10 de outubro de 2020

Sociedades mal-educadas, desinformadas e corrompidas sempre hão de gerar maus políticos

 Por Clênio Sierra de Alcântara


Imagem: Internet
Incapazes de perceber que não constituímos uma sociedade bem educada, honesta e íntegra, continuamos a acreditar que, mesmo assim, bons políticos sairão dela



Começa e termina campanha eleitoral e, no Brasil, a ladainha é repetida à exaustão: “Político nenhum presta. É tudo ladrão”, é o que se ouve nas ruas. Numa completa e total falta de espelho onde possa se enxergar, o eleitor brasileiro aponta o dedo para os políticos como se eles, os políticos, não fossem a imagem e a semelhança do que eles, eleitores, são.

Se eu pegar um chuchu e colocá-lo num liquidificador e acionar o botão para triturá-lo, será que eu terei um suco de morango? Claro que não. É óbvio que não. Os brasileiros, sem distinção de classe social ou nível educacional, somos uns pulhas, uns patifes. Somos uma massa ignara, desonesta e corrupta que quer tirar vantagem em tudo; que sonega impostos; que pega a senha do conhecido que tem TV por assinatura; que põe “macaco” no contador de energia; que se inscreve para receber os Bolsa Família da vida ainda que não precise do auxílio; que é sempre pela lei do menor esforço; que inventa doença para pegar atestado médico e não ir trabalhar; que vende sentenças judiciais; que desvia recursos públicos; que paga propina ao guarda de trânsito; que adultera leite com soda cáustica e outras substâncias; que batiza gasolina com solvente; que pede a fulano, beltrano e sicrano para ser laranja e/ou funcionário-fantasma e/ou entrar no esquema de rachadinhas; e que vende o seu voto.

Pois é esse tipo de gente, essa gentinha, essa gentalha que estupidamente reclama da má qualidade dos políticos que estão nos palácios, nas câmaras, assembleias e no Congresso Nacional, como se eles, os políticos, fossem oriundos de outro lugar, de outro planeta, quem sabe, e não provenientes da mesmíssima e podre e corrupta e analfabeta funcional sociedade da qual eles, eleitores, fazem parte. Ora, como é que nós podemos esperar que os políticos sejam pessoas impolutas e corretas se eles são também elementos integrantes desta porcaria de sociedade que nós constituímos, se eles são matéria do mesmíssimo intestino do qual nós saímos? Não é demasiadamente absurdo cobrar dos outros aquilo que em nossas vivências cotidianas somos incapazes de praticar?

Ao que parece desde sempre vigorou neste país uma falsa ideia de que só e somente só aos políticos e aos governantes, de modo geral, cabe a responsabilidade por uma aparentemente desejada transformação da sociedade e de suas instituições. Por sermos de baixo nível intelectual e/ou educacional, estamos sempre a esperar que outros, supostamente capazes, deem um jeito em tudo que existe de errado por aí. Nós sempre estamos dispostos a responsabilizar alguém por tal ou para tal coisa, porque fundamentalmente não queremos pôr a mão na massa, não queremos ser responsáveis por nada; nós queremos sempre o bônus, como se não existissem ônus.

A lógica existencial que nós, brasileiros, mantemos como seres sociais ficou como que atrelada de modo permanente à casa-grande, esperando as determinações que dela advém. Acontece que os negros eram e/ou estavam escravos não porque eles queriam e/ou desejassem sê-lo. Os negros eram escravizados a ferro e fogo, ao passo que nós somos escravizados pela ignorância e pela estupidez por vontade própria. Não atribuir a si próprio qualquer responsabilidade pelo que acontece no seio da sociedade é, no meu simples entendimento, negar que se faça parte dela e, ao mesmo tempo, atribuir a si uma conduta impecável que, em realidade, pouco ou nada tem de impecável.

As eleições presidenciais de 2018 foram um retrato fidelíssimo da nossa insignificância moral e ética e da nossa estrambótica escala de valores. Era preciso, de todas as formas, impedir que os filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT) voltassem a comandar este país, porque, como vinha há anos mostrando a imprensa, eles e os seus comparsas cometeram muitos crimes. Muito acertado, superjusto e corretíssimo não eleger novamente pessoas que assumem cargos eletivos para promover toda a sorte de roubalheira e/ou malversação dos recursos públicos, algo que, convenhamos, não foi inaugurado pelos petistas, esses supostos inimigos das desigualdades sociais que se deslumbraram com o poder e muito fizeram para encher suas burras.

Mas quem é que foi que a maioria dos eleitores elegeu? O eleito foi um sujeito que foi expulso do Exército por indisciplina; que, como deputado federal, personificou a nulidade em vários mandatos; que trocou de partido como quem troca de roupa; que fez inúmeras declarações homofóbicas e misóginas; e que, quando se empoleirou no Palácio do Planalto, pôs-se a desferir ameaças ao Estado democrático de direito, querendo fazer crer que ele é o próprio Estado e pode mandar e desmandar em tudo. E, como se não bastasse, fez o diabo contra determinações sanitárias visando o combate a uma pandemia que até o dia de hoje ceifou a vida de 150.000 indivíduos neste país; alinhou-se com as células cancerosas do Congresso Nacional, o conhecido Centrão; e, para agradar os corruptos de sempre, que temem as garras da Justiça, disse nesta semana que o país não precisa mais da Operação Lava-jato, porque, segundo ele, a corrupção acabou. Ele só não disse por que Fabrício Queiroz depositou R$ 89.000,00 na conta da primeira dama e que vem amansando porque tem medo que os filhos sejam presos.

Aí eu pergunto: pode ser considerado um bom político quem simplesmente diz que é honesto e que não rouba recursos públicos? E o comportamento público? E os outros valores morais e éticos não importam? Com a palavra os ditos conservadores, militares, policiais e evangélicos, gente do calibre de Edir Macedo, Flordelis, Silas Malafaia e Pastor Everaldo, que majoritariamente votaram nessa coisa que anda e fala e que, por ora, está ocupando o Palácio do Planalto.

Não tem jeito. A sentença é muito, muito simples: uma sociedade mal-educada, podre e corrompida sempre há de gerar maus políticos.

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