19 de junho de 2021

O poder alucinógeno da cloroquina

Por Sierra

Imagem: Reprodução
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as mãos do senhor Jair Bolsonaro a cloroquina sofreu dupla transmutação: foi convertida em remédio milagreiro e em um poderoso alucinógeno. Milagre ela não fez e nem fará, mas, alucinações, a maldita droga não para de provocar 




Complô da indústria farmacêutica para faturar alto com a venda de vacinas. Armação da China para enfraquecer as economias dos demais países, em geral, e a dos Estados Unidos, em particular. Conluio dos países ricos para continuarem mandando de alguma maneira nos países pobres. Disputa política pura e simples. Tudo isso e mais um pouco está contido no discurso daqueles que, de modo entusiasmado, empedernido e por vezes agressivo, até defendem um chamado “tratamento precoce” para combater a contaminação pelo coronavírus; tratamento esse que inclui, entre outros, ivermectina, hidroxicloroquina e cloroquina.

Não sou ingênuo a tal ponto de não acreditar que interesses escusos não raro se impõem até mesmo na produção de alimentos, como comprovam os casos que vez por outra vêm à tona, por exemplo, de adulteração de leite e de reaproveitamento de produtos que perderam a validade; sem nos esquecermos dos sucessivos desmascaramentos da indústria de azeite de oliva que, conforme amplamente divulgado – basta uma busca no Google para constatar isso -, comercializam algo que não deveria ser chamado de azeite. Contudo, entretanto e todavia, a minha vida é regida pela seguinte filosofia: não acredito em tudo e nem duvido de tudo; escolho um caminho, uma posição ou o que for e sigo. Caso eu reconsidere a decisão, eu tomo outro rumo. Simples assim. Eu só não fico parado vendo a história acontecer e o tempo passar. E, neste caso do embate cuidados pessoais + vacina versus liberou geral + cloroquina, sem qualquer hesitação, dadas as tantas manifestações da comunidade científica, eu fiquei absolutamente contra o liberou geral e o uso da cloroquina como medicamento para tratar os diagnosticados com covid-19.

Há algo de muito perigoso e maléfico, para dizer o mínimo, na postura de um governante que se põe a tornar suas convicções pessoais política de Estado, menosprezando considerações de uma quantidade enorme de estudiosos no assunto. O negacionismo da gravidade da pandemia e o comportamento de quem não está mesmo nem aí para a pilha de mortos que ela vem juntando são dois entre vários indicativos de que o atual mandatário deste infeliz país não tem noção alguma de civilidade e menos ainda de governança.

A defesa intransigente e cega de um suposto “tratamento precoce”, levada a cabo pelo presidente da República Jair Bolsonaro, está inserida num verdadeiro combo constituído por um igualmente intransigente e cego desprezo pelo uso de máscara, pelo apoio e incentivo à desobediência a medidas desesperadas de governadores e prefeitos com o intuito de ao menos diminuir o avanço da pandemia, pelos ataques a vacinas e por uma persistente e cruel indiferença para com a memória daqueles que morreram vitimados pela pandemia, como a participação em atos antidemocráticos, incentivo à invasão de hospitais e os passeios em comboio com motociclistas querendo dar um ar de normalidade a uma realidade tão devastadora e trágica que é essa que estamos a atravessar, enterrando e cremando milhares de mortos num processo que parece que não quer dar trégua.

À tragédia dos desamparados que perderam empregos e atividades informais de geração de renda por causa da pandemia e ao infortúnio dos que viram os arrimos de suas famílias perecerem vitimados por essa covid-9, o senhor Jair Bolsonaro acrescentou o discurso do ódio e da desunião no seio da sociedade, quando, do que mais precisávamos e ainda precisamos era e é de uma defesa em uníssono de um pacto federativo visando à superação da anormalidade e o alcance do bem comum.

No meu entender só a cegueira, a perversidade, a psicopatia e um possível efeito alucinógeno provocado pela cloroquina podem explicar o comportamento do senhor Jair Bolsonaro e o do enorme rebanho de seguidores que o defende deturpando a realidade. O coronavírus segue matando a rodo e eles continuam mantendo uma postura de desapreço pela vida, ignorando protocolos, disseminando notícias falsas e maldizendo quem procura se proteger contra o contágio. Esse comportamento monstruoso e irresponsável revela sim um desapreço pela vida alheia, mas também põe à mostra o caráter patológico e algo animalesco e sanguinário de uma multidão de alucinados, alucinados que agridem, ofendem e ameaçam quem não concorda com suas posturas e atitudes, como se viu no último dia 11, em Palmares Paulista, São Paulo, no episódio em que um cliente reagiu violentamente ao pedido da funcionária de uma padaria para que ele usasse máscara, agredindo fisicamente a mulher com chutes e joelhadas que a deixaram com vários hematomas e o braço esquerdo quebrado.

Alguém pode imaginar o estrago que fez e continua fazendo no organismo das pessoas o coquetel de medicamentos que compõem o tal “tratamento precoce” numa população que é uma das campeãs mundiais no quesito automedicação? Alguém consegue imaginar quantos indivíduos consumiram os tais fármacos como se eles fizessem parte de uma profilaxia, ou seja, como se eles prevenissem o contágio pela doença?

O que o senhor Jair Bolsonaro fez e faz ao recomendar o ineficaz “tratamento precoce” contra a covid-19, ao mesmo tempo que despreza o uso de máscara e condena medidas restritivas de circulação de pessoas, é conferir uma espécie de salvo conduto a quem nele acredita, como que dizendo: “Olha, você pode fazer o que quiser porque, caso seja contaminado pelo coronavírus, basta tomar os medicamentos que eu indiquei e pronto”. Dentro dessa lógica irresponsável e macabra é como se passássemos a não usar o cinto de segurança confiando plenamente no air bag ou deixássemos de fazer uso de preservativos porque existe um coquetel que garante uma “vida normal” aos portadores de HIV, por exemplo.

Como que carimbando o atestado de incompetência generalizada e o desastre absoluto do desgoverno do psicopático presidente da República Jair Bolsonaro, no combate à pandemia, hoje, 19 de junho de 2021, dia de São Romualdo, o Brasil ultrapassou a assombrosa marca de 500.000 vidas perdidas para o coronavírus – foram exatamente 500.868. Na falta do que dizer e/ou buscando inutilmente tirar o do senhor Jair Bolsonaro da reta, como fazem os funcionários do desgoverno, o ministro das Comunicações Fábio Faria usou o Twitter no dia de hoje para dizer que a oposição “torce pelo vírus” e que “existe uma tentativa coordenada de colocar tudo na conta do Bolsonaro e minimizar todo o trabalho e os esforços do governo federal para o combate da pandemia”. Gozado, não é? Ele poderia ter listado uma por uma as falas e os comportamentos irresponsáveis do seu chefe-supremo no tocante ao coronavírus e à pandemia; dessa forma constataria que a “torcida” da oposição não faz mal nenhum à sociedade, mas o que o senhor Jair Bolsonaro faz e diz sim. Ministro, o que move um governo, para o bem ou para o mal, são as ações tomadas por quem está no seu comando e não quem torce contra ou a favor dele.

Nas mãos do senhor Jair Bolsonaro a cloroquina sofreu dupla transmutação: foi convertida em remédio milagreiro e em um poderoso alucinógeno. Milagre ela não fez e nem fará, mas, alucinações, a maldita droga não para de provocar.

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