3 de julho de 2021

De cores, rumores, temores e horrores

 Por Sierra


Foto: Divulgação
 Eduardo Leite fez muito bem em tornar pública a sua sexualidade, mas não apagou o fato de ter sido um dos apoiadores de um monstruoso homofóbico. 
A consciência de ser o que se é deveria pautar o tempo todo a nossa existência e não ser acionada pelas conveniências de momento

 

Nunca compreendi nem vou compreender como alguém, por vontade própria e por livre liberdade de escolha, apoia um indivíduo e/ou um discurso que lhe massacra.

Há cerca de oito anos eu conheci um rapaz efeminado que ficou muito interessado em mim e que, acredito, só ele pensava que ninguém dos seus ciclos familiar e de amizade o via como um homossexual, apesar dos seus trejeitos o enquadrarem no estereótipo de que todo efeminado é gay ainda que nem todo gay seja efeminado. Aborrecia-me tremendamente o fato de ele frequentar, semanalmente, os cultos de um templo evangélico mesmo sabendo como indivíduos de natureza sexual como a dele são, geralmente, vilipendiados, humilhados e considerados pecadores, doentes e coisas piores nesses espaços. O que sei é que eu me afastei dele, porque, entre as inúmeras coisas que eu até hoje não aprendi nesta minha vida, foi dar acolhida a covardes e a quem não consegue se encontrar e nem aceitar o que é.

Nesta semana em que, no mundo todo, ocorreram ações alusivas ao Dia Internacional do Orgulho LGBT, assistimos, no Brasil, a vários episódios reveladores da enormidade do discurso do ódio e de repelência que acomete gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e todos aqueles que não se encaixam no que se convencionou chamar de heteronormatividade.

Na esteira de um muito bem-vindo indicativo de respeito à diversidade sexual e de adequação às demandas de diferentes perfis de consumidores, a rede de fast food Burger King divulgou, na semana passada, uma peça publicitária em que crianças dizem respeitar tal realidade, a turba que se diz defensora da moral e dos bons costumes e dos preceitos bíblicos soltou o sarrafo nas redes sociais e além contra o comercial e, por tabela, contra a comunidade LGBT. Sikêra Jr., que apresenta um programa mundo-cão na Rede TV!, chegou mesmo a dizer – e ele é um reconhecido caso de reincidência – que os homossexuais são uma “raça desgraçada”. Não que se possa esperar que saia algo de bom da cabeça e do programa de Sikêra Jr., mas o seu tom homofóbico é bastante ilustrativo de uma verdadeira cultura de perseguição e de massacre neste que é um dos países onde mais se mata homossexuais por eles serem homossexuais. É um horror de tamanho colossal; e, em parte, essa realidade explica, creio, o temor de muitos de vivenciarem plenamente a sua sexualidade. O senhor Sikêra Jr. se diz defensor da “família tradicional”. Se todo chefe de família – incluindo as ditas “tradicionais” – fosse da mesma estirpe desse Sikêra Jr. certamente nossa sociedade seria bem pior do que é. Ele disse o que disse contra os homossexuais, tentou se desculpar e continuou a lesma lerda. Sikêra Jr., o senhor é como papel higiênico usado, não dá para reciclar.

Na madrugada de ontem, no programa do Pedro Bial, da Rede Globo, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, revelou a sua homossexualidade, algo que rumores e chistes vindos, inclusive, do presidente da República Jair Bolsonaro, um homofóbico mais do que assumido que tem uma verdadeira fixação anal, indicavam que fosse. Antes de o programa ir ao ar, corria na internet o que Eduardo Leite revelara durante as gravações. Em vista disso, de maneira bastante incisiva e pertinente que lhe é característica, Jean Wyllys questionou o governador no Twitter se referindo ao fato de, em 2018, Eduardo Leite ter apoiado Jair Bolsonaro na campanha eleitoral daquele ano, o que, verdade seja dita, é algo, a meu ver, no mínimo, espantoso, principalmente quando se considera que, talvez, ainda hoje ele continuasse dando apoio ao senhor Jair Bolsonaro que é, repita-se, homofóbico até dizer basta, caso o presidente estivesse atravessando um céu de brigadeiro. Por mais que seja merecedora de respeito e digna de relevância a atitude do governador Eduardo Leite de tornar pública a sua natureza sexual, o seu gesto, ainda assim, como que desbotou um pouco as cores da bandeira da militância, quando se tem conhecimento do seu apoio ao homofóbico e agora genocida Jair Bolsonaro, como bem destacou Jean Wyllys. Além do puxão de orelha que lhe foi dado pelo ex-deputado federal, Eduardo Leite ainda foi novamente alvo de pilhérias do presidente da República.

Eu já disse aqui, mais de uma vez, que tenho uma sexualidade viva e em pleno exercício; e que me relaciono sexualmente com homens e mulheres. Rótulos não me definem e nem eu caibo em caixinhas. Durante um curto período do início da minha vida adulta essa dualidade me causou certo desconforto, dado o imperativo da heteronormatividade. Mas isso foi logo superado – obrigado, Ana Bock. De resto, a minha sexualidade em nada afeta negativamente o meu viver. Cabeça-feita, eu me julgo estar além do que possam pensar a respeito disso. Viver, eu aprendi desde criancinha, é um ato de resistência, porque há inúmeros agentes agindo contra a vida o tempo todo e o preconceito é um entre muitos eles. Não tenho sangue de barata e nem peito de aço. Detesto os guetos e os estereótipos. Luto por minha existência com as armas que possuo. Eu só largo mão do que para mim se impõe como um fardo, porque eu tenho a firme convicção de que não nasci para carregar fardos. Não percam o seu tempo me pedindo reconsiderações ou coisas do tipo a tal respeito. Eu não vivo numa redoma, mas, de algum modo, eu fui capaz de encontrar a paz de que precisava – e é tão bom viver em paz. Por favor, me deixem em paz.

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