5 de agosto de 2020

As minhas bodas de estanho

Por Clênio Sierra de Alcântara

Foto: Arquivo do Autor
Flagrante do meu cantinho de trabalho: o compromisso intelectual e a sempre fervilhante vontade de saber me levam diariamente a ler e a escrever. As citações de vários dos artigos inseridos neste blog em trabalhos diversos, atestam, no mínimo, que eu tenho produzido conteúdo que é relevante para certo segmento de leitores. Vida longa e produtiva a mim e a ele



Há exatamente dez anos eu dava início a minha estreia no universo dos blogs, colocando no ar, na rede mundial de computadores, este A Cidade e a História. Ainda em seus primeiros meses de existência eu refleti que não se tratava de uma iniciativa fácil de ser conduzida - considerando que produzir textos e alimentar a plataforma com uma periodicidade que eu depois estabeleci, de postar pelo menos um artigo por semana -, porque isso requereria tempo e uma disponibilidade que eu teria de tentar conciliar com os afazeres do meu trabalho de ganhar pão, como se diz. Mas, apesar de mais de uma vez eu ter pensado em encerrar a empreitada, eu resolvi seguir adiante. E lá se foram dez anos.

Quando eu iniciei a publicação dos meus textos aqui, muito embora eu desejasse, claro, que eles atingissem um bom público, eu tinha e até hoje tenho os pés no chão e a consciência de que era e é muita pretensão querer  disputar a atenção de leitores num país de não leitores com grandes conglomerados de notícias, plataformas e portais noticiosos e com as famigeradas - e para muitos essenciais - redes sociais que, ao longo da última década, só fizeram aumentar o seu número de usuários; sem falar que a cultura youtuber atacou noutra frente arregimentando uma plateia por si mesma muito (pré)disposta a aderir a qualquer novidade interativa que surja no mundo virtual, desde que não se exija dela, plateia, leitura extensa, porque para essa gente, se algo escrito passar de cinco frases  já é textão e deixa de lhe interessar, porque o barato é ouvir áudios, assistir a vídeos e mandar imagens em substituição a palavras.

Dentro dessa cultura que cultua a brevidade textual – vejam quantas linhas essa narrativa já consumiu -, um animal prolixo como eu já nasceu direto na lista de extinção. E, além de prolixo, eu escrevo, em geral, sobre pessoas e/ou coisas que não são o assunto do momento. Ou seja, num mercado, digamos assim, no qual vigora e prolifera uma cultura da brevidade textual que caminha para ser ágrafa, porque sob o império do áudio e do audiovisual, eu lancei um produto fadado ao fracasso. E eu ainda bati pé dizendo a quem quisesse ouvir que eu não iria aderir às chamadas redes sociais – minhas experiências de convívio social no Twitter e no Facebook não duraram um mês; e o Instagram é para mim matéria que também não desperta qualquer interesse.

Não tenho qualquer dúvida de que o que me manteve publicando neste tão pouco visto blog ao longo dos anos foi o meu compromisso intelectual comigo mesmo. O espaço do blog além de ser o meu canal de expressão de livre pensamento, figura como um terreno onde eu posso dar vazão ao que eu venho produzindo e pesquisando durante esse tempo. É a minha janela dentro do imenso, do gigantesco universo virtual. De maneira que, ainda que o blog figure tão somente como uma espécie de poeira cósmica nessa vastidão, ele existe ali e alguém por vezes o encontra e até interage comigo ou com outros leitores que deixaram uma mensagem nele.

Tanto quanto integridade intelectual, eu mantenho firme também um compromisso, com a minha meia dúzia de leitores, de ser honesto com tudo aquilo que eu escrevo e posto. Sendo assim, do mesmo modo que eu faço questão de citar fontes de pesquisa, eu corrijo eventuais erros para que a informação incorreta não adquira status de verdade. O que eu absolutamente não faço são concessões com vistas a ganhar leitores; eu sigo o que eu determinei como o meu objetivo de expressão de pensamento e de entendimento; e só.

