A indústria turística é uma
realidade estabelecida praticamente no mundo todo. Para muitas cidades o
turismo representa uma parte significativa de sua economia, como é o caso de
Barcelona, na Espanha, onde, de acordo com dados recentes, o setor responde por
15% da esfera econômica; daí por que foi enorme, gigantesco o baque que a
pandemia do coronavírus provocou num segmento que envolve desde pequenas pousadas
e grandes redes hoteleiras, companhias aéreas e restaurantes, passando por
teatros e museus e, inclusive, aquele senhorzinho que oferece travessia de
barco de um lado para o outro do Rio Capibaribe, no Recife, por exemplo. O turismo
é, enfim, uma cadeia constituída por muitos elos.
Quem pode e costuma viajar
e/ou passear normalmente dá de cara, aqui e ali, com realidades turísticas
muito distintas – e aqui eu não estou somente me referindo à atração turística
em si, mas também ao suporte prestado ao turista e/ou visitante. Não tenho
ainda experiência de viagens para fora do país, mas já conheci diversos
destinos turísticos nacionais e normalmente, dada a minha natureza de quem
observa com vistas a escrever algo sobre o que viu, vivenciou e experimentou
nos lugares onde esteve, eu posso dizer, com total segurança, que o turismo, no
Brasil, é algo que ainda não conseguiu atingir, de maneira geral – e, claro,
não entram aqui nesta avaliação as exceções, porque exceções são exceções -, um
grau satisfatório e muito menos de excelência.
O que eu mais observo por aí
é muito amadorismo, é muito ajeitadinho e é muita incompetência andando de mãos
dadas com preços exorbitantes e cobranças abusivas e incompatíveis com a
qualidade do que é oferecido. Eu já fiquei uma pousada na Paraíba na qual
faltou água e a proprietária simplesmente sumiu, abandonando os hóspedes; eu me
deparei com frutas congeladas servidas no café da manhã de um hotel em Minas
Gerais; eu esperei durante uma hora pela saída do prato que eu pedira para
jantar num restaurante em Sergipe; e andei a valer para encontrar onde almoçar
numa cidade do Pará. Fazer turismo no Brasil não é só para os fortes; é,
também, para os que estão dispostos a pagar preços nem sempre justos e para os
que têm nervos de aço e não são propensos a frustrações.
É próprio da indústria
turística tentar, de diversas formas, promover os locais e os destinos
conectando eles com toda a cadeia que a constitui – hotéis e pousadas,
restaurantes e lanchonetes, guias, etc. -, de modo que o turista, o visitante e
o viajante consigam aproveitar e/ou desfrutar ao máximo aquela escolha que ele
fez. É no desenho das atrações que entram os chamados city tours, que nada mais são do que roteiros turísticos,
itinerários de visitação organizados. Lembrando que nem todo turista, nem todo
visitante e menos ainda nem todo viajante, como é o meu caso, é dado a seguir
roteiros e itinerários fechadinhos e imutáveis, porque quer ele próprio ir
conhecendo e descobrindo sozinho o lugar que escolheu para viajar.
Também é muito próprio da
indústria turística criar e/ou descrever cenários de encantos fazendo tudo que
é possível para manter longe dos olhos dos turistas os, digamos, lados B de tal
e tal destino. Num pequeno livro da Coleção ABC do Turismo, Adriana de Menezes
Tavares, ao descrever a elaboração de um city
tour, entre diversos outros pontos, como condições do trânsito e lugares de
difícil acesso, nos diz que “deve-se evitar passar por locais que estejam com o
entorno muito degradado, como a presença de favelas, mendigos, muros pichados”
(Adriana de Menezes Tavares. City tour.
São Paulo: Editora Aleph, 2002, p. 44). Ou seja, habitualmente o que o turista
é levado a ver e a entrar em contato é com um cenário, com algo que mascara
e/ou encobre a realidade socioeconômica de determinados lugares.
