Por Clênio Sierra de Alcântara
Num mundo cada dia mais
abarrotado de gente, o conceito de cidade inteligente – e não apenas
inteligente, mas também verdadeira e amplamente inclusiva – e conectada,
digamos assim, com as demandas da sustentabilidade e do bem viver, deve,
inescapavelmente, conter em seu bojo políticas de desenvolvimento de ideias e
de projetos que favoreçam o que se convencionou chamar de mobilidade urbana.
Numa realidade em que os
deslocamentos que são feitos utilizando apenas a malha rodoviária das cidades,
sem que se recorra e/ou se invista – onde isso é possível, evidentemente – em
ferrovias e no sistema hidroviário, assiste-se diariamente à perda de qualidade
de vida de milhões e milhões de pessoas, principalmente para aquelas que
recorrem ao transporte público de passageiros que é resumido a ônibus.
O advento da pandemia do
coronavírus, em março do ano passado, só veio agravar uma realidade de
transporte público de passageiros que, pelo menos na Região Metropolitana do
Recife, é deficiente, é precária, é cara e é até, eu diria, desumanizante.
Na segunda-feira, 8 de
fevereiro, primeiro dia útil após a entrada em vigor do reajuste das tarifas,
eu acompanhei e de algum modo participei de um protesto que teve início por volta
das 06:00 h da manhã no terminal integrado de Igaraçu. O estopim para a eclosão
da manifestação foi o fato de os coletivos que fazem o percurso de Igaraçu até
o centro do Recife estarem demorando a
deixar o ponto de embarque num horário como aquele – e ainda por cima
numa segunda-feira, quando o número de passageiros é sempre maior do que nos
demais dias da semana, entre outras razões, porque pessoas que passaram o fim
de semana na Ilha de Itamaracá, onde eu moro, costumam sair de lá nesse dia –
no qual, normalmente, é grande, é enorme a quantidade de gente querendo ir para
o seu trabalho, querendo ir para a sua escola, querendo ir, enfim, para o seu
compromisso.
Tendo começado com um enfrentamento de impedir a saída dos ônibus se posicionando na frente deles, não demorou para que os manifestantes fossem bloquear a rodovia que fica ao lado direito do terminal, no sentido do Recife, e pusessem fogo em entulhos como forma de demarcar o cenário da reivindicação. Nesse instante eu fiz um vídeo e o enviei pelo WhatsApp da Rede Globo Nordeste que, eu pude ver depois, foi transmitido no programa Bom Dia Pernambuco.
Como eu disse, o estopim do
protesto foi a demora de saída dos ônibus. Ocorre que existiam e ainda existem
várias insatisfações: o aumento das passagens; a superlotação dos coletivos nos
horários de pico, algo inaceitável em qualquer época e ainda mais no correr de
uma pandemia na qual as próprias autoridades sanitárias e governamentais pregam
e recomendam a todo momento que mantenhamos um distanciamento social seguro
para evitar o contágio pelo coronavírus; diminuição do número de viagens de
algumas linhas, acarretando intervalos de mais de duas horas em certos casos,
como ocorreu, por exemplo, com a viagem da linha Igaraçu/Ilha de Itamaracá via
Forte Orange: quem perder o ônibus das 21:30h terá de esperar até às 23:45 h
para embarcar, algo completamente absurdo; e um terminal com obras de ampliação
abandonadas, pombos aninhados no telhado espalhando fezes e a possibilidade de
disseminação de doenças e um banheiro masculino faltando privada, torneira,
mictório e portas. Ou seja, as insatisfações são muitas e o cenário é
vergonhoso, insalubre e desmoralizador; uma verdadeira afronta ao cidadão não
somente enquanto consumidor de um serviço bem como pessoa mesmo.
O que se viu no dia seguinte ao protesto foi uma tentativa, digamos assim, de darem uma aparência de eficiência e de funcionalidade ao sistema: fiscais do Consórcio Grande Recife, entidade responsável pela gerência do sistema de transporte público de passageiros da Região Metropolitana, apareceram para anotar horários de saída e de chegada dos ônibus. Além disso, a administração do terminal se lembrou de colocar uma torneira na pia do banheiro masculino. E só. Ou seja, nenhuma mudança significativa no sistema como um todo. Sem esquecer que o aumento das tarifas num cenário de alta de desemprego e de carestia de alimentos continuou martelando na cabeça dos insatisfeitos. Resultado: na última segunda-feira, dia 22, novo protesto ocorreu no terminal de Igaraçu, logo cedo, com queima de pneus na área de saída dos ônibus.
Esta e as cinco fotos seguintes são registros feitos no dia 22 |
Infelizmente eu não aprendi e nem quero aprender a dirigir e/ou pilotar quaisquer meios de transporte motorizados, porque considero o tráfego de veículos, o trânsito em si, um território muito selvagem; e não disponho de grana suficiente para constante e frequentemente ficar pagando táxi ou algo que o valha; realidade essa que me leva a fazer deslocamentos em ônibus do sistema de transporte público de passageiros, que não é um mal em si; o que é um mal é a gerência e a operacionalidade do sistema; além do que falta respeito para com o público-fim ao qual ele se destina.
Enquanto dispormos de um
sistema de transporte público de passageiros que, apesar de cobrar uma passagem
cara, não oferece um serviço compatível e/ou condizente com tal valor
tarifário, continuaremos a fazer uso de um meio de condução que permanecerá nos
transportando como se estivesse a conduzir não pessoas, não indivíduos, não
seres humanos, e sim animais, muito embora, tanto quanto nós, os animais também
mereçam ser bem tratados e respeitados.
A precarização do sistema de transporte público de passageiros é apenas um entre vários indicativos de como o Estado permanece incapaz de promover efetivas mudanças e melhorias da qualidade de vida da faixa da população que não dispõe de outro meio de transporte que não sejam ônibus, trens e metrôs para tocar a sua vida.
Clenio, gostei das fotos como formas de prova dos problemas. Sua visão de dentro como usuário é a melhor. Me tire uma dúvida: vc usou o nome (igaraçu e eu sempre escrevi igarassu) como vc é um pesquisar de cidades me tira essa dúvida.
ResponderExcluirOi cara, boa tarde! Que bom que gostou do texto! A grafia adotada comumente é Igarassu, mas eu sempre e sempre, em meus escritos, uso com a etimologia indígena.
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