Por Clênio Sierra de Alcântara
Há de chegar o dia em que tamparemos a lata de lixo da História da qual o senhor Jair Bolsonaro e os seus cúmplices nunca sairão
Nos registros históricos
comumente nos deparamos com as narrativas elaboradas pelos vencedores. Sob essa
ótica os eventos refletem não somente a unicidade de versão dos fatos e o
discurso da dominação, mas também a tendência para superdimensionar ações por
eles protagonizadas, elencar justificativas e mais justificativas para os
malfeitos por eles realizados e escamotear acontecimentos e desprezar quando
não somente demonizar os vencidos. Aos vencedores, as batatas; aos vencidos, a
desqualificação total e completa.
Pegue-se qualquer manual de
História do Brasil. Lendo-o com atenção o leitor observará que foram inúmeras
as vezes em que, sob o argumento de defesa da tão glorificada “soberania
nacional” militares das Forças Armadas tomaram a frente e promoveram mudanças
bruscas na vida política e organizacional do país desde a chamada Proclamação
da República, em 1889, até 1964, ano em que, sob a alegação de que havia – e havia
mesmo - uma séria ameaça de “cubanização” do país, a soldadesca implantou uma
ditadura à sua maneira. Ora, se era para ter uma ditadura, melhor que fosse uma
ditadura controlada e determinada por eles. E ponto. E, com o escudo da “soberania
nacional”, lá foram eles tratar de prender, torturar, matar e dar fim a corpos
de rebeldes comunistas. Os confrontos deixaram mortos e feridos de ambos os
lados, muitíssimo mais do lado dos “subversivos”, é verdade; e, entre
vencedores e vencidos, se encontrava a massa ignara que levava a vida como se
uma ditadura não existisse.
Na última quarta-feira, dia
31 de março, as tropas saudosas dos seus grandes feitos para o país, comemorou
o acontecimento da decretação da ditadura de 1964, por elas chamada de
revolução. Não foi lá, digamos, um festão. Em parte pelo momento lutuoso que
desde o ano passado estamos enfrentando com o morticínio provocado pela
pandemia do coronavírus, em parte porque o presidente da República Jair
Bolsonaro resolveu dar uma rasteira em seus mais tarimbados e garantidores
apoiadores, tirando o general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e demitindo
também os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, deixando bem
claro quem é que está realmente no comando.
Recordo claramente que,
neste meu humílimo espaço, eu celebrei, no ano passado, uma declaração bem
ajuizada do então comandante do Exército, Edson Pujol. Coerente, sensato e
convicto do verdadeiro papel que lhe cabia, ele declarou enfaticamente que,
diante da catástrofe da pandemia, o Exército brasileiro talvez estivesse
lidando com “a missão mais importante da nossa geração”. Era fins de um março
também. O então comandante disse ainda que o enfrentamento exigia “a união de
todos os brasileiros”. Foi, a meu ver, não só uma séria tomada de posição
diante do que vinha acontecendo em termos sanitários, como também, a seu modo,
um tapa na cara de um irresponsável, estúpido, perverso e inconsequente Jair
Bolsonaro que, desde a sua campanha, em 2018, estava absolutamente seguro e
certo de que todos os integrantes das Forças Armadas seguiriam e aceitariam
cegamente tudo o que ele propusesse e/ou defendesse para o país.
Sim, eu vibrei naquela
ocasião, porque compreendi que existia gente de bem nas Forças Armadas; gente que
não estava disposta a ser mais um elemento na manada cega e algo covarde que
dava apoio incondicional a Seu Jair. Mas eu também tive compreensão e disse a
mim mesmo que o senhor Edson Pujol era trigo no meio do joio; e que não se
poderia confiar por completo nas Forças Armadas, vide o aparelhamento que o
presidente Jair Bolsonaro foi promovendo desde o início do seu desgoverno,
colocando militares em todo canto que fosse possível, contemplando-os com altos
salários, prestígio e poder. Mas, muito mais do que isso, minha descrença e
desconfiança com relação às Forças Armadas se deram – e se dão – porque elas
foram a principal fiadora do então candidato ao pleito presidencial tendo pleno
conhecimento que ele é uma pessoa desajustada e maligna, tanto que o Exército o
expulsou de suas fileiras muitos anos atrás. E tolo é o que pensa que elas o
apoiaram e defenderam com uma lealdade quase canina porque os mais estrelados
oficiais estavam preocupados com a defesa da tal – lá vem ela de novo – “soberania
nacional”. Não, eu não acredito nisso. Eu acredito piamente que o que realmente
levou os caras a fazerem esse verdadeiro pacto com o diabo, foi a defesa dos
seus próprios interesses. Imagino o sem-número de promessas que o tresloucado
do Seu Jair fez a eles; e, pelo que veio a ocorrer, cumpriu todas elas: ele
colocou militares no comandando de ministérios
e em outros cargos vistosos; livrou o alto escalão da reforma da previdência; e
garantiu-lhes gordo orçamento para as Forças Armadas. Bem, se, como dizem por
aí, dinheiro compra até amor verdadeiro...
Ficou feio para as Forças
Armadas as demissões que o senhor presidente da República fez nesta semana,
justamente nesta semana, em que elas comemoraram a suprema glória da
instituição, que foi a implantação da ditadura militar em 1964. Por que a tropa
exalta 1964 como um acontecimento havido em defesa só e somente só da garantia
dos ideais democráticos apoia, continua a apoiar uma figura como Jair Bolsonaro
que é um declarado inimigo dos fundamentos da democracia? O Presidente da
República humilhou os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica,
como nenhum outro fez, e militares continuam entranhados no governo porque não
querem largar o osso. Nenhum deles deu meia volta, volver.
De minha parte eu continuo
acreditando que não se pode confiar que as Forças Armadas sejam, de fato, por
ora, defensoras unicamente da – lá vem ela mais uma vez – “soberania nacional”,
a não ser que “soberania nacional” seja sinônimo de “próprios interesses”.
Há de chegar o dia em que tamparemos a lata de lixo da História da qual o senhor Jair Bolsonaro e os seus cúmplices nunca sairão.
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