Às vezes eu olho para trás e vejo que fui severo e/ou cruel e/ou preconceituoso e/ou primário demais em algum momento em algo que escrevi. Nunca esqueci que certa feita, num texto em que eu descrevia a ação de vendedores ambulantes e de pedintes dentro dos ônibus de transporte público de passageiros da região onde moro, eu registrei que numa dessas viagens uma pedinte estava fedendo bastante. Foi uma descrição infeliz, porque eu não fui além dela; eu não problematizei a situação daquela mulher no sentido de que, se ela estava com o mau odor era, provavelmente, porque a sua condição de vulnerabilidade social era tamanha que nem acesso a condições básicas de higiene pessoal ela tinha. Passou-se um bom tempo da publicação e, certo dia, uma fala irônica de um amigo especificamente sobre a descrição que eu fizera daquela mulher me lançou nesta reflexão que eu escrevi agora. Mas eu não reescrevi aquele trecho do artigo. Deixei-o com o meu comentário ríspido e simplório e rude para atestar que eu nem sempre acertei a mão; e como prova de que eu não tenho vocação para me apresentar como infalível e nem disposição para apagar o meu passado com vistas a escapar da Santa Inquisição da internet. O que eu fiz e faço é enriquecer artigos; é corrigir datas e nomes; é acrescentar fontes, enfim, é fazer com que os textos fiquem mais ricos de informações para quem queira utilizá-los como recursos de pesquisas.

Durante esses dez anos de existência, o blog, em si, nunca me deu qualquer ganho financeiro; mas me deu um ganho de outra ordem, que é o de ser utilizado como fonte de pesquisa, seja com os textos, seja com as imagens nele inseridas. Quando eu encontro alguma publicação na qual o blog foi citado, isso me dá uma satisfação e um prazer que você que me lê agora não faz ideia, porque isso não tem preço; e porque isso, para mim, é um atestado de que eu venho produzindo conteúdo que tem gerado algum interesse e confiabilidade nas pessoas que replicam e/ou reproduzem em seus trabalhos o que eu publico periodicamente. Reconhecimento é tudo.

Vasculhando na rede mundial de computadores, a chamada internet, a repercussão do meu blog, eu já o encontrei citado em coisas diversas como numa dissertação de mestrado – Mariane Ambrósio Costa. Um diálogo imaginário: Richard Morse e Gilberto Freyre em perspectiva comparada. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2013: https://www.ufjf.br/ppghhistoria/files/2013/03/Disserta%c3%a7%a3o Mariane-2.pdf -, num artigo de uma revista eletrônica – Paula Dutra Leão de Menezes, Carla da Silva Santana, Ediomara Lucindo Silva e Maria Lindacy Soares. Qualidade de vida no trabalho no setor de governança dos hotéis de pequeno porte de João Pessoa – PB. Qualitas Revista Eletrônica ISSN 1677 4280. Vol. 19 – Nº 3, set/dez 2018, p. 53-72: https://www.researchgate.net/publication/341436085 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO NO SETOR DE GOVERNANCA DOS HOTEIS DE PEQUENO PORTE DE JOAO PESSOA – PB –, num trabalho de conclusão de curso de graduação – Advaldo Araújo da Silva. Teatro Minerva: dos tempos de glória ao esquecimento (1859-1914). Universidade Estadual da Paraíba, 2014: http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/7915/1/PDF%20 ADVALDO%20Ara% C3%BAjo%20da%20Silva.pdf – e num artigo inserido no site da prestigiada Fundação Joaquim Nabuco – Cláudia Verardi. “Selma do Coco: cantora e compositora, patrimônio da cultura de Pernambuco”: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar../index.php?option=com_content&view=article&id=1150%3Aselma-do-coco-cantora-e-compositora-patrimonio-da-cultura-de-pernambuco&catid=53%3Aletra-s&Itemid=1. Só para ficarmos em alguns exemplos. Mas tem mais: o blog também aparece citado no livro Dez vezes mãe: a vida de Amélia Nery da Fonseca, de João Evangelista de Melo Neto (São José dos Campos: Tachion Editora, 2017, p. 36-37). Vou repetir: reconhecimento é tudo.

Hoje este blog está completando as suas bodas de estanho. Dez anos se passaram e, desculpem o clichê, parece que foi ontem que tudo começou. E, tão satisfatória quanto a vontade de saber e a liberdade de expressão que eu sinto, é a certeza de que, dure mais o tempo que durar, este espaço que “comporta ideias, críticas e visões de mundo” terá alcançado aquilo que, eu acredito, todo intelectual espera que ocorra com a obra que ele produz, que é a sua disseminação e o seu espalhamento. Eu espero que muitos mais anos venham e que não me faltem vontade de saber, liberdade de expressão, senso crítico, clareza de entendimento e, sobretudo, o meu apego aos livros e às pesquisas, algo muito substancial da minha vida.

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