Ainda ontem eu li um artigo
na revista Veja falando do impacto negativo
da pandemia para o turismo dentro dos países que compõem a União Europeia. A reportagem
tem um duplo viés: aborda, por um lado, as perdas na economia provocadas pela
ausência dos visitantes; e, por outro lado, relata que o esvaziamento de várias
cidades, normalmente muito procuradas, fez autoridades do setor turístico
avaliarem quão pode ser daninho para tais centros urbanos, o chamado “turismo
predatório”, de “pessoas que chegam, tiram milhares de selfies e vão embora no mesmo dia, sobrecarregando a infraestrutura
local sem contribuir efetivamente para a economia” (Ernesto Neves. “Adeus, muvuca”.
Veja, São Paulo, Editora Abril,
edição 2744, ano 54, nº 25, 30 de junho de 2021, p. 65).
Um episódio ocorrido nesta
semana aqui onde eu moro, na Ilha de Itamaracá, que é um município da Região
Metropolitana do Recife, e, ainda, um dos principais destinos praieiros de
Pernambuco, me levou a fazer um link
entre aquele livro da Adriana de Menezes Tavares e a matéria do Ernesto Neves para
escrever este artigo.
Localizada no litoral norte
pernambucano, a Ilha de Itamaracá, a bem da verdade, já gozou de um período
áureo no setor turístico que foi paulatinamente desbotando à medida que o
litoral sul foi transformado na menina dos olhos das agências de viagens e das
peças de divulgação produzidas pelo governo do estado; talvez por causa disso
ou a realidade local tenha levado a isso, a Ilha de Itamaracá vem assistindo,
pelo menos desde o início da década de 1990, a um enfraquecimento da estrutura
receptiva para os visitantes. Hotéis de renome como o Itamaracá e o Caravela
fecharam as portas; e restaurantes como o Apetitosa faliram. Ao lado disso,
ocorreu um aumento substancial da população residente e a construção incessante
de moradias e de casas de veraneio em áreas diversas, inclusive, em terrenos
que antes eram ocupados por vegetação nativa, onde se vê que o caos urbano e a especulação
imobiliária são duas entre inúmeras chagas a corroer o território insular. Em vários
pontos da ilha, a conjunção de ausência de saneamento básico e de pavimentação
de ruas com a favelização, tornaram certos bairros e comunidades lugares a ser
evitados. E, verão após verão, a chamada população flutuante que acorre para
cá, bem como o denominado turismo predatório, contribuem massivamente para agravar
o quadro de deficiências estruturais, o que é extremamente lamentável, dadas as
belezas naturais que a ilha possui e o seu potencial turístico indiscutível,
que o diga a batalhadora e saudosa professora e jornalista Valdelusa D’Arce,
recentemente falecida, que chegou a trabalhar na Prefeitura Municipal
itamaracaense e que, enquanto repórter do Diario
de Pernambuco, escreveu inúmeras matérias promovendo a ilha em todos os seus
segmentos.
Como eu disse em linhas
atrás, a indústria turística tenta de diversas formas promover os locais e os
destinos que divulga, porque esse é o caminho para torná-los atrativos,
economicamente falando. Pensando dessa maneira a Associação das Microempresas,
Empresas de Pequeno Porte e Microempreendedores Individuais da Ilha de
Itamaracá (AMICRO) junto com a Coopilha, uma cooperativa voltada para o
incentivo do turismo, resolveram homenagear duas personalidades que se tornaram
ícones culturais da ilha e divulgadores das boas coisas do lugar, o já falecido
cantor Reginaldo Rossi e a vivíssima e maravilhosa cantora e cirandeira Lia de
Itamaracá, encomendando, segundo circulava nas rodas de conversa, duas estátuas
a serem postas, uma ao lado da outra, numa das alças do girador de quem pega ou
a estrada que leva ao Forte Orange ou a que segue para o centro administrativo
da ilha.
