Por Clênio Sierra de Alcântara
Muitos adultos costumam
vender a imagem da infância como se ela fosse uma versão açucarada da
existência, como numa adaptação dos contos de fadas dos Estúdios Walt Disney. Essa
visão é muito própria, no mais das vezes, de quem idealiza e/ou só pinta a vida
em tons pastéis; mas a realidade, em si, é bastante diferente disso.
Eu não tive uma infância
boa. Na verdade, eu tive uma infância bastante difícil, sobretudo por ter sido
filho de uma mãe solteira que fez o que pôde e o que estava ao seu alcance para
me criar. Sofri alguns horrores, não nego. E sei que tais horrores que eu sofri
não foram a mim aplicados necessariamente por causa da condição socioeconômica em
que eu vivia. Horrores atingem crianças de qualquer classe ou nível social,
tenham elas famílias completas ou não, pais e mães presentes ou não, como se
isso fosse uma coisa normal ou, digamos, um percurso que todos e cada um
deveriam/devem atravessar, como um rito de passagem. Entre as muitas ações
moralmente reprováveis que eu protagonizei até hoje, seguramente uma das que eu
mais lamento foi, num dia de lavação de roupa suja de toda uma vida, ter dito e
feito acusações à minha mãe por acontecimentos ruins de minha infância que eu
entendia que ocorreram por culpa dela. Não, minha mãe errou sim, em algum momento,
mas batalhou muito por mim; isso é um fato indiscutível. E eu sobrevivi. Por isso
eu tratei de me resolver com ela. E ponto. Não estou na vida para carregar
fardos, principalmente os que pesam demais.
Será que é cedo para fazer
um juízo de valor sobre o martírio do garotinho Henry Borel? Considerando o que
até agora as investigações policiais apuraram, tudo leva a crer que o seu algoz
foi mesmo o tal do vereador da cidade do Rio de Janeiro Jairo Souza Santos,
conhecido pela alcunha de Dr. Jairinho, padrasto do menino, contando com a -
até este momento - não explicada cumplicidade e/ou conivência de Monique
Medeiros, mãe da criança. Como costuma acontecer em casos dessa natureza não
demorou a se perceber muita coisa de incoerente entre o que os depoentes
relataram para a polícia e o que o laudo do Instituto de Medicina Legal
constatou. Não havia como uma suposta queda de uma cama pudesse provocar lesões
tão graves no corpinho do indefeso Henry, como foi dito pela polícia. E, como
que para atestar o perfil de agressor do acusado, apareceram testemunhos de uma
ex-esposa e de ex-enteados do Dr. Jairinho.
A vulnerabilidade das
crianças deixa elas em permanente estado de sujeição a agressões de todo tipo,
sejam tais agressões físicas, sexuais ou psicológicas, com o agravante de que
elas, as crianças, são seres completamente indefesos e incapazes de sequer
esboçar uma reação contra os seus agressores que, muitas vezes, são os seus próprios
pais e/ou equivalentes, pessoas que, em tese, seriam as mais responsáveis e
garantidoras da proteção delas. A bem da verdade, a crueldade e a perversidade
rondam toda a nossa existência, mas é durante a infância – e também na velhice –
que elas são ainda mais traiçoeiras, porque as crianças não sabem e não têm
como repeli-las.
Os depoimentos de um
arrasado Leniel Borel, pai do Henry, são de cortar o coração. Fico a imaginar a
sua dor fazendo par com a sua clara compreensão de que, de alguma forma, ele
poderia ter evitado que acontecesse o que aconteceu com o seu filho, dadas as
várias vezes em que Henry contou para ele de supostos “abraços fortes” nele
dados pelo acusado de sua morte e as recorrentes negativas para não voltar para
o apartamento onde morava com a mãe e o padrasto. O pequeno Henry não foi do
tipo de vítima que sofria calada e se escondia. Muito pelo contrário. Ele dizia
ao pai e até a babá as agressões que lhe eram aplicadas e, ainda assim, infelizmente,
não conseguiu que seus “pedidos de socorro” fossem atendidos; e acabou sendo
massacrado pelo padrasto e agressor contumaz, conforme as investigações
policiais.
Não acredito na inocência do
ainda vereador Jairo Souza Santos. Por tudo o que até hoje as investigações
policiais apuraram, Jairo, o Jairinho, além de médico é um monstro.
Henry Borel se foi na
plenitude da vida com seus olhinhos encantadores e seu sorriso cativante. Meus pêsames,
Leniel; e força em sua luta para que a Justiça não seja também ela sepultada.
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