9 de janeiro de 2021

Os outros, por exemplo

 Por Clênio Sierra de Alcântara

 

Imagem: Agência Reuters
 A invasão do Capitólio marcou o fim do mandato de um aprendiz de político que tinha e tem a arrogância e a estupidez como virtudes



Devido à permanência da pandemia do coronavírus e dos vários estragos por ela provocados – financeiros, econômicos, estruturais, familiares, emocionais, etc. – para mim, de certa forma, é como se ainda estivéssemos no ano passado; é como se 2020 se recusasse a terminar.

Este 2021, que eu permaneço rotulando de o “ano da cura”, foi logo de início marcado pelo acontecimento aterrorizante, execrável e lamentável da invasão do Congresso Nacional dos Estados Unidos por inconformados bárbaros e trogloditas seguidores do mentecapto Donald Trump, que se recusa a aceitar a derrota nas eleições e incitou seus apoiadores a promover a ocupação do Capitólio, em Washington, na tarde da última quarta-feira, ocasião em que Joe Biden foi reconhecido por senadores e deputados como o novo presidente dos Estados Unidos.

As imagens de selvageria com gente escalando paredes e quebrando vidraças marcaram um ponto da História dos Estados Unidos que, durante algumas horas de confronto entre trumpistas ensandecidos e as forças policiais, nunca foram tão Banana Republic como naquele dia. Quarta-feira, durante um acontecimento que resultou em depredação do patrimônio, alguns mortos e vários feridos, a grande nação da América do Norte parecia com uma dessas republiquetas latino-americanas nas quais golpes de Estado são episódios comuns em suas trajetórias. Um assombro.

Nunca compreendi por que a denominada maior democracia do mundo insiste em manter um modelo de votação eleitoral tão arcaico, no qual, além de recorrer a cédulas de papel numa realidade altamente digital, vota-se também pelo correio, a votação segue por dias a fio e não é necessariamente quem recebeu mais votos per capita que se sagra vencedor no pleito, porque, ainda por cima, lá vigora um sistema de delegados eleitorais e alguns estados têm mais peso que outros.

Personagens caricatos, burlescos, estúpidos e inconsequentes como Donald Trump e Jair Bolsnonaro têm grande capacidade de arregimentar gente como eles e fazer estragos, haja vista o que seguimos acompanhando ao longo dos últimos anos tanto lá como aqui. Mas eles não serão capazes de modificar as estruturas e os pilares das instituições democráticas. Eles querem chafurdar, desmoralizar, tripudiar, escarnecer as instituições e desacreditá-las perante a opinião pública, recorrendo a uma retórica que tem muito de intimidação e de ameaça. Porém, nada mais conseguirão além disso. Todas essas ações que eles praticam e/ou estimulam os seus tresloucados apoiadores a executar passarão e elas, as instituições, permanecerão.

Não me alinho com aqueles que pensam que o regime democrático norte-americano foi abalado pelo acontecimento sem precedentes havido na última quarta-feira. Para mim ele não foi sequer arranhado ou chamuscado. Apesar de ser uma nação poderosa econômica e militarmente onde existem bolsões retrógrados e obscurantistas, os Estados Unidos possuem instituições nacionais muito sólidas e hão de continuar, de maneira inabalável, para o bem de uns e para o mal de outros, como o farol da democracia e como os guardiões do mundo.

É provável, bastante provável que nesta Banana Repubic, que é o Brasil, bolsonaristas tenham vibrado muito com o que se viu nos Estados Unidos; e, eu não duvido, eles devem ter, doravante, se sentido ainda mais estimulados a fazer o mesmo por aqui. Não se pode realmente esperar algo de bom desse tipo de gente. O que talvez eles não saibam é que nos Estados Unidos, diferentemente daqui, a Justiça não é cega e nem condescendente com desajustados e criminosos. Lá, diferentemente daqui, onde pessoas planejam assassinatos, esquartejam e ocultam corpos, estupram, roubam os cofres públicos e fazem o diabo e ainda ganham benefícios como redução progressiva de pena, visitas íntimas, saidinhas em datas comemorativas e até o absurdo absurdo de uma chamada prisão domiciliar, a Justiça  é implacável; lá vigora prisão perpétua; lá existe algo chamado pena de morte. Neste exato momento em que eu estou publicando este artigo, as polícias norte-americanas, que já detiveram vários dos delinquentes que agiram na quarta-feira, devem estar à procura de mais alguns dos bárbaros que invadiram o Capitólio.

Donald Trump, besta-fera loira, encarnou como provavelmente nenhum outro presidente norte-americano, o ianquecentrismo, que é aquilo que mais inflama o antiamericanismo em várias partes do mundo. O slogan de sua campanha eleitoral derrotada, “America great again” é a síntese da postura de um político que sem ter experiência política de verdade, jogava para a plateia frases de efeito a fim de cortejar o lado escuro da força.

Tão ou mais nocivos que os ditadores são os governantes tresloucados, bravateiros, arrogantes, obscurantistas e desagregadores, como Donald Trump, que há anos se tornou um pária dentro da porção realmente civilizada do mundo, deformando ideais democráticos e valores universais e agindo sempre ou quase sempre contrário aos princípios humanitários, quer quando, por exemplo, se posicionou contra políticas de preservação do meio ambiente, quer quando instituiu políticas anti-imigração, quer quando fez sucessivos ataques à competência da Organização Mundial da Saúde. Como presidente, ele se comportava como se comandasse um planeta e não um país. Para ele, que tinha e tem a estupidez e a arrogância como virtudes, os outros países eram apenas os outros e só, como se os Estados Unidos fossem autossuficientes em tudo.

Ainda que tenha conseguido em seu governo melhorar os números da economia norte-americana, o senhor Donald Trump figurará na História dos Estados Unidos, sobretudo, como o primeiro presidente a incitar o povo contra os fundamentos da nação mais poderosa que o mundo já conheceu, sendo ela sua própria pátria. Um assombro.

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