Por Clênio Sierra de Alcântara
Imagem: Agência Reuters A invasão do Capitólio marcou o fim do mandato de um aprendiz de político que tinha e tem a arrogância e a estupidez como virtudes |
Devido à permanência da
pandemia do coronavírus e dos vários estragos por ela provocados – financeiros,
econômicos, estruturais, familiares, emocionais, etc. – para mim, de certa
forma, é como se ainda estivéssemos no ano passado; é como se 2020 se recusasse
a terminar.
Este 2021, que eu permaneço
rotulando de o “ano da cura”, foi logo de início marcado pelo acontecimento
aterrorizante, execrável e lamentável da invasão do Congresso Nacional dos
Estados Unidos por inconformados bárbaros e trogloditas seguidores do
mentecapto Donald Trump, que se recusa a aceitar a derrota nas eleições e
incitou seus apoiadores a promover a ocupação do Capitólio, em Washington, na
tarde da última quarta-feira, ocasião em que Joe Biden foi reconhecido por
senadores e deputados como o novo presidente dos Estados Unidos.
As imagens de selvageria com
gente escalando paredes e quebrando vidraças marcaram um ponto da História dos
Estados Unidos que, durante algumas horas de confronto entre trumpistas
ensandecidos e as forças policiais, nunca foram tão Banana Republic como naquele dia. Quarta-feira, durante um
acontecimento que resultou em depredação do patrimônio, alguns mortos e vários
feridos, a grande nação da América do Norte parecia com uma dessas republiquetas
latino-americanas nas quais golpes de Estado são episódios comuns em suas
trajetórias. Um assombro.
Nunca compreendi por que a
denominada maior democracia do mundo insiste em manter um modelo de votação eleitoral
tão arcaico, no qual, além de recorrer a cédulas de papel numa realidade
altamente digital, vota-se também pelo correio, a votação segue por dias a fio
e não é necessariamente quem recebeu mais votos per capita que se sagra vencedor
no pleito, porque, ainda por cima, lá vigora um sistema de delegados eleitorais
e alguns estados têm mais peso que outros.
Personagens caricatos,
burlescos, estúpidos e inconsequentes como Donald Trump e Jair Bolsnonaro têm
grande capacidade de arregimentar gente como eles e fazer estragos, haja vista
o que seguimos acompanhando ao longo dos últimos anos tanto lá como aqui. Mas eles
não serão capazes de modificar as estruturas e os pilares das instituições
democráticas. Eles querem chafurdar, desmoralizar, tripudiar, escarnecer as
instituições e desacreditá-las perante a opinião pública, recorrendo a uma
retórica que tem muito de intimidação e de ameaça. Porém, nada mais conseguirão
além disso. Todas essas ações que eles praticam e/ou estimulam os seus tresloucados
apoiadores a executar passarão e elas, as instituições, permanecerão.
Não me alinho com aqueles
que pensam que o regime democrático norte-americano foi abalado pelo
acontecimento sem precedentes havido na última quarta-feira. Para mim ele não
foi sequer arranhado ou chamuscado. Apesar de ser uma nação poderosa econômica
e militarmente onde existem bolsões retrógrados e obscurantistas, os Estados
Unidos possuem instituições nacionais muito sólidas e hão de continuar, de
maneira inabalável, para o bem de uns e para o mal de outros, como o farol da
democracia e como os guardiões do mundo.
É provável, bastante provável
que nesta Banana Repubic, que é o
Brasil, bolsonaristas tenham vibrado muito com o que se viu nos Estados Unidos;
e, eu não duvido, eles devem ter, doravante, se sentido ainda mais estimulados
a fazer o mesmo por aqui. Não se pode realmente esperar algo de bom desse tipo
de gente. O que talvez eles não saibam é que nos Estados Unidos, diferentemente
daqui, a Justiça não é cega e nem condescendente com desajustados e criminosos.
Lá, diferentemente daqui, onde pessoas planejam assassinatos, esquartejam e
ocultam corpos, estupram, roubam os cofres públicos e fazem o diabo e ainda
ganham benefícios como redução progressiva de pena, visitas íntimas, saidinhas
em datas comemorativas e até o absurdo absurdo de uma chamada prisão
domiciliar, a Justiça é implacável; lá
vigora prisão perpétua; lá existe algo chamado pena de morte. Neste exato
momento em que eu estou publicando este artigo, as polícias norte-americanas,
que já detiveram vários dos delinquentes que agiram na quarta-feira, devem
estar à procura de mais alguns dos bárbaros que invadiram o Capitólio.
Donald Trump, besta-fera
loira, encarnou como provavelmente nenhum outro presidente norte-americano, o
ianquecentrismo, que é aquilo que mais inflama o antiamericanismo em várias
partes do mundo. O slogan de sua campanha eleitoral derrotada, “America great again” é a síntese da
postura de um político que sem ter experiência política de verdade, jogava para
a plateia frases de efeito a fim de cortejar o lado escuro da força.
Tão ou mais nocivos que os
ditadores são os governantes tresloucados, bravateiros, arrogantes,
obscurantistas e desagregadores, como Donald Trump, que há anos se tornou um
pária dentro da porção realmente civilizada do mundo, deformando ideais
democráticos e valores universais e agindo sempre ou quase sempre contrário aos
princípios humanitários, quer quando, por exemplo, se posicionou contra
políticas de preservação do meio ambiente, quer quando instituiu políticas
anti-imigração, quer quando fez sucessivos ataques à competência da Organização
Mundial da Saúde. Como presidente, ele se comportava como se comandasse um
planeta e não um país. Para ele, que tinha e tem a estupidez e a arrogância
como virtudes, os outros países eram apenas os outros e só, como se os Estados
Unidos fossem autossuficientes em tudo.
Ainda que tenha conseguido em seu governo melhorar os números da economia norte-americana, o senhor Donald Trump figurará na História dos Estados Unidos, sobretudo, como o primeiro presidente a incitar o povo contra os fundamentos da nação mais poderosa que o mundo já conheceu, sendo ela sua própria pátria. Um assombro.
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