Por Sierra
A pandemia do coronavírus
pôs o mundo em polvorosa. É inegável que tudo ou quase tudo do nosso cotidiano
foi transformado, de uma hora para outra, por imposição das chamadas medidas
sanitárias destinadas a conter a propagação da doença e os seus efeitos
danosos.
Quem ficou acompanhando o
noticiário tomou conhecimento de que em várias cidades brasileiras houve
diminuição da frota e mesmo a não circulação de ônibus, em determinados dias e
horários, como meio de fazer com que as pessoas só os buscassem em caso de
necessidade, como ir trabalhar, comprar comida e remédios e por aí vai.
Por mais que as autoridades
fizessem inúmeras recomendações para que não nos aglomerássemos a fim de
mantermos a distância mínima de 1,5 m entre um indivíduo e outro, como cumprir
isso dentro de ônibus em linhas muito concorridas? Muito embora o contingente
de desempregados estivesse nas alturas antes mesmo da crise pandêmica e muita
gente tenha deixado de pegar ônibus porque escolas, igrejas, comércio dito não
essencial e uma infinidade de estabelecimentos tiveram de ser temporariamente
fechados, ainda assim, várias foram as linhas que continuaram circulando lotadas
enquanto o coronavírus abatia vidas a rodo.
Foram várias as vezes em que
eu, indo e voltando do trabalho, tendo de embarcar em quatro conduções, como
diz aquela canção, “duas pra ir, duas pra voltar”, tive de amargar o imprensado
em coletivos lotados nos quais não se podia levantar um pé para não correr o
risco de perder o espaço onde pisar. Quem pega os ônibus das linhas Ilha de
Itamaracá/Igaraçu e Igaraçu/Macaxeira nos horários de pico sabe muito bem do
que eu estou falando. A realidade dos coletivos lotados com gente espremida bate
de frente com as recomendações sanitárias e as autoridades pouco ou nada fazem
para tentar contornar essa situação.
Como eu ia dizendo a
pandemia provocou transformações em muitos aspectos do nosso cotidiano. Ainda que
a taxa de desemprego tenha continuado em escala ascendente, o que eu verifiquei
nas linhas em que costumo embarcar, foi que houve uma diminuição do número de
vendedores ambulantes no período; e, mesmo no terminal de Igaraçu, a quantidade
deles também diminuiu. Das duas uma: ou a massa de ambulantes está sem grana
para comprar mercadorias; ou, dado o número de pessoas sem emprego e os preços
dos produtos nas alturas, eles intuíram que não é um bom negócio enfrentar o
vuco-vuco dos ônibus para oferecer coisas a uma gente que está tendo
dificuldade até para comprar arroz e feijão. Pobres e assalariados podem não
compreender bem o economês e os mecanismos de elevação dos índices inflacionários,
mas sabem como ninguém o que é carestia, porque logo percebe e vê que o dinheiro
que antes dava para comprar três quilos de arroz, agora só dá para trazer um
quilo do supermercado. Economês para pobre e assalariado é privação, é falta do
necessário à vida.
Se de algumas linhas a
pandemia fez diminuir e/ou desaparecer os vendedores ambulantes, por outro lado
ela fez surgir um tipo novo: o limpador de apoiadores de mão. Normalmente eles
atuam da seguinte maneira: entram no coletivo e, munidos de um pano e de um
borrifador, vão passando álcool nos lugares nos quais habitualmente os passageiros
seguram durante as viagens. Alguns desses, digamos, limpadores ambulantes, às
vezes, perguntam se alguém quer receber uma borrifada nas mãos para
higienizá-las; e todos eles, ao final da rápida limpeza, fazem um discurso dizendo
que estão agindo com o propósito de utilidade pública – já ouvi um deles dizer
que a tarefa deveria caber ao governo: “Mas o governo não quer saber da gente, né,
pessoal?!”, ele completou.
Como sempre ocorre ou quase
sempre ocorre quando da atuação dos vendedores, há quem ignore completamente os
limpadores e outros que os apóiam dando-lhes algumas moedinhas, ainda que, como
certa vez me disse um rapaz que estava sentado ao meu lado, uns e outros
acreditem que o borrifador contenha mesmo é “álgua”, uma mistura de álcool com
água. Bem, considerando que há quem nem acredite que o coronavírus seja isso
tudo que andam dizendo por aí, duvidar da “álgua” é coisinha de nada.
De repente o ônibus dá um
solavanco e alguém de pronto afirma em voz alta: “Tás pensando que tás carregando
tua mãe é, motorista?!”. E a viagem segue. Como diz o adágio dos buseiros –
buseiro vem de bus, tá? – “nesta vida
tudo é passageiro, menos o cobrador e o motorista”. Sossego? Que sossego? “Ei,
motorista, vai descer!”. O motorista rebate: “Você não deu sinal”. E o
passageiro: “Eu puxei sim [a cordinha que aciona a campainha]. Tás surdo é?”. E
a viagem segue com o coronavírus e tudo o mais que couber dentro do ônibus.
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