Por Clênio Sierra de Alcântara
Fotos: Arquivo do Autor Há anos sem solução, o caso envolvendo este prédio localizado no coração do sítio histórico de Igaraçu clama para que a sua dignidade seja restituída |
Quem, nas duas últimas décadas, passou pelo sítio histórico de Igaraçu, certamente notou, estarrecido, que ali, bem próximo à Prefeitura Municipal, na Rua Dantas Barreto, que passa pela Praça da Bandeira, um imóvel está durante todo esse tempo destelhado, abandonado, resistindo impávido, de pé, à indiferença e ao descaso até não se sabe quando.
Muitos anos atrás eu soube pelo professor Jorge Paes Barreto que o caso lamentável do imóvel de nº 66 estava rolando na Justiça; que o seu proprietário fora acionado judicialmente para responder por aquela situação. Eu só não fiquei sabendo por qual motivo se dera o abandono do prédio; eu desconfio que tenha sido porque, no mínimo, o dono pretendia fazer na edificação reformas e/ou alterações que não foram autorizadas pelos heroicos técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em meio a um conjunto arquitetônico aparentemente bem conservado, o imóvel abandonado da Rua Dantas Barreto figura como algo que está fora de contexto, como uma ferida aberta num corpo que, de resto, se encontra íntegro; é como se faltasse um pedaço daquele cenário que os olhos miram querendo vê-lo por inteiro. No abandono, o prédio parece que clama para que as autoridades ponham logo um fim à peleja judiciária para que uma ação restauradora consiga restituir àquela edificação toda a sua dignidade.
Eu bem sei da luta que é
preservar, salvaguardar e proteger a memória, em geral, e o patrimônio
histórico edificado, em particular, num país no qual falta à sociedade
compreender a real dimensão da importância de preservarmos os testemunhos do
nosso passado. Ainda não conseguimos, infelizmente, incutir no grosso da
população o entendimento de que edificações antigas e prédios históricos são
muito, muito mais do que cartões-postais e atrativos para turistas. Falta-nos
ainda a compreensão de que os patrimônios históricos, artísticos e culturais de
uma nação são os elementos basilares da história dela; e que tais patrimônios
possuem um valor inestimável, porque carregam consigo o espírito e os
testemunhos de uma época.
No ano passado, em andanças pela inesquecível Cachoeira, no Recôncavo Baiano, ouvi, na mesa de um restaurante popular, um morador do sítio histórico da cidade contar as inúmeras vezes em que ele desobedeceu às determinações legais estabelecidas pelo Iphan e promoveu alterações na fachada do seu imóvel. Já em Ouro Preto, em Minas Gerais, que é uma das coisas mais encantadoras em termos de núcleos citadinos antigos que eu tive o privilégio de conhecer neste país, eu vi, em 2018, uma obra de reconstrução de uma edificação praticamente da base, algo impressionante. Os dois casos citados dizem muito dos contrastes de conservação propriamente dita e de descaso para com a conservação do patrimônio histórico edificado que encontramos no Brasil.
Vendo o imóvel do sítio histórico de Igaraçu eu pensei em sugerir aos editores do Jornal do Grande Recife, que circula mensalmente na cidade, que eles promovessem uma campanha pelo desfecho da ação na Justiça – será que já chegou ao fim e eu não sei? – e, em seguida, pela restauração do dito edifício.
No artigo “O público e o privado: propriedade e interesse cultural”, que integra a obra coletiva O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania (São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico, 1992, p. 21-24. Citação: p. 21), Cássia Magaldi destacou que nas “cidades brasileiras, ainda com maior força, as ideias de progresso e modernidade têm levado a uma sistemática destruição das marcas do passado”. Confiemos que em Igaraçu o caso da Rua Dantas Barreto seja resolvido e a cidade não seja mutilada. Ainda dá tempo de salvar parte do passado da quase cinco vezes secular Igaraçu.
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