Por Clênio Sierra de Alcântara
Muitíssimo comovido e sentindo um grande pesar, nesta semana eu vi fotografias nas quais eram mostrados animais silvestres mortos, vítimas dos incêndios que há semanas vêm consumindo hectares e mais hectares do Pantanal matogrossense. Animais mortos, animais com queimaduras, paisagens calcinadas... Tudo tão triste.
As queimadas, as grandes, as
imensas, as gigantescas queimadas que, todos os anos, ocorrem nos diversos
biomas brasileiros não são um fenômeno da natureza; elas são malfeitorias
provocadas pelo homem, seja para fazer do terreno que ele queima pasto, seja
para iniciar alguma lavoura, seja simplesmente para queimar, para manter a área
“limpa”. E por que ateiam fogo no terreno? Porque o custo disso para o
fazendeiro criador de gado ou para o produtor agrícola é praticamente zero. E rápido.
Conscientemente esses indivíduos sabem que, embora para eles essa prática
arcaica e primitiva de limpa de terreno não lhe custe quase nem sequer um
centavo, o estrago que eles causam à natureza é incalculável; a cada queimada
que é feita vai-se embora parte da biodiversidade que existia naquela região
que foi incendiada.
Os brasileiros são uns
incorrigíveis piromaníacos. Ateiam fogo em vegetação como quem estivesse a
fazer algo de bom e de proveitoso para o núcleo social onde se vive. A prática de
queimar áreas cobertas por vegetação não é, por assim dizer, um mal só
praticado por agropecuaristas; atear fogo em áreas verdes é quase um esporte
nacional, porque a consciência de preservação ambiental é diuturnamente
ignorada, como se o meio ambiente não
dissesse respeito à nossa existência e como se nós que, ainda que falantes e
racionais, não fôssemos também animais e, como tais, não precisássemos dos
recursos naturais para sobreviver.
Aqui na ilha onde eu moro,
no litoral norte pernambucano, basta chegar o verão para que as queimadas
comecem a arder e consumir o mato. E queimam não para fazer plantação e nem
para criar bicho; queimam por queimar; queimam para não se dar ao trabalho de
capinar o terreno.
Da boca para fora quase todo
mundo diz que respeita e preserva o meio ambiente e que se preocupa com o
futuro do planeta. Mas no dia a dia o que mais se vê por aí são rios e córregos
contaminados e atulhados de detritos e lixo jogado por tudo quanto é canto. Ao mesmo
tempo em que dizem ter consciência ambiental – e aí entra o chamado “consumo
responsável” – essas pessoas assumem o papel de predadoras vorazes que
acreditam que tudo que é natural é infinito e nós não devemos e nem precisamos
nos preocupar com a preservação e com o cuidar do meio ambiente.
Sim, consumir faz parte da
existência; isso é inegável. O problema, o grande, o imenso, o gigantesco
problema reside no fato de que a degradação do meio ambiente é uma realidade
que segue em ritmo acelerado. Como se fosse possível ao mesmo tempo consumir
desenfreadamente e não esgotar os recursos naturais e não poluir e não degradar
os ecossistemas, seguimos numa marcha de consumo irresponsável, porque
continuamos confiantemente crentes de que precisamos sempre e sempre mais do
que realmente precisamos.
Reclamam do racionamento de
água, mas poluem os mananciais e enchem suas piscinas infláveis de não sei
quantos mil litros e, depois de um fim de semana, jogam toda a água fora. Reclamam
do caos no trânsito, mas todos querem um carrão para chamar de seu, de
preferência daqueles muito possantes, que bebem bastante combustível. Reclamam das
dificuldades da vida, da violência, do desemprego e da falta de moradia, mas
não abrem mão de ter dois, três filhos, porque um só não lhes basta. Enfim,
muitas pessoas, talvez a maioria dos habitantes do planeta, querem viver num
mundo perfeito e cor de rosa, mas elas vão dia a dia pintando de preto o
ambiente em que vivem.
Em 1937, no livro Nordeste, o sociólogo Gilberto Freyre
disse nessa que é uma das primeiras – talvez a primeira – obras a tratar do tema
ecologia neste país, que a monocultura da cana de açúcar, que ocupou e até hoje
ocupa vastas áreas nordestinas, provocou a “destruição das matas pelo fogo e
pelo machado”; e que não havia “um rio do Nordeste do canavial que alguma usina
de ricaço não tenha degradado em mictório” (Gilberto Freyre. Nordeste: aspectos da influência da cana
sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. 5ªª ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora; Recife: Fundação do Patrimônio Histórico e
Artístico de Pernambuco, 1985, p. 22 e 35). É de se ver que, transcorridos
praticamente quinhentos anos desde que os primeiros engenhos de cana de açúcar
começaram suas atividades no Brasil, o processo fabril até que se modernizou em
muitos aspectos, mas a queimada dos canaviais até hoje continuam.
Num estudo clássico, o
brasilianista Warren Dean registrou que “Para o homem, a coexistência com a
floresta tropical sempre foi problemática”; e que o “avanço da espécie humana
funda-se na destruição de florestas que ela está mal equipada para habitar”
(Warren Dean. A ferro e fogo: a história
e a devastação da Mata Atlântica. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996, p. 24).
Se o respeito à natureza e
efetivas políticas e práticas de preservação e de convívio em harmonia com ela
não vierem por bem, haverão de vir por mal, quando outras e mais letais
pandemias do que esta que estamos a atravessar e também furacões, terremotos,
tsunamis e secas superseveras e prolongadas chegarem para varrer da face da
Terra boa parte dos seres desumanos que são inteiramente submissos às suas
metas de lucros e às suas irrefreáveis cobiças, que só fazem degradá-la e
destruí-la. Algum dia uma fatura bem pesada há de chegar para todos nós. De algum
modo a natureza há de restituir um mínimo que seja de humanidade aos seres
humanos.
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