Por Clênio Sierra de Alcântara
Não muito longe de completar
cinquenta anos de idade eu continuo mantendo firme e inabalável a convicção de
que nem todo macho e nem toda fêmea tem maturidade e condições emocionais e
psicológicas de criar e/ou lidar com um filho ou um enteado.
Viver em sociedade, como
todos nós sabemos, significa obedecer a uma série de leis e determinações
jurídicas e a regras de todo tipo exigidas para o que se convencionou chamar de
bom convívio social.
Ocorre que, além das leis,
das determinações e das regras, existe aquilo que atende pelo nome de
convenções sociais que, infeliz e lamentavelmente, grosso modo, a imensa
maioria das pessoas acredita cegamente que tem de seguir e elas não pudessem
dizer não a tais convenções. Eu sei que existem indivíduos que não têm
liberdade de escolha e nem de negação; e que são forçados a se submeter às convenções
a contragosto; basta que citemos como exemplo, a condição das mulheres que são
obrigadas a usarem burca em alguns países.
Penso que a inteira sujeição
às convenções sociais engendra uma série de perturbações na cabeça das pessoas
que se veem obrigadas a segui-las. Ou seja, assumindo papéis e/ou atitudes nos
quais eles não se encaixam e/ou não se sentem confortáveis, um sem-número de
indivíduos quando não são infelizes pelo resto de suas vidas, cometem ações
extravagantes e mesmo faltas graves e até crimes que, compreendo, é esse o modo
que eles encontram para dizer “eu não aguento mais isso, “eu não gosto disso”, “eu
não sou assim”, etc.
Acredito piamente que
carregamos dentro de nós, às vezes em estado latente, muita crueldade. Eu sei
que posso agir com bastante crueldade, porque eu já agi assim; e isso de alguma
forma me apavora, porque eu desconheço os meus limites. Porque não é só cruel
quem mata alguém por prazer ou que maltrata animais, por exemplo. Age com
crueldade quem tortura psicológica e/ou fisicamente. Age com crueldade quem
difama alguém. Age com crueldade quem dissemina discursos de superioridade
racial e/ou de identidade de gênero. Age com crueldade quem abandona alguém que
lhe cabe cuidar. Age com crueldade quem estupra. Age com crueldade quem engana.
Age com crueldade quem se aproveita da bondade alheia. Age com crueldade quem
desvia o dinheiro da merenda escolar, etc. A crueldade existe e se manifesta em
múltiplas formas. A crueldade é uma das características dos seres humanos. Nós somos
cruéis por natureza.
Chorei copiosamente enquanto
lia uma reportagem sobre o caso do menino de Campinas, interior de São Paulo,
que foi resgatado por policiais militares de um cárcere privado, onde há dias
fora, segundo o que foi apurado, posto acorrentado dentro de um barril pelo pai
e pela madrasta contando com a cumplicidade de uma filha adulta desta. Uma pessoa
que tem o sangue frio para fazer isso com uma criança que, ainda por cima, é o
seu próprio filho, é capaz de cometer barbaridades inimagináveis contra quem
quer que seja.
Enquanto lia a narrativa e
chorava pensando no sofrimento do garoto, eu refleti acerca da impotência e da
submissão às quais a maioria ou a totalidade de nós pode ficar sujeita num
mundo que é ele mesmo tão hostil. A frequência com que crianças são abusadas
sexualmente e sofrem castigos físicos severos da parte de adultos, talvez só
seja menor do que as maldades que se costumam cometer contra os idosos que já
não têm autonomia para quase nada e vivem à mercê da ruindade daqueles que
deveriam cuidar deles. Maltratamos crianças e idosos com tanta regularidade que
é como se nós fôssemos inteiramente desprovidos de consciência, de escrúpulos e
de humanidade; e como se nós mesmos não tivéssemos sido crianças e não
estivéssemos a caminho da velhice.
Os relatos dos maus-tratos
sofridos pelo garoto de onze anos foi uma das narrativas mais apavorantes,
medonhas, tristes, repugnantes, aterrorizantes e vergonhosas que eu já li em toda
a minha vida. E quando nós pensamos que uma rede de proteção criada pelo Estado
existe para proteger esses pequenos cidadãos – Estatuto da Criança e do Adolescente, Conselho Tutelar e Gerência
de Polícia da Criança e do Adolescente – foi omissa e/ou falha no caso ocorrido
em Campinas, imaginamos quantas outras crianças, quantas outras pessoas,
quantos outros indivíduos das idades as mais variadas podem estar, neste exato
momento em que você se encontra lendo este texto, entregues a torturas, a
humilhações, a privações de suas liberdades e a sofrimentos indescritíveis.
Ninguém, ninguém mesmo está
inteiramente a salvo da brutalidade, da animalidade e da crueldade que em nós
habita; mas as crianças e os idosos são certamente os grupos mais vulneráveis e
indefesos da sociedade, porque eles são incapazes de reagir e lutar contra as
ações de seus algozes.
Agora mesmo, que estão vindo
à minha lembrança as imagens do menino acorrentado dentro daquele barril, eu
estou novamente me desmanchando em lágrimas.
Subjacente a todos os
disfarces e a todas as encenações às quais, talvez, a maioria absoluta de nós
recorre para atender as convenções sociais está a essência bruta e inalterável do
que realmente cada um de nós é; e nisso não convenção social que dê jeito,
porque do que se é ninguém, definitivamente ninguém, escapa.
Os seres humanos somos cruéis demais.
A humanidade a todo momento caminha em uma velocidade fugaz rumo a barbárie. O ser humano que eu não descrevo como animal para não ofender os animais, se enquadra na maldade daquele que se diz pai,cadastra e enteada deveriam se enquadrar na justiça das próprias mãos, ou da justiça olho por olho dente por dente, merecendo se acorrentado em um túnel. Quanto a omissão do Conselho tutelar merecia a mesma pena ou se possível os conselheiros ou diretores ser dizimados da face da terra diante de tanta hostilidade e crueldade administrativa. Eis a minha indignação.
ResponderExcluir* madastra...
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