Por Clênio Sierra de Alcântara
Diz-se que a morte é o nosso
destino comum, quer sejamos ricos ou pobres, pretos ou brancos, crentes ou
incrédulos, bons ou maus, amados ou desprezados, tolos ou espertos e
inteligentes demais. A morte é a única certeza da vida, dizem também. E ainda
tem um adágio que é de uma crueza tamanha: quem não quer padecer nasce morto.
Este 2020, que hoje termina,
foi o ano em que eu mais ouvi falar em morte em toda a minha vida. A ameaça de
um vírus letal pôs a humanidade – ou grande parte dela – em alerta e em busca
de uma cura para esse mal ao qual foi dado o nome de coronavírus.
Num mundo que sempre foi e
será ocupado e tomado por forças contrárias que se digladiam e se enfrentam o
tempo todo, 2020 foi um ano de combate acirrado principalmente entre a luz da
ciência e o obscurantismo perverso e irresponsável dos negacionistas.
Tem gente que desmata; mas
também tem gente que planta. Tem gente que abandona; mas também tem gente que
abriga. Tem gente que maltrata; mas também tem gente que acaricia. Tem gente
que deixa morrer de fome; mas também tem gente que alimenta. Tem gente que
polui; mas também tem gente que limpa; tem gente que faz maldade; mas também
tem gente que faz o bem. Tem gente que só acumula riqueza; mas também tem gente
que reparte e compartilha. Tem gente que destrói; mas também tem gente que
constrói. Tem gente que mente; mas também tem gente que diz a verdade. Tem gente
que mata; mas também tem gente que salva. Tem gente que infesta; mas também tem
gente que cura. Tem gente que obscurece; mas também tem gente que ilumina. Tem gente
que odeia; mas também tem gente que ama.
Já passei por muitos
períodos ruins em minha existência, sobretudo e principalmente por viver numa
sociedade que efetivamente não evoluiu a contento no trato com as mulheres. Mulher
sem posses e ainda por cima sem muita instrução e geradora de filhos sendo
solteira, minha mãe, eu sei muitíssimo bem disso, sofreu horrores num cenário
de muita perversidade e exclusão social. O nosso nível de evolução enquanto
civilização que manda seres humanos para fora da órbita da Terra e que fabrica
componentes com a mais avançada das mais avançadas tecnologias ainda é, ainda
continua sendo primitiva e covarde no trato e no respeito para com as mulheres.
Em grande medida minha mãe comeu o pão que o diabo amassou para criar os dois
filhos; e eu vi, durante o tempo do meu crescimento e do meu entendimento da
realidade em que estávamos inseridos, o quanto pesavam sobre nós os verbos
resistir e sobreviver.
Tanto quanto de morte neste
ano de 2020 se falou em sobrevivência. Era e foi preciso envidar esforços e
conhecimentos em busca de pelo menos uma vacina que nos protegesse do mal que
se disseminava e que permanece se disseminando em escala planetária, fazendo
com que obrigatória e por vezes compulsoriamente mudássemos temporariamente
hábitos e conduzíssemos as nossas vidas atentos contra a vigência e a
letalidade do vírus. Usar máscaras era e ainda é um exercício de precaução e de
resistência.
Num ano tão perturbador e
desafiador nós vimos também o grau de bestialidade ao qual seres humanos podem
chegar. Na esteira dos que negavam e negam a existência e/ou a gravidade da
doença, como fez e faz o presidente da República deste país, estiveram os que
se recusaram a usar máscara, os que promoveram festas clandestinas, os que
saíram às ruas defendendo torturadores e ditadores, os que surrupiaram recursos
públicos destinados à saúde da população, os que propagaram notícias falsas nas
redes sociais, os que queimaram as florestas e os que assassinaram mulheres aos
magotes, mantendo o feminicídio na ordem do dia.
A ideia de que a virada da
folha do calendário pode nos fazer recomeçar a vida só é menos velha do que a
nossa estupidez, o nosso egoísmo, a nossa prepotência, a nossa ganância, o
nosso apego a futilidades e a nossa desumanidade.
Ano de 2020, covid-19, intolerância, indiferença, covardia, obscurantismo, negricídio e deslealdade, eu tenho um recado para todos vocês: eu sobrevivi, tá? E já estou com o braço à espera da vacina.
Viver é perigoso demais.
E ainda tem muito ignorante por aí quer pisar nos outros , como na história da minha cidade que tinha uma senhora rica, destemida chamada Ana jansen e que pisam nos escravos como tapetes. Esse nem a terra os quer de volta.
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