Contando, segundo me foi
dito por uma informante, com financiamento da Prefeitura Municipal, o projeto
casava a homenagem àqueles dois artistas com um claro objetivo de criar também
um, digamos, monumento para as inescapáveis fotografias que os turistas
costumam fazer, embora eu duvide que alguém considerasse apropriado e principalmente seguro descer do carro para fotografar em local, a meu ver, tão inadequado e tendo como pano de fundo uma construção inacabada. Pois bem, à medida que a base que acomodaria as supostas
estátuas ia sendo construída, mais aumentava a expectativa da população sobre
elas. O burburinho era muito grande. Todos que acompanhavam o andamento da obra
da base aguardavam ansiosamente a chegada das tão faladas estátuas. Como seriam?
Que tamanho teriam? Cada qual que botasse a sua imaginação para trabalhar
enquanto elas não chegavam. E eis que nesta semana elas chegaram.
Sabem daqueles casos raros de
unanimidade? Pois foi o que ocorreu antes mesmo que o plástico negro que as
cobria fosse retirado, porque, pelas fotografias que circularam nas redes sociais
e pelo que se viu no exemplar do Reginaldo Rossi posto junto ao Mercadinho e
Padaria Sol e Mar, no caminho para o Forte Orange, a reprovação foi geral. Risos
de escárnio, zombarias e ataques contra o projeto levaram, segundo a voz do
povo, à retirada das “estátuas” a mando da Prefeitura Municipal sem que
houvesse inauguração alguma. Para usarmos um termo das famigeradas e
implacáveis redes sociais, as estátuas foram canceladas.
Um empresário que pediu para
não ser identificado me disse assim: “Isso é uma prova de que não houve
verdadeira união entre a AMICRO, a Coopilha e a Prefeitura”. Alguém comentou
num táxi-lotação que eu peguei hoje: Não que Reginaldo Rossi e Lia sejam
pessoas bonitas; mas bastava fazer eles como eles são, sem embelezar nem
enfeiar (sic). Aquilo lá ficou muito feio”. Já o taxista soltou essa: “A
beiçola de Lia chegava no (sic) Forte Orange”. A risadagem e a mangação, como
se diz por aqui, não pararam.
Tanta zombaria, escárnio e
reprovação não foram para menos, caro leitor, porque, não duvido, caso você
pudesse ver os tais bonecos – isso mesmo, não eram estátuas e sim bonecos e
ainda por cima sem pernas – iria agir do mesmo modo. Não era preciso ser nenhum
Pietro Maria Bardi e nenhum Clarival do Prado Valladares, renomadíssimos
críticos de arte, para olhar para os tais bonecos e enxergar neles algo de
grotesco e eu diria até mesmo que de desonroso para a memória de Reginaldo
Rossi e principalmente para Lia de Itamaracá que continua gloriosa na ativa e
morando na ilha.
Segundo eu apurei, as
frustrantes, caricaturescas e desapontadoras obras foram encomendadas a um
bonequeiro, a um dos artistas que fazem aqueles bonecos gigantes que são um
sucesso no Carnaval de Olinda. Quando eu vi os que seriam postos a céu aberto
aqui na ilha eu indaguei a mim mesmo: “Será que não disseram ao artista que
queriam estátuas e que elas ficariam expostas permanentemente às intempéries?”.
Bem, deve ter faltado comunicação entre as partes e acompanhamento da feitura
dos bonecos, porque, a meu ver, só isso e nada mais do que isso pode explicar o fato de eles terem sido confeccionados com tais aparências, que lembram as de
mamulengos, e com roupas e acessórios, imaginem, como se essas coisas
pudessem resistir a sol, chuva e vento.
Qualquer boa iniciativa que
ambicione fazer a Ilha de Itamaracá reviver os áureos tempos em que, ainda que
com certo exagero, Reginaldo Rossi dizia ser ela “uma ilha encantada”, que atraía
muitos turistas, deve ser apoiada e louvada, mas o episódio da tão esperada e
pretendida homenagem ao chamado “rei do brega” e à “rainha da ciranda”
resultou, infelizmente, numa frustrante desomenagem.
Foto: Redes Sociais Bem, era para ter sido uma homenagem, mas.... |
Como Muito bem cita o texto, é uma verdadeira zombaria desprestígio por aqueles que sempre fez e farão parte da cultura pernambucana. O escárnio da polarização.
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