25 de julho de 2020

Estou de luto, mas eu luto

Por Clênio Sierra de Alcântara

Faz escuro, mas eu canto.
Porque amanhã vai chegar.
Vem ver comigo companheiro,
vai ser lindo, a cor do mundo mudar.

                                          Faz escuro, mas eu canto. Thiago de Mello


Imagem: Internet
Milhares de mortos vitimados pelo coronavírus e o que vemos é uma sociedade doente; e que, a exemplo do presidente da República, faz pouco caso da desgraça alheia. É claro que não estamos na merda só por causa do senhor Jair Bolsonaro, afinal, o negacionismo e a irresponsabilidade não são privilégios unicamente de Vossa Excelência


Dizem muitos especialistas que há uma tendência dentro de cada um de nós a olhar para o nosso passado e, de alguma forma, sentir saudade dele, sobretudo, se estivermos num presente que nos sufoca, nos aflige e nos inquieta. Estive pensando nessa questão nestes dias tão tenebrosos para a humanidade, que anda travando batalha contra um vírus mortal e me perguntei: “Do que será que eu sentirei saudade destes meus dias de agora?”. E não me dei uma resposta conclusiva; talvez, porque seja inútil estabelecê-la neste momento, uma vez que eu não tenho como saber quais serão as ideias e as idiossincrasias que estarão me guiando daqui a alguns anos.

A contabilidade é assustadora, triste, muito triste, e preocupante: hoje, dia 25 de julho, o Brasil atingiu a marca de 85.562 mortos vitimados pelo coronavírus. É muita gente. É muito luto no seio de tantas famílias. E pensar que, em meio a esse cenário de morte e de terror, quando se sabe que nem uma vacina ainda existe disponível para a população, porque os estudos e os testes estão em andamento, tantas pessoas fazem troça dessa realidade, desrespeitam as normas que visam barrar o contágio, são indiferentes à dor de quem perdeu entes queridos e estejam por aí procurando bares e inferninhos para saciar necessidades que elas julgam ser urgentes, como brindar com um copo de cerveja e comer um espetinho nas esquinas das cidades.

Nesta semana o Tribunal de Contas da União (TCU) fez todos os brasileiros saberem que o Ministério da Saúde da República Antidemocrática Bolsonariana, que segue sendo comandado interinamente por uma penca de militares, gastou até agora menos de um terço dos recursos que deveriam ser utilizados no combate à pandemia. Enquanto isso – e os casos de roubalheira na área da Saúde em vários estados é a outra face cruel do descaso para com a sociedade -, em muitas unidades hospitalares do país, profissionais empenhados no atendimento aos infectados pelo coronavírus vêm denunciando a falta de medicamentos, como sedativos, necessários para que se façam intubamentos, por exemplo. Sem esquecermos do fato, também gravíssimo, de que este desgraçado país mantém, na presidência da República, um sujeito endemoninhado que repetidamente posa de garoto propaganda de um medicamento, a cloroquina, que autoridades médicas do mundo todo não recomendam para o tratamento contra a covid-19. Enquanto faltam medicamentos e insumos em hospitais, este desgoverno irresponsável que está aí comprou milhões e milhões de comprimidos de uma droga que a comunidade científica não aprova.

Para um presidente da República que muito fez para angariar o apoio das Forças Armadas para o seu projeto de desgoverno e que as julga como o suprassumo do que existe de mais eficiente e honesto nesta pátria amada e idolatrada, não deve ter sido nada fácil ter recebido outra informação desabonadora contra os briosos guerreiros que ele diz tanto admirar. Semanas atrás o vigilante TCU fez saber que muitas dezenas de milhares dessa nobre gente receberam o auxílio emergencial de R$ 600,00. Nesta semana, depois de anos de protelações, habeas corpus e toda sorte de chicanas, a Justiça Militar condenou vinte e seis militares acusados de fraudes em licitações do Exército no Amazonas; entre eles, dez são oficiais. Dá para ouvir daqui: “Ou ficar a Pátria livre/Ou morrer pelo Brasil”. Por enquanto a pátria não está livre dos corruptos, sejam eles ardorosos patriotas direitistas, sejam eles empedernidos delinquentes esquerdistas.

Do alto de sua magnífica e enormemente grande insignificância, o senhor Roberto Jefferson, representante do que de mais atrasado, vil, infame e canceroso viceja na política brasileira; um ser que figura entre os mais inescrupulosos que existem e cujas convicções e ideologias por ele defendidas são inteiramente venais; uma criatura que não tem absolutamente nenhuma credibilidade e que é como aquela personagem da música “Folhetim”, vem destilando o seu veneno por aí em apoio ao senhor Jair Bolsonaro, que ele, como verme parasita que é, resolveu por ora apoiar, certamente para auferir alguma vantagem. Nesta semana, o seu alvo principal foram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Rindo o seu riso de hiena debochada e insaciável, o senhor Roberto Jefferson entre outras tantas declarações regadas, imagino, à base de ódio e rancor pela condenação que a Suprema Corte lhe aplicou anos atrás, disse que dois ministros do STF são sodomitas, como se a homossexualidade fosse a pior coisa que existe e o motivo do atraso socioeconômico, ético e moral deste país. A exaltada, indecente, escrachada e, por que não dizer, criminosa homofobia do senhor Roberto Jefferson, que deve se considerar o maior machão da face da Terra, tem muito dessa coisa tão torpe de quem, na falta de argumentos realmente plausíveis, se põe a descer o nível em sua oratória e avança sobre a sexualidade alheia, crente de que, com isso, acabará saindo por cima da carniça. Tudo o que de ruim se disser sobre políticos – e machões – como o senhor Roberto Jefferson será incapaz de integralmente defini-los, porque eles são o chorume do chorume do chorume.

Eu sou muito cético para acreditar que este país tem jeito, dado o histórico de desgraças que os seus governantes lhe impingem. O meu esforço diário é para ver se eu consigo ser uma pessoa melhor, reunindo forças para conseguir superar todos os obstáculos e males que forem surgindo, venham eles de onde vierem. A tristeza por si só não me abate; mesmo quando estou de luto, eu luto; “faz escuro, mas eu canto”; e sigo no meu caminho, ainda que seja na contramão do que a maioria julga ser bom, justo e correto, porque eu aprendi que a maioria é isso, a maioria, mas não é o todo.

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