é de que eu pertenço à raça da pedra dura.
Irresponsabilidades, defesa
do fim do isolamento social, participação em protestos inconstitucionais e antidemocráticos
na Praça dos Três Poderes, Ministério da Saúde sem um titular enquanto se
desenrola uma epidemia letal, inobservância quanto à recomendação do uso de
máscaras, incentivo para que hospitais sejam invadidos e repórteres
agredidos... Com toda a sinceridade do mundo, não fui eu, foi o inepto
presidente da República Antidemocrática Bolsonariana que pôs este malfadado
país operando no modo fodam-se. Então é isso, fodam-se.
Eu, que sou tão pudico com
essas coisas devido à educação repressiva que tive, ainda assim, não vejo a
hora dessa canalhada, dessa patriotada, dessa gente infame, autoritária, hipócrita, estúpida e
covarde desaparecer do Palácio do Planalto para que eu também possa soltar um
sonoro e ensurdecedor “acabou, porra!”.
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