Por Sierra
Nunca compreendi nem vou
compreender como alguém, por vontade própria e por livre liberdade de escolha, apoia
um indivíduo e/ou um discurso que lhe massacra.
Há cerca de oito anos eu
conheci um rapaz efeminado que ficou muito interessado em mim e que, acredito,
só ele pensava que ninguém dos seus ciclos familiar e de amizade o via como um
homossexual, apesar dos seus trejeitos o enquadrarem no estereótipo de que todo
efeminado é gay ainda que nem todo gay seja efeminado. Aborrecia-me
tremendamente o fato de ele frequentar, semanalmente, os cultos de um templo
evangélico mesmo sabendo como indivíduos de natureza sexual como a dele são,
geralmente, vilipendiados, humilhados e considerados pecadores, doentes e
coisas piores nesses espaços. O que sei é que eu me afastei dele, porque, entre
as inúmeras coisas que eu até hoje não aprendi nesta minha vida, foi dar
acolhida a covardes e a quem não consegue se encontrar e nem aceitar o que é.
Nesta semana em que, no
mundo todo, ocorreram ações alusivas ao Dia Internacional do Orgulho LGBT,
assistimos, no Brasil, a vários episódios reveladores da enormidade do discurso
do ódio e de repelência que acomete gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e
todos aqueles que não se encaixam no que se convencionou chamar de heteronormatividade.
Na esteira de um muito
bem-vindo indicativo de respeito à diversidade sexual e de adequação às
demandas de diferentes perfis de consumidores, a rede de fast food Burger King divulgou, na semana passada, uma peça publicitária
em que crianças dizem respeitar tal realidade, a turba que se diz defensora da
moral e dos bons costumes e dos preceitos bíblicos soltou o sarrafo nas redes
sociais e além contra o comercial e, por tabela, contra a comunidade LGBT. Sikêra
Jr., que apresenta um programa mundo-cão na Rede TV!, chegou mesmo a dizer – e ele
é um reconhecido caso de reincidência – que os homossexuais são uma “raça
desgraçada”. Não que se possa esperar que saia algo de bom da cabeça e do
programa de Sikêra Jr., mas o seu tom homofóbico é bastante ilustrativo de uma
verdadeira cultura de perseguição e de massacre neste que é um dos países onde
mais se mata homossexuais por eles serem homossexuais. É um horror de tamanho
colossal; e, em parte, essa realidade explica, creio, o temor de muitos de
vivenciarem plenamente a sua sexualidade. O senhor Sikêra Jr. se diz defensor
da “família tradicional”. Se todo chefe de família – incluindo as ditas “tradicionais”
– fosse da mesma estirpe desse Sikêra Jr. certamente nossa sociedade seria bem
pior do que é. Ele disse o que disse contra os homossexuais, tentou se
desculpar e continuou a lesma lerda. Sikêra Jr., o senhor é como papel
higiênico usado, não dá para reciclar.
Na madrugada de ontem, no
programa do Pedro Bial, da Rede Globo, o governador do Rio Grande do Sul,
Eduardo Leite, revelou a sua homossexualidade, algo que rumores e chistes
vindos, inclusive, do presidente da República Jair Bolsonaro, um homofóbico
mais do que assumido que tem uma verdadeira fixação anal, indicavam que fosse. Antes
de o programa ir ao ar, corria na internet o que Eduardo Leite revelara durante
as gravações. Em vista disso, de maneira bastante incisiva e pertinente que lhe
é característica, Jean Wyllys questionou o governador no Twitter se referindo ao fato de, em 2018, Eduardo Leite ter apoiado
Jair Bolsonaro na campanha eleitoral daquele ano, o que, verdade seja dita, é
algo, a meu ver, no mínimo, espantoso, principalmente quando se considera que,
talvez, ainda hoje ele continuasse dando apoio ao senhor Jair Bolsonaro que é,
repita-se, homofóbico até dizer basta, caso o presidente estivesse atravessando
um céu de brigadeiro. Por mais que seja merecedora de respeito e digna de
relevância a atitude do governador Eduardo Leite de tornar pública a sua
natureza sexual, o seu gesto, ainda assim, como que desbotou um pouco as cores
da bandeira da militância, quando se tem conhecimento do seu apoio ao
homofóbico e agora genocida Jair Bolsonaro, como bem destacou Jean Wyllys. Além
do puxão de orelha que lhe foi dado pelo ex-deputado federal, Eduardo Leite
ainda foi novamente alvo de pilhérias do presidente da República.
Eu já disse aqui, mais de
uma vez, que tenho uma sexualidade viva e em pleno exercício; e que me
relaciono sexualmente com homens e mulheres. Rótulos não me definem e nem eu
caibo em caixinhas. Durante um curto período do início da minha vida adulta
essa dualidade me causou certo desconforto, dado o imperativo da heteronormatividade.
Mas isso foi logo superado – obrigado, Ana Bock. De resto, a minha sexualidade em
nada afeta negativamente o meu viver. Cabeça-feita, eu me julgo estar além do
que possam pensar a respeito disso. Viver, eu aprendi desde criancinha, é um
ato de resistência, porque há inúmeros agentes agindo contra a vida o tempo
todo e o preconceito é um entre muitos eles. Não tenho sangue de barata e nem
peito de aço. Detesto os guetos e os estereótipos. Luto por minha existência
com as armas que possuo. Eu só largo mão do que para mim se impõe como um
fardo, porque eu tenho a firme convicção de que não nasci para carregar fardos.
Não percam o seu tempo me pedindo reconsiderações ou coisas do tipo a tal
respeito. Eu não vivo numa redoma, mas, de algum modo, eu fui capaz de
encontrar a paz de que precisava – e é tão bom viver em paz. Por favor, me
deixem em paz